No Brasil, nós temos um regime de chuvas que favorece ou desfavorece o crescimento das pastagens. Elas chegam no Brasil Central a partir de outubro, ganham força entre novembro e dezembro e já são capazes de produzir pastagem com bastante material a partir de fevereiro ou março. Portanto, a gente pode dizer que a maior abundância de capim acontece no primeiro semestre dos anos. Maior abundância de capim significa facilidade para engordar o boi, principalmente a pasto.
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Dito isso, já deu para entender que no segundo semestre é mais difícil produzir boi a pasto e no primeiro semestre é mais fácil produzir boi a pasto. Como muitos produtores no Brasil não têm condições estruturais e financeiras para colocar esses animais nos confinamentos, que são aqueles lugares onde se suplementa de maneira intensiva um animal para que ele engorde a base de milho ou silagem, a gente entende que uma menor porção dos produtores conseguem entregar bois no segundo semestre. Portanto, isso reflete de maneira negativa sobre a oferta de animais terminados e aptos ao abate. Também reflete sobre a oferta de carne no varejo.
Basicamente, pensando em sazonalidade média, nós temos um primeiro semestre com mais abundância de gado, carne e preços menos pressionados para cima. Já o segundo semestre é marcado por menos oferta, menos animais terminados e uma pressão de valores de preços para a carne para cima.
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Se você não conhece muito da pecuária, não é grande e profundo conhecedor, você deve lembrar que em 2017 tivemos a operação “Carne Fraca” e o “Joesley Day” que acabaram levando as cotações para baixo. Isso desanima o produtor, o que faz com que ele pare de investir na atividade. Com isso, ele acaba destinando as vacas que deveriam servir como ventres livres para o abate, ele não tem interesse em manter aquela produção. Com esse abate, a consequência é que existem menos fêmeas disponíveis para a produção de bezerros. Esses animais deixarão de ser produzidos e nós sentiremos lá na frente os efeitos disso na falta de animais terminados e disponíveis para serem abatidos e processados.
Foi justamente isso que caiu entre 2020 e 2021. É claro que veio a China também para ser a grande cereja do bolo, mas o grande motivo da pressão positiva de preços foi a crise entre 2016 e 2017, que desanimou o produtor. Demorou alguns anos para acontecer, mas isso é cíclico e acontece desde que o Brasil se tornou grande produtor de gado.
Há uma série histórica bem antiga de preços que é do IEA (Instituto de Economia Agrícola) e mostra preços do boi gordo desde 1954. Se vocês deflacionarem essa série e corrigirem ela pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) ou qualquer indicador que tenha correlação com a atividade pecuária e a produção, vocês que esses preços sempre se comportam em ciclos e a fase alta deste ciclo caiu justamente entre 2020 e 2021.
Dito isso, o preço do boi subiu de uma maneira muito vertiginosa e agressiva, o varejo não conseguiu repassar essa alta de preços para o consumidor na mesma medida em que o boi gordo subiu — isso não quer dizer que o preço ao varejo não tenha subido, ele subiu bastante, mas ele ainda não subiu tanto quanto o boi gordo. Agora nós estamos vivendo justamente o oposto.
Vamos voltar para 2020/21 e tratar esse biênio como se fosse o passado. Como esses dois anos foram anos de alta muito forte de preços, os investimentos e o interesse na fêmea como ventre disponível para produção de bezerros cresce. O pecuarista então fez o processo contrário, ele começou a reter fêmeas no rebanho e a gente pode observar isso muito claramente através dos números de abate que são disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). A gente vê que houve uma retenção de fêmeas no rebanho e que essa retenção foi recorde histórico. É exatamente por isso que agora nós estamos vendo o preço do bezerro cair, principalmente em termos reais. Ou seja, nós estamos produzindo mais bezerros e estamos produzindo mais animais terminados.
O varejo, para recompor aquelas margens que ele perdeu lá em 2020 e 2021, não repassou a baixa do boi gordo e nem a baixa da carcaça casada no atacado. Isso deixa o consumo doméstico, ainda que um pouco maior, aquém do que ele poderia ter reagido perante essas melhoras macroeconômicas que nós estamos visualizando nos dados disponibilizados e que tem correlação com o consumo de carne bovina.
É exatamente por esse motivo que a sazonalidade esse ano não foi respeitada. Nós tivemos exportações mais fortes sim, mas quando pegamos o abate de animais no Brasil, transforma isso em produção de carne e subtrai dessa conta as exportações, o que sobra no mercado doméstico é maior do que no ano passado e no ano retrasado. Ou seja, nós temos uma disponibilidade maior de carne no mercado doméstico que não deixa o preço do boi gordo subir.
Isso é típico comportamento de fase de baixa de ciclo pecuária. Por sinal, um dado curioso, é o primeiro ano eleitoral da história em que o preço do boi não sobe no segundo semestre. Exatamente pelo aumento de oferta e da maior retenção de fêmeas no rebanho bovino brasileiro, desde que se tem notícias.
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