Terceiro setor: até que ponto a crise afeta ONGs e fundações

A crise é necessariamente ruim? Oito grandes instituições brasileiras respondem

Marcos Lauro
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Seja por motivação política ou não, o Brasil passa por uma grave crise econômica. Enquanto a classe política se articula para tentar minimizar todos os impactos que uma crise pode impor à sociedade, o terceiro setor se adapta às condições atuais.

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Mas nem todas as instituições enxergam o cenário de forma negativa. Enquanto ONGs que vivem exclusivamente de doações assistem a uma diminuição do valor arrecadado, fundações que dependem dos dividendos de empresas do setor financeiro ou agro não sentem tanto os impactos – algumas até encaram diminuição nos orçamentos, mas por motivos alheios à crise econômica, diretamente.

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Perguntamos a algumas dessas instituições sobre a saúde financeira do terceiro setor. Veja a seguir:

  • Fundação Bunge

    Criada em 1955, a Fundação Bunge é a entidade social da Bunge Brasil, gigante do agronegócio com foco em alimentos e bioenergia. “Nosso orçamento foi impactado por um contingente do mercado imobiliário. Parte de nossa receita vem de aluguéis de imóveis comerciais que fazem parte do patrimônio da instituição. Como o mercado imobiliário não está aquecido, o budget deste ano está menor em função da devolução de alguns destes imóveis”, explica Claudia Calais, diretora-executiva da Fundação. No entanto, o valor repassado da Bunge para a fundação não sofreu alterações. “Isso resultou em uma redução de 12% nas nossas receitas”, completa Claudia.

    Essa queda resultou na desaceleração de alguns projetos. Um exemplo é o Semear Leitores, que incentiva a leitura e que inaugura, em média, 10 espaços de leitura por ano. Em 2016, serão apenas dois novos.

    “Nossos esforços são no sentido de rever processos, ampliar parcerias, perceber onde podemos ter ganhos de gestão para não comprometer equipes e a continuidade dos projetos. Optamos por dar passos menores, mas sem perder o ritmo para nos mantermos neste período mais desafiador”, conta a diretora.

  • Médicos Sem Fronteiras

    O MSF é uma ONG com atuação internacional que presta atendimento médico em áreas de conflito, atingidas por epidemias ou vítimas de extrema pobreza. Somente em 2014, o Médicos Sem Fronteiras realizou pouco mais de oito milhões de atendimentos ambulatoriais. Detalhe: a ONG aceita doações individuais, de pessoas físicas e de empresas que tenham afinidade com seus princípios, mas não aceita doações de empresas que produzam ou vendam medicamentos, armas e tabaco.

    “Felizmente, não percebemos queda no volume de doações até o momento. Hoje temos cerca de 300 mil doadores, com doação mínima de R$ 30 por mês. Em 2015, houve mais cancelamentos do que o previsto, mas a arrecadação geral ficou 10% acima do esperado”, contou Flavia Tenenbaum, diretora de captação de recursos desde 2010.

    Flavia explica que, prevendo esse momento de crise financeira, a ONG lançou uma estratégia para não perder doadores: “Propusemos uma redução, mesmo que significativa, da doação mensal. Preferimos que o doador continue conosco, mesmo doando um valor bem abaixo do habitual, do que cancele por completo sua doação. Sabemos que atrair novamente um doador é mais difícil do que aumentar o valor de sua doação quando a crise passar”. No mês de abril, o Médicos Sem Fronteiras enviou um boleto bancário extra para seus doadores para incentivar uma doação a mais.

  • Fundação Bradesco

    A Fundação Bradesco atua há 59 anos e tem ênfase na educação. Somente em 2015, a fundação atendeu 102 mil alunos e aplicou, nos últimos 10 anos, quase R$ 3 bilhões em suas escolas.

    Por meio de sua assessoria de imprensa, a Fundação Bradesco informou que não houve cortes ou descontinuidade de projetos. Pelo contrário. Enquanto em 2015 a fundação destinou R$ 502,7 milhões a suas 40 escolas, o orçamento de 2016 é de R$ 593,4 milhões – 18,04% maior. Isso se deve ao fato do fundo patrimonial da fundação estar atrelada aos dividendos do Bradesco, banco que lucrou R$ 17,19 bilhões em 2015 – 14% mais do que 2014.

  • Fundação Itaú Social

    A Fundação Itaú Social atua em diversas frentes, sempre com um perfil gerencial: gestão educacional, educação integral, avaliação econômica de projetos sociais e mobilização social. “A fundação é de fundo patrimonial de ações do próprio Itaú. Então, o orçamento é composto por juros e dividendos dessas ações. Não dependemos de doações diretas”, explica Lucia Helena Benedetti Elias, gerente de Gestão Institucional da fundação. Mas a gerente percebe a crise nas instituições apoiadas: “Outros programas e atividades abertas a doações, que são apoiados também pelo Itaú Social, são impactadas e a gente percebe o aumento dessa demanda por nossa ajuda”.

    “Cada projeto da fundação dura de dois a três anos em cada localidade. Tem acompanhamento e avaliações de engajamento. A projeção para cada um desses projetos é nesse período. No caso de terceiros, não. O apoio é anual. A gente avalia o projeto e a saúde financeira da organização. Se deixarmos de apoiar, a instituição pode quebrar? Isso é um fator avaliado, por exemplo”, explica Lucia.

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  • AACD

    Uma das instituições mais reconhecidas no campo da assistência a crianças com deficiência, a AACD sente a crise nas suas contas. Segundo sua assessoria de imprensa, as doações de empresas caíram 30% – muitas delas estão optando pela dedução de imposto de renda em projetos incentivados, modalidade não trabalhada pela instituição. Já o número de doações de pessoas físicas não sofreu alteração significativa para a AACD.

