Leia também
Esse trabalho intencional, impulsionado pela CEO na América Latina, Paula Santilli, se reflete em números expressivos de mulheres no alto escalão da companhia. A meta global é alcançar a paridade de gênero até 2025, mas a região já sai na frente. No Brasil, elas são 49% dos líderes e o comitê executivo, no país e na América Latina, é 60% feminino. “Precisamos colocar mulheres e grupos minorizados em posições que façam a diferença.”
Agora, a empresa, que teve lucro líquido de US$ 2,93 bilhões no terceiro trimestre de 2024, busca avançar na agenda racial. A meta é chegar a 30% de pessoas pretas em posições de liderança no país até o próximo ano (hoje são 29%) e os objetivos são acompanhados de iniciativas que apoiam os funcionários e suas famílias em diferentes momentos da vida.
Defina suas prioridades
A rotina intensa de trabalho e viagens exigiu concessões, especialmente quando teve sua filha, hoje com 24 anos. “Em vários momentos, priorizei minha carreira em detrimento da vida pessoal. Se você não definir suas prioridades, outra pessoa vai fazer isso por você.”
E é mais fácil fazer isso quando se tem clareza de onde quer chegar. “Minha prioridade é abrir portas para que as mulheres não enfrentem as mesmas dificuldades que eu.”
Abaixo, Gabriela García Cortés, Chief People Officer da PepsiCo, conta como construiu sua carreira e como enxerga o papel da liderança hoje.
Forbes: Como psicóloga, como você entrou no mundo corporativo?
E como foi esse início no mundo corporativo?
Fui para a Kraft Foods, no setor administrativo, em uma função muito operacional, que achei chata, mas foi ótima para entender as bases de recursos humanos. Acabei ficando na Kraft por 12 anos, fui expatriada duas vezes; trabalhei no corporativo em Nova York, liderei o talent management e o desenvolvimento organizacional para a América Latina. Em meu último cargo na Kraft, participei de um projeto de vendas para entender o DTS (canal tradicional), o que me levou ao mercado, onde o principal concorrente era a PepsiCo. Para realizar meu projeto na Kraft, passei um ano estudando a PepsiCo, seus produtos e o modelo de negócios, que dominava todas as lojas. Quando um headhunter me procurou para um cargo na PepsiCo, eu já conhecia bem a empresa.
Por que você decidiu ir?
Qual a importância de estar na linha de frente e conhecer os funcionários?
A PepsiCo é uma empresa muito focada nas pessoas, especialmente na equipe de vendas. Aprendi rápido sobre o negócio, e hoje, 16 anos depois, posso dizer que foi uma das experiências mais importantes que tive. Depois disso, passei por vários papéis corporativos, indo para Nova York em um cargo global de cultura e engajamento. Tive uma posição regional em alimentos e bebidas, liderando talent acquisition, depois liderei a área de recursos humanos para toda a América Latina, exceto Brasil e México. Mais tarde, fui para o México, o segundo mercado mais importante da PepsiCo fora dos Estados Unidos. E, há dois anos, assumi como Chief People Officer para a América Latina. Muitos aprendizados e um grande crescimento.
Como era, na prática, ser a primeira mulher em vendas?
Costumo dizer para minha filha e para colegas mulheres que é importante escolhermos o nosso papel. Algumas coisas não vão ser permitidas, e devemos levantar a voz quando necessário. Mas também temos a responsabilidade de ocupar o espaço, fazer ouvir nossa voz e abrir caminho para as próximas gerações. Senti que estava em uma posição privilegiada quando assumi vendas, e encarei mais como um privilégio do que um risco.
Precisamos colocar mulheres e grupos minorizados em posições que façam a diferença. Ser a única mulher me deu permissão para dizer o que ninguém mais dizia. Todos tinham uma visão homogênea, e eu sentia que podia desafiar isso, justamente por ser diferente. Há muitas vantagens quando entramos com uma mentalidade de diferença. Entendo que essa era a minha condição e que outras mulheres podem não ter as mesmas condições. Por isso, nós que estamos em posições de liderança temos a responsabilidade de levantar a voz e promover ambientes mais equitativos. Se as consumidoras são mulheres, como é possível que não haja mulheres na equipe? Me parecia totalmente impensável e era minha responsabilidade criar as condições para ter mais mulheres. Foi isso que tornou o cargo motivante.
Como seu background em psicologia ajudou a construir sua carreira?
Trabalho muito com o comitê executivo da América Latina, com os presidentes de cada país, e percebo que, ao entendermos cada pessoa, o impacto é maior. Nas reuniões, discutimos o que cada um precisa, seus medos, o momento de vida que estão passando, e isso ajuda muito. Nunca pensei que faria mais terapia dentro da organização do que fora, mas a verdade é que converso muito com as pessoas e isso tem sido de grande ajuda.
No início da sua carreira, como era a abordagem da liderança? O que mudou?
No início da minha carreira, as empresas tinham uma estrutura muito hierárquica e separavam muito a vida pessoal da profissional. A forma de enxergar o trabalho era bem diferente do que é hoje. Houve uma evolução importante, principalmente por causa das novas gerações, que têm expectativas diferentes. Existe agora uma necessidade de um estilo de liderança mais genuíno, transparente e autêntico. As novas gerações não seguem um líder apenas porque ele diz que é um líder. Se você não é convincente, coerente e transparente, elas não vão te seguir. Isso transformou a forma como as organizações lidam com as pessoas. Hoje, há a expectativa de uma liderança mais integral, vulnerável e próxima.
