Onde são plantadas e colhidas as melhores amêndoas de cacau do Brasil, que depois de fermentadas são transformadas nos melhores chocolates? É para responder a estas questões que há seis anos acontece o Concurso Nacional de Cacau Especial, com o mote Sustentabilidade e Qualidade.
Dividido em duas categorias, os chocolates varietais, nos quais para fazer o doce é utilizada apenas uma variedade da fruta, e os chocolates blends, com mais de uma variedade genética.
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Os produtores vencedores da edição 2024 foram apresentados em uma festa na noite desta quinta-feira (28), em Belém (PA). Na categoria varietal, o primeiro lugar ficou com a produtora Miriam Aparecida Federicci Vieira, do sítio Bela Vista, em Medicilândia, município no sudoeste do Pará, na região da Transamazônica.
O município se destaca como um dos maiores polos de produção de cacau do Brasil, considerado a “Capital Nacional do Cacau”. A estimativa é de uma área cultivada da ordem de 35 mil hectares de cacaueiros, com grande parte das plantações nas mãos de pequenos agricultores familiares. Outro atributo para os cacaus produzidos na região é o uso intenso do sistema agroflorestal, combinando o cacau com espécies nativas da Amazônia.
“É o terceiro ano que a gente está participando e ficamos em segundo lugar nos dois anteriores. A gente lutou bastante por essa amostra, que fermentou por oito dias, e que não havia certeza dela. Foi um erro que deu certo”, afirma Miriam. Em geral, a fermentação tem um ritual de 7 dias de um controle rigoroso que envolve monitorar a temperatura, a aeração, e o tempo de cada etapa. Ela conta que o marido, especialista nessa arte, estava em um trabalho fora do sítio e o trabalho ficou por conta do filho. “A gente mora na zona rural e somos tão pequenos; agora estamos conhecendo o mundo. Isso na agricultura familiar”.
Ela se refere ao que vai acontecer daqui para a frente. Nove produtores com as melhores avaliações de seus cacaus terão suas amostras enviadas no próximo mês de janeiro ao Coex – Cocoa of Excellence, uma plataforma global de promoção da qualidade da amêndoa e que promove a cada dois anos o Cocoa of Excellence Awards, hoje a mais prestigiada competição global de cacau.
As amêndoas serão avaliadas durante o ano de 2025. “E na edição que acontece em fevereiro de 2026, em Amsterdam, a gente espera que o Brasil esteja entre os melhores cacaus do mundo”, diz Adriana Reis, do Centro de Inovação do Cacau, em Ilhéus (BA) e membro do comitê organizador do concurso brasileiro.
Os outros dois colocados na categoria varietal, em segundo e terceiro lugares, foram os produtores Luciano Ramos Lima e Mauro Celso Tauffer, de Rondônia. Na categoria blend (mistura), o primeiro lugar ficou com a Agrícola Cantagalo, em Itacaré (BA), um dos maiores projetos de melhoramento genético de cacau do país, que há cerca de 60 anos pertence à família do ex-banqueiro Ângelo Calmon de Sá, onde hoje está à frente a filha Cláudia. Ela é reconhecida hoje, entre os produtores, como a mãe de uma das variedades mais produtivas de cacau no país.
“A gente não faz nada sozinha e não é fácil chegar até aqui”, diz ela. “Queria aqui no palco toda a nossa equipe, do tratorista, a quem quebra, separa, fermenta, seca e ensaca. São tantas as pessoas que tenho de agradecer. Esse concurso tem sido um objetivo e ele está mostrando que podemos estar entre os melhores do mundo.” Os dois outros lugares da categoria – segundo e terceiro lugares – foram novamente para Tauffer, mais Robson Brogni.
Cacau do Brasil e seu Terroir
Adriana Reis destacou avanços significativos na avaliação do cacau brasileiro em competições internacionais. Ela comentou sobre a primeira vez que o COEX (Centro de Excelência do Cacau) torrou amostras em uma temperatura mais baixa do que o habitual — entre 116ºC e 117ºC, por 17 a 18 minutos. “O cacau do Brasil sempre foi torrado em uma média mais alta. Essa experiência mostra que, lá fora, também estão trabalhando para conhecer melhor o nosso cacau e aperfeiçoar as técnicas de processamento”, disse ela.
Adriana apresentou os resultados do concurso nacional, evidenciando o alto nível das amostras finalistas. “Os descritos sensoriais avaliados mostram que o cacau brasileiro possui atributos únicos, como frutas frescas, frutas marrons e florais. Esses elementos estão cada vez mais presentes, especialmente na variedade BN34, a mais premiada do país”, afirmou. Ela também destacou que cinco das amostras finalistas deste ano pertencem a essa genética, além de outras oriundas de híbridos da Amazônia, que também têm recebido grande reconhecimento.
Entre as amostras, duas se destacaram por atributos florais marcantes, um descritor sensorial de difícil avaliação. “Os jurados apontaram a complexidade em identificar e valorizar notas florais no cacau brasileiro. Ainda assim, essas amostras mostraram um equilíbrio notável entre amargor, acidez e adstringência moderados”, disse Adriana, destacando que a avaliação incluiu elementos como aromas cítricos, vegetais, frutas sobremaduras, especiarias e até mesmo o ‘umami’, um sabor novo introduzido na ronda sensorial.
A organização contou com 30 jurados, entre pesquisadores, jornalistas e chefs de cozinha. Adriana ressaltou a importância de uma análise técnica precisa e imparcial. “O que importa não é o que eu gostei ou o que o COEX gostou, mas o que 30 jurados avaliaram como mais saboroso. É uma ciência, com metodologias robustas que garantem a repetição e a discriminação de atributos sensoriais”, afirmou.
Adriana também falou do atual comprometimento dos organizadores com a promoção do terroir brasileiro. “O cacau do Brasil tem uma assinatura própria, uma identidade que estamos construindo com atributos frutados, florais e um equilíbrio sensorial único. Continuaremos esse trabalho para posicionar o nosso cacau entre os melhores do mundo”, disse ela.