O colombiano Santiago Chamorro não gostava da ideia de voar. Mas, com um irmão piloto profissional e o cargo de presidente da GM na Colômbia, a aviação era uma sugestão recorrente em sua vida. “Quando me perguntavam sobre o assunto, eu falava ‘Deus me livre!'”, conta o executivo.
Tudo mudou em 2010, quando voou com um amigo em uma viagem de negócios e pegou gosto pela coisa. “No intervalo de uma semana, eu fui de ‘Deus me livre’ para ‘olha só o que eu estava perdendo’. Fiquei louco”, lembra Chamorro. “Isso tudo aconteceu nos primeiros dias de janeiro. No primeiro dia de fevereiro, eu já estava matriculado numa escola de pilotagem.”
O colombiano, que até setembro deste ano ocupava o cargo de presidente da GM no Brasil, adotou a aviação como hobby e começou a adequá-la no seu dia a dia. “O meu negócio é o ‘aerogourmet’. Bauru, por exemplo, tem um sanduíche de bauru maravilhoso e um restaurante com um bacalhau fanstástico. Meu programa de final de semana normalmente é pegar o avião, almoçar, passar o dia por aí e voltar. Durante a semana, eu costumo visitar as concessionárias”, conta Chamorro. “Essa combinação do útil ao agradável é fantástica.”
No Brasil, conseguiu o suporte da escola de aviação AirTraining, em Jundiaí, no interior de São Paulo. Agora, depois de três anos à frente da operação no Brasil, Chamorro, aos 46 anos, foi promovido a vice-presidente de Global Connected Customer Experience (GCCX), na sede da GM em Detroit, nos Estados Unidos. Ele se reportará diretamente à CEO Mary Barra, mas não pretende parar de voar.
A seguir, leia a entrevista completa do executivo a FORBES Brasil, acompanhado de José Eduardo de Faria, diretor da AirTraining, e, em seguida, veja o vídeo em que Chamorro mostra como unir lazer e negócios:
Como começou a sua paixão por pilotar?
Chamorro: Em 2010, eu liguei para o vice-presidente comercial da Colômbia para perguntar sobre as vendas do ano daquele ano, já que eu não poderia ir até lá. Ele, então, sugeriu ir até a minha casa naquele final de semana para me fazer uma apresentação completa e me passar todos os números. Um outro amigo, também da GM, tinha um Cesna e se ofereceu para nos levar em seu avião. Ele fez uma vistoria completa no avião, comigo do lado, e foi me explicando tudo: isso serve para isso, isso serve para aquilo. Entramos no avião, ele deu a partida no motor, explicou que o avião é dirigido com os pés e me deixou fazer o táxi da aeronave. Foi muito difícil porque esse modelo é o que tem a rodinha pequena atrás, mas consegui. Voamos durante 25 minutos. Depois disso, num intervalo de uma semana, eu fui de “Deus me livre” para “olha só o que eu estava perdendo”. Fiquei louco. Isso tudo aconteceu nos primeiros dias de janeiro. No primeiro dia de fevereiro, eu já estava matriculado numa escola de pilotagem. Consegui, na Colômbia, um lugar muito bacana, com gente muito simpática, que me ajudou a entrar nesse mundo. O curso completo durou mais ou menos um ano. O dia do voo solo que fiz lá não foi muito bom. Foi o dia em que, pela primeira vez, eu pude pegar o avião e pilotá-lo sozinho, com o instrutor a bordo sem mexer nos comandos. Tem um costume de quando os pilotos comerciais fazem o primeiro voo solo, ele cortam o cabelo, raspam, mas eu implorei para não fazerem isso.
Faria: Aqui no Brasil, a tradição era banho de óleo, banho de lama. O banho de óleo parou porque isso era há 40 anos, nessa época valia tudo que não fosse soda cáustica. Aqui na escola os rituais se restringem a um brinde.
Como foi que você chegou na escola?