Você acredita que as mulheres têm uma vantagem nesse aspecto?
Isso aconteceu com você?
Aconteceu um pouco. Sentia que precisava ser direta, orientada para resultados e deixar um pouco de lado a parte mais integradora. Agora, estamos voltando a valorizar muito essas qualidades e treinando também os homens a entender que é permitido ser vulnerável, que isso traz coragem e crescimento. Mas, para eles, não é sempre algo natural.
Quais momentos foram mais importantes para chegar até aqui?
Você pode decidir não avançar na carreira para priorizar sua vida pessoal, e está tudo bem, mas é preciso ser responsável pelas consequências dessas decisões. Algumas foram positivas, outras nem tanto, mas, no final, posso dizer que repetiria muitas delas. Em vários momentos, priorizei minha carreira em detrimento da vida pessoal, e isso me trouxe grande satisfação, especialmente ao encontrar meu propósito profissional: abrir caminho para outras mulheres, usar minha posição para garantir que, pelo menos na PepsiCo, as pessoas sejam valorizadas e respeitadas. É uma prioridade minha abrir portas para que as mulheres não enfrentem as mesmas dificuldades que eu. Meu trabalho me permite fazer isso diariamente, e é por isso que esses sacrifícios são mais fáceis para mim. Sempre acreditei que, se você não definir suas prioridades, outra pessoa vai fazer isso por você. Precisamos saber o que é inegociável e o que podemos flexibilizar para continuar crescendo e aproveitando as oportunidades.
Quais são as iniciativas dentro dessa agenda de bem-estar e com foco nas pessoas que você comentou?
A Pepsico tem programas voltados para os cuidados emocionais e físicos das pessoas há bastante tempo. Temos uma linha telefônica chamada “Care” em que qualquer colaborador pode ligar para falar sobre a perda de um animal de estimação, o roubo do carro ou mesmo sobre problemas de depressão, e buscamos ajudar com encaminhamentos. Além disso, não cuidamos apenas do funcionário, mas de toda a família. Temos programas muito bacanas que incluem suporte em temas de fertilidade, oferecemos apoio à adoção e em questões ligadas ao crescimento familiar e pós-parto. Podemos estender a licença-maternidade e a mesma política pode ser aplicada para o pai, o que promove um papel mais ativo e presente dos homens.
Hoje, a PepsiCo tem quase 50% de mulheres na liderança no Brasil. Como vocês chegaram nesse ponto?
A meta da PepsiCo é alcançar a paridade de gênero (50/50) até 2025, e aqui no Brasil estamos com 49% de mulheres em posições de liderança e 60% no nível executivo. Na América Latina, temos a vantagem de ter uma presidente mulher, com 60% de mulheres no comitê executivo e um foco claro no desenvolvimento feminino. Isso ajuda bastante, porque contamos com uma grande patrocinadora que impulsiona as iniciativas que propomos. Trabalhamos com uma agenda voltada para todos os níveis da organização, e isso é fundamental, porque é fácil trazer mulheres para níveis mais baixos, mas a diferença só acontece se tivermos mulheres em posições de liderança.
Temos diversos programas de desenvolvimento para mulheres em diferentes estágios da carreira. Um exemplo é o programa “Strong Her”, voltado para operações, uma área em que não é fácil ter mulheres. Esse programa busca desenvolver liderança, comunicação assertiva, negociação e branding pessoal, habilidades essenciais para mulheres em operações. Outro programa é o “Inspira”, que é voltado para mulheres em cargos de liderança gerencial e superiores. Inicialmente, esse programa era exclusivo para mulheres, mas percebemos que era necessário incluir os homens para criar um ambiente de complementaridade e colaboração. Temos programas de mentoria e mentoria reversa e outro programa que adoro é o “Sponsorship”, que conecta as mulheres jovens de alto potencial com um sponsor que vai representá-las em todos os lugares que falarem sobre elas e dizer que elas estão prontas para que cresçam mais rápido.
Como foi a maternidade para você?
Posso te dizer, e minha filha confirmaria, que não sou uma mãe muito tradicional. Encontrei uma forma de ser mãe em diferentes momentos sem me sentir culpada por isso. Desde o início, ela foi para a creche com apenas 40 dias de vida porque eu sempre soube que não queria pausar minha carreira e consegui ficar em paz com essa decisão. Enfrentei vários desafios, como quando ela perguntava: “Quando vou tirar férias?”. E eu respondia que seria quando eu pudesse estar de férias com ela.
Com seis anos, dei um celular para ela e todo mundo me criticou. Mas eu viajava o tempo todo e precisava encontrar um mecanismo de ter uma linha de comunicação direta com ela. Era o que funcionava para nós.
Como foi ser expatriada?
Ser expatriada é um desafio porque, muitas vezes, as políticas são desenhadas para uma família tradicional em que uma pessoa cuida da casa e a outra trabalha. Quando você é responsável por tudo, desde resolver questões pessoais até entregar resultados de alto nível, a pressão é grande e é muito estressante. Precisa encontrar mecanismos para tornar esse processo mais simples, mas posso dizer que cada uma das minhas experiências me fizeram crescer muito e faria de novo, mas de forma diferente. Contar com uma rede de apoio pode facilitar a adaptação da família. Como mulheres, temos um pedido para fazer para as organizações e para a nossa rede de apoio para que isso seja mais equilibrado.
Quem é a Gabriela para além do trabalho?
-
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida