Queda das ações do Deutsche Bank sublinha insegurança do mercado

25 de março de 2023
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Fachada do Deutsche Bank: nem mesmo dez trimestres consecutivos de lucro tranquilizam os investidores

O comportamento das ações do Deutsche Bank é mais um bom exemplo de como essa entidade conhecida como mercado está distante da racionalidade. Na quarta-feira (22), as ações do maior banco alemão fecharam a € 9,67 (R$ 54,73). Dois dias depois, elas haviam caído para € 8,09 (R$ 45,79), uma baixa de 16%. Considerando-se o mínimo do dia, a perda de valor foi de quase 20%. A comparação com o Credit Suisse, cujo controle foi vendido à força para o concorrente UBS no domingo (19) seria inevitável, não fossem por alguns motivos:

  1. o Deutsche Bank divulgou um lucro de € 775 milhões (R$ 4,38 bilhões) no quarto trimestre de 2022, alta de 845% ante o lucro de € 82 milhões (R$ 464 milhões) do último trimestre de 2021. Com o resultado do quarto trimestre, o banco cravou dez trimestres consecutivos de lucro. No acumulado do ano, o lucro foi de € 5,4 bilhões (R$ 30,6 bilhões), alta de 159% ante os € 2,08 bilhões (R$ 11,8 bilhões) de 2021;
  2. o banco gastou alguns bilhões de euros em um projeto de reestruturação iniciado ainda antes da pandemia, em julho de 2019, que cortou 20 mil empregos, atualizou as tecnologias e melhorou os controles e a avaliação de risco;
  3. em fevereiro, quando anunciou os resultados, o banco divulgou posições sólidas de caixa, uma ampla cobertura para os empréstimos e indicadores de inadimplência sob controle. Não houve nenhuma contestação do mercado para esses fatos.

A queda foi tão injustificada que motivou até comentários do governo. O Deutsche Bank é um banco privado, porém é tão relevante para a economia alemã que funciona quase como uma instituição estatal. Além de ser o principal banco de varejo, é quem acompanha as empresas alemãs em seus processos de internacionalização (Brasil inclusive). Na sexta-feira (24), o chanceler alemão, Olaf Scholz, disse em Bruxelas que o banco “reorganizou e modernizou completamente seu modelo de negócios e é muito lucrativo”, e acrescentou que “não há base para especular sobre seu futuro”.

Especulação

Assim como a queda das ações foi especulativa, só é possível especular sobre seus motivos. Durante a quinta e a sexta-feira, analistas disseram às agências internacionais que o fato de o banco ter anunciado o resgate antecipado de alguns títulos do tipo AT1 precipitou as vendas. Esses títulos são emitidos por bancos europeus de maneira geral, e servem como uma proteção para os investidores. No episódio do Credit Suisse, US$ 17 bilhões (R$ 89 bilhões) desses papéis foram liquidados pelo banco central da Suíça, provocando fortes perdas aos investidores. Porém, os títulos AT1 do Deutsche seguem sendo negociados normalmente.

Outros profissionais do mercado indicaram que a queda pode ter sido provocada pelo temor de que o Deutsche Bank tinha investido dinheiro demais em imóveis nos Estados Unidos. No entanto, a empresa americana de pesquisa Autonomous, subsidiária da AllianceBernstein, divulgou um relatório na sexta-feira classificando essas preocupações “simplesmente não muito assustadoras” e reforçando “posições robustas” de capital e de liquidez do banco. “Para ser claro, o Deutsche não é o próximo Credit Suisse”, escreveram os analistas.

Não é preciso ser um especialista de mercado para perceber que não há motivos racionais que justifiquem uma oscilação tão forte das ações sem uma causa específica. As cotações começaram a cair na tarde da quarta-feira e desabaram sem parar, pelo simples motivo de que os investidores resolveram vender.

Alta dos juros

O que motivou essa venda? Desde a conclusão trágica da história do Credit Suisse, as principais casas bancárias vêm sendo objeto de desconfiança dos investidores. O motivo é comum: a alta de juros. Seja nos Estados Unidos, na Zona do Euro ou na Inglaterra, os bancos centrais têm apertado simultaneamente as políticas monetárias. Juros mais altos são uma notícia ruim para os bancos, por dois motivos. O primeiro é elevar o custo de captação do dinheiro para emprestar, o que – no exterior, pelo menos – diminui o spread bancário. O segundo é aumentar a inadimplência dos clientes, o que também afeta os resultados.

A alta dos juros foi rápida, e a preocupação dos investidores é se os bancos são foram pegos de surpresa. Alguns, como o Deutsche, fizeram a lição de casa. Mesmo assim, eles ainda não conseguiram reconquistar a confiança dos investidores. Por isso, devemos esperar novos episódios de volatilidade.