Chamorro: Quando eu cheguei aqui no Brasil, eu quis começar a voar rapidamente. O vice-presidente da Cirrus na América do Sul, Gabriel Maestracci, me conectou à AirTraining. Ele me disse para falar com o Faria. No primeiro dia em que eu vim aqui, ele já me mostrou toda a tecnologia do avião e me deixou pilotar. Depois de todo aquele trabalho, bastou um dia aqui para me colocarem no ar. Foi assim que consegui a homologação da minha licença. O meu negócio é o “aerogourmet”. Bauru, por exemplo, tem um sanduíche de bauru maravilhoso e um restaurante com um bacalhau fanstástico. Meu programa de final de semana normalmente é pegar o avião, almoçar, passar o dia por aí e voltar. Durante a semana, eu costumo visitar as concessionárias. Às vezes, consigo combinar trabalho com o hobby. Já fui a Londrina, Curitiba, Rio, São José… Chego no aeroporto, vou para concessionária e às vezes passo em um restaurante. Inclusive, conheço um restaurante italiano fantástico em São José. Essa combinação do útil ao agradável é fantástica.
Você já pensou em comprar o próprio avião?
Chamorro: Cogitei comprar um, em propriedade compartilhada com uma pessoa que o Faria iria indicar. Contei para o meu irmão, o piloto, e ele disse que eu precisaria, no entanto, pensar em algumas coisas antes: se eu conhecia bem a pessoa com que eu iria fazer a sociedade, se a entrada e a saída dessa sociedade estavam claras e se eu estava conseguindo voar de forma alternativa. Bom, eu não conhecia bem as pessoas com quem faria a sociedade, eu teria que sair do Brasil em algum momento e eu estava em boas mãos. Das 100 vezes, digamos, que eu viajei pela AirTraining, uma ou duas eles estavam em falta de piloto ou avião. Sempre consegui voar. Sempre tinha piloto, avião e sempre se adaptaram aos meus horários. Estava na cara de que não valeria a pena comprar um avião para mim.
Qual foi a sua viagem mais longa?
Chamorro: Tudo em com duração de 2h, 2h30. Os destinos visitados: Rio, Londrina, Curitiba, Belo Horizonte, São José, Angra, Parati, Ubatuba, Santos, Itanhaém, Ribeirão Preto. Em Santos, além das paradas rumo ao Rio, eu fiz o trajeto do acidente do Eduardo Campos. Para ver a história, ver o que poderia ter acontecido. A Ribeirão Preto foi a trabalho. Foi o lançamento da S10 [caminhonete de cabine dupla da GM].
Faria: É tudo uma questão de perfil. Um voo a passeio para Recife faria todo o sentido se ele tivesse uma semana para passear. Mas para ir um business de um dia não tem cabimento. Esse avião que ele vai voar hoje já foi até Miami. No conjunto dos nossos clientes, já tem gente que foi a Fernando de Noronha, ao Ushuaia, a Montevidéu.
Faria: O meu sonho era levar o avião, agora nas férias, até a Colômbia. Ficar com o avião lá e voltar. O sonho dourado. Voar lá é muito bonito. É desafiador, tem muita montanha e muitas tempestades, mas é muito bonito.
Qual o perfil de quem gosta de voar?
Chamorro: Tem que gostar de atividades de velocidade e motores, porque é uma atividade de adrenalina. Ao mesmo tempo, eu diria que é preciso muita disciplina. Um bom piloto precisa de disciplina. Precisa fazer o plano certinho e se preparar para as eventualidades. Você faz um plano do ponto A para o ponto B, mas é só sair do ponto A que as coisas começam a mudar. Precisa, também, de vocação, uma paixão pelo que fazemos aqui. Para mim, é uma espécie de terapia. Eu subo no avião e não tem nada mais difícil do que voar, porque você precisa ficar atento à máquina, nas comunicações, no tráfego aéreo, ainda mais em São Paulo, ao tempo, mudanças climáticas e a tudo que está acontecendo. É um cansaço bom. Eu falei um dia para o meu instrutor na Colômbia que eu sempre subia no avião com medo. Perguntei o que eu poderia fazer para perder esse medo e ele me disse que esperava que eu nunca perdesse o medo, porque isso te dá respeito. Quando você sobe no avião com respeito, você vai com os sentidos mais aguçados. E até o cheiro no avião faz diferença. Se tiver cheiro de queimado, e você sentir, vai te salvar. É a típica história do cara que pega confiança no assunto e começa a desrespeitar os procedimentos. Eu sempre subo com uma certa tensão, com respeito, e faço todo o planejamento. Alguns pilotos têm atitudes perigosas. Você não se preparar: faz uma festa, não dorme bem e bebe. Isso é não se preparar. Pensar que a coisa ruim não vai acontecer com você. “O tempo está ruim, isso não vai me pegar”: errado.