    Em 2015, a AACD revisou processos para reorganização e redução de custos internos. Embora tenham sido realizados cortes de funcionários, o número e a qualidade dos atendimentos não foram afetados, segundo a instituição.

    Para os próximos 12 meses, ainda segundo a assessoria de imprensa, não há previsão de melhora na situação financeira do país e, por esse motivo, será mantida a austeridade na gestão dos recursos.

  • Doutores da Alegria

    A ONG Doutores da Alegria foi criada em 1991 e, desde então, realiza seu trabalho de forma gratuita para os hospitais. É mantida por recursos obtidos por meio de patrocínio, doações de empresas e pessoas e outras atividades remuneradas, como palestras e parcerias com empresas.

    “Apesar da crise, em 2015 e nesse início de 2016 tivemos um aumento na captação dos recursos. Comparando o primeiro bimestre de 2016 com o mesmo período de 2015, observamos 28% de incremento nas doações de pessoas físicas. Além disso, conseguimos ampliar em 23% os recursos destinados pelas empresas, em comparação ao que foi arrecadado em dezembro de 2014 com dezembro de 2015”, afirmou Luis Vieira da Rocha, diretor presidente da ONG.

    Um dos fatores que ajudaram nesse crescimento foi o uso do incentivo via Ministério da Cultura. A Lei de Incentivo à Cultura permite que as empresas destinem até 4% do Imposto de Renda devido à Receita Federal para um projeto cultural aprovado previamente. “Boa parte do mérito desses bons resultados vem da diversificação de novas estratégias de comunicação, engajamento e relacionamento de pessoas físicas e jurídicas, utilizando principalmente ferramentas digitais, como as redes sociais, e aplicativos para doações de recursos e nota fiscal paulista”, completou o diretor.

    Mesmo com esse cenário positivo, os Doutores da Alegria estão preparados caso a crise bata à porta: “Metade de nossas receitas são provenientes de empresas lucrativas. Estamos nos preparando para um final de ano mais difícil, pois essas empresas enfrentam um momento dificílimo face à atual conjuntura social e econômica. O que estamos fazendo é continuar a investir em novas soluções para melhorar a captação, fortalecer estes laços com nossos parceiros e ampliar nossa prospecção para trazermos novos apoiadores para o próximo período”, contou Luis Vieira.

  • Cruz Vermelha

    A Cruz Vermelha Brasileira faz parte de um movimento humanitário de alcance mundial e está presente no país desde 1912. A missão da Cruz Vermelha, segundo o site oficial da divisão paulista da instituição, é “prevenir e atenuar os sofrimentos humanos com toda imparcialidade, sem distinção de raça, nacionalidade, sexo, nível social, religião e opinião política”.

    A instabilidade econômica impactou bastante a quantidade de doações da entidade, mas não na receita final. “O volume de doações da Cruz Vermelha de São Paulo caiu 45% se compararmos o primeiro trimestre de 2016 com o mesmo período de 2015. Nossas doações são esporádicas e nunca representaram mais que 1% de nossas receitas totais. Nossas fontes de recursos são próprias, vindas do Hospital da Cruz Vermelha de São Paulo e do Centro Formador da Cruz Vermelha de São Paulo”, explica Aline Rosa, Gerente de Projetos Sociais e Voluntariado.

    A Cruz Vermelha de São Paulo reforça que não tem nenhum planejamento para aumentar doações e também não há metas, devido à pouca representatividade delas na receita da instituição.

  • Fundação Abrinq

    A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente foi criada em 1990 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos e realiza projetos nas áreas de educação, proteção e saúde da criança. A instituição conta com doações tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, além de parceiros e apoiadores institucionais.

    Por meio de sua assessoria de imprensa, a instituição informou que não comenta sobre a arrecadação no período de crise econômica. No seu balanço anual, divulgado na última terça-feira (19), nota-se um aumento de crianças atendidas em seus programas (256043 em 2014 e 268743 em 2015), mesmo com uma diminuição no número de ações (de 25 para 19, no mesmo período).

    O balanço de 2014 indica que a Fundação Abrinq recebeu recursos nas proporções de 51% de pessoas físicas, 28% de pessoas jurídicas e 21% de agências – essa última, uma parceria com a Save The Children e outras instituições internacionais, com recursos vindos do exterior. Essa ação com agências foi descontinuada e o balanço de 2015 não indica a proporção de doações entre pessoa física e jurídica.

Fundação Bunge

Criada em 1955, a Fundação Bunge é a entidade social da Bunge Brasil, gigante do agronegócio com foco em alimentos e bioenergia. “Nosso orçamento foi impactado por um contingente do mercado imobiliário. Parte de nossa receita vem de aluguéis de imóveis comerciais que fazem parte do patrimônio da instituição. Como o mercado imobiliário não está aquecido, o budget deste ano está menor em função da devolução de alguns destes imóveis”, explica Claudia Calais, diretora-executiva da Fundação. No entanto, o valor repassado da Bunge para a fundação não sofreu alterações. “Isso resultou em uma redução de 12% nas nossas receitas”, completa Claudia.

Essa queda resultou na desaceleração de alguns projetos. Um exemplo é o Semear Leitores, que incentiva a leitura e que inaugura, em média, 10 espaços de leitura por ano. Em 2016, serão apenas dois novos.

“Nossos esforços são no sentido de rever processos, ampliar parcerias, perceber onde podemos ter ganhos de gestão para não comprometer equipes e a continuidade dos projetos. Optamos por dar passos menores, mas sem perder o ritmo para nos mantermos neste período mais desafiador”, conta a diretora.

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