Faria: Em 10 anos, a Cirrus diminuiu os acidentes mundiais pela metade. Cerca de 80% dos acidentes são culpa do piloto, não da aeronave. Através de cursos de treinamentos de pilotos, eles fizeram esses números diminuírem. Eles começaram a formar o piloto para ele se acostumar a seguir as regras. Aderindo a elas, o risco diminui, e muito. Claro que algumas pessoas não entendem isso, mesmo você explicando muito. Mas a maioria dos pilotos daqui são muito responsáveis. O Santiago, por exemplo, tem plenas condições de pegar um avião e sair sozinho por aí. E ele tem o mesmo nível de divertimento, só que com segurança. Tenho alguns clientes que voam extremamente bem, mas que a esposa sempre pede para que um piloto vá junto. É uma maneira de reduzir o estresse familiar. No Brasil, você tem muita gente que veio de família de pilotos, na qual voar é normal. É uma coisa prazerosa, normal e que faziam desde criança com os pais. Tenho um cliente de 50 e poucos anos que leva a mãe de 80 para a fazenda dele no Tocantins e ela vai como se estivesse entrando no carro pra ir ao shopping. E existem aqueles que tiveram alguém envolvido em um acidente e que escutam que avião pequeno é perigoso. Tudo que é desconhecido é como mágica. A maioria dos acidentes ou é imprudência ou é falta de respeito pela natureza. Esse tipo de transporte aqui é o mais rápido para quem não tem pressa. A maioria dos meus clientes ou é um alto executivo ou é empresário. Se ele marcar uma entrevista um dia e vir que não está bom para voar, ele vai outra semana. Se for um evento marcado, com imprensa e tudo, eles arranjam outra maneira de chegar lá: vão de comercial.
Chamorro: Fui ao Rio em um evento, o lançamento do Cobalt. A ideia era ir em um almoço, no Morro Santa Teresa, que tem um restaurante fantástico. O único problema desse lugar é que tem umas caipirinhas fantásticas, mas voando não posso. A ideia era ir, almoçar e depois voltar. Fui voando, tempo lindo, ficamos em Santos e depois fomos a Jacarepaguá. Mas aí o tempo foi fechando, fechando e fechou. Liguei para um dos pilotos e ele me disse que o dia não estava legal para voar. O que eu fiz? Tinha carro lá, um dos lançamentos, e voltei dirigindo a São Paulo. Quando eu estava chegando aqui, o piloto me ligou dizendo que o tempo tinha aberto e que ele estava saindo naquela hora.
Faria: No começo, todo mundo é disciplinado por medo. O que não pode é deixar a complacência acontecer. “Ah, isso aqui eu faço com o pé nas costas.” Aí você começa a correr riscos.
Quanto custa um Cirrus?
Faria: Nos Estados Unidos, um topo de linha sai por US$ 650.000. Aqui no Brasil, por US$ 950.000. Um típico dos que temos aqui na escola sai na faixa de US$ 300 mil, que são aviões usados, mas que tem ar-condicionado, uma condição absolutamente necessária para voarmos. Avião é projetado para durar 20 a 30 anos. O Cirrus é projetado para durar 12.000 horas. Quando a aeronave estiver chegando perto desse prazo, eles analisam se a estrutura poderia durar até 20.000 horas. A parte mecânica é sempre renovável. Seguindo as recomendações, você pode ter um avião 2006 em perfeitas condições.
Veja, no vídeo a seguir, como Chamorro equilibra seu hobby e os negócios: