Uma mentira nem sempre é mal intencionada ou tem o poder de criar sérias consequências – mesmo quando ocorre no ambiente de trabalho. É comum ouvirmos colegas dando desculpas sobre o motivo de um atraso ou dizendo que o novo corte de cabelo do chefe, que não o favoreceu, ficou bom.
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“A mentira nem sempre é prejudicial. As chamadas ‘mentiras brancas’ são completamente aceitáveis dentro de uma corporação. O problema são determinados tipos de mentiras, aquelas que têm o objetivo de prejudicar alguém. Um líder tem de saber identificá-los. Isso faz com que ele tenha uma vantagem muito grande sobre os outros líderes”, destaca o especialista em fraudes digitais Wanderson Castilho.
O criminólogo e especialista em comportamentos desviantes Georg Frey compartilha da mesma opinião: “A mentira faz parte do ser humano. Por isso deve haver um aguçamento de percepção desses líderes para reconhecer a categoria da mentira”.
Uma mentira negativa é aquela que atende o interesse de quem a conta em vez do bem da empresa. Essa sim tem consequências desastrosas para uma corporação. “A lucratividade começa a ir pelo ralo e a saúde da empresa fica comprometida. A mentira se espalha com facilidade: vai de cima para baixo e horizontalmente também, afetando as relações humanas de forma que o líder precisa se capacitar para identificar”, explica Frey.
Segundo o especialista em investigações corporativas e prevenção a fraudes organizacionais Mario Junior, há três momentos em que é fundamental saber identificar mentiras. “O primeiro é na seleção, que é um processo de venda. Ou seja, o candidato normalmente quer mostrar a melhor imagem que ele tem, provar que é alguém, melhor do que realmente é, então vai exagerar um pouco.” Porém, é preciso, nesses momentos, capacitar-se para identificar os valores éticos e morais do candidato. Isso, segundo o especialista, pode ser feito por meio de testes em diferentes formatos.
“Uma outra situação em que é importante identificar mentiras é no dia a dia do trabalho, diante de determinadas circunstâncias, como quando a pessoa diz que faltou porque estava doente – mas não é verdade -, ou que realizou determinado tarefa, mas não realizou”, continua Junior.
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O último caso importante na detecção de mentiras, segundo o executivo, é quando surge uma denúncia de fraude ou assédio na organização. “Em situações como essas, a empresa deve conduzir um processo de investigação interna com uma série de ferramentas para selecionar o suspeito de fraude ou assédio para uma entrevista. Então, especialistas devem tentar identificar, na linguagem verbal e não verbal, sinais que indiquem mentiras”, explica.
Porém, é fundamental ressaltar que não existem sinais 100% seguros. “Não há nenhum estudo científico que dê respaldo o suficiente para isso. O que acontece é que há alguns indícios que tendem a aparecer nas pessoas que não estão dizendo a verdade”, explica Junior.
O maior segredo, quando se deseja identificar mentiras, é conhecer os funcionários, no caso dos líderes, ou os próprios colegas de trabalho. “Quando temos um relacionamento diário, de colaborador ou amigo de trabalho, conhecemos as manias das pessoas – sabemos como falam e agem. Quando alguém conta uma mentira, sai desse comportamento natural. Algumas pessoas gaguejam, outras desviam o olhar, falam excessivamente, usam palavras mais elaboradas. O líder tem de estar atento e perceber que houve mudança de comportamento”, explica Castilho.
É importante ressaltar, no entanto, que mudanças no comportamento não necessariamente indicam mentiras. “Podem ocorrer porque o profissional está passando por um problema pessoal, por exemplo. Se o líder conhece seus colaboradores, vai saber identificar essas alterações.”
Outro ponto importante e que deve sempre ser considerado, segundo Georg Frey, é o contexto. “Essa palavra mágica pode resolver muitos problemas. Alguém que esteja gaguejando, com as mãos frias, a pupila dilatada, suando em um ambiente refrigerado… É como se sua fisiologia estivesse gritando e dizendo ao interlocutor que ali tem uma mentira. Pode até ser, mas depende do contexto. Existem sintomas e comportamentos de um mentiroso que são idênticos aos de uma pessoa tímida”, exemplifica. A resposta, no entanto, é sempre a mesma: conhecer seus colaboradores e os seus comportamentos. “Cabe ao líder conhecer as pessoas ao seu redor”, completa.
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Há alguns outros sinais que podem indicar embustes. Castilho aponta a linguagem corporal. “Se a pessoa está aberta, falando, ou tenta se desviar de outras, se está com o corpo mais fechado, braços cruzados… Isso tudo são indicativos”, explica. Frey concorda: “É importante ter em mente que o corpo fala. Ele, muitas vezes, entrega aquela verdade que a comunicação verbal não está entregando.” Os sinais indicados por Mario Junior vão na mesma linha: “Alguns exemplos são cobrir a boca com a mão, por a mão no rosto e tocar regiões de sensibilidade, como mão no pescoço e no antebraço.”
O tempo de resposta das pessoas que estão contando mentiras ou falando a verdade também é diferente. “A verdade é transmitida, enquanto a mentira é criada. A mentira faz com que fique difícil falar naturalmente porque ela precisa ser construída”, explica Castilho.
É preciso dizer que há pessoas que apresentam esses sinais, fortes indicativos de mentira, mas estão falando a verdade. É aí que entra a importância, principalmente em momentos de investigação de denúncias de assédio ou fraude, do balizamento. “Um especialista indicado vai falar com a pessoa durante cinco minutos de assuntos sobre os quais ela não vai mentir e que ele conhece a resposta. Assim, poderá observar como o corpo dela se manifesta quando fornece uma resposta verdadeira, e as fugas dos padrões podem sinalizar, dependendo da recorrência, que a pessoa não está falando a verdade”, explica Mario Junior.
Nos últimos tempos, a oferta e a demanda por cursos que capacitam os líderes na detecção de mentiras têm aumentado. Mario Junior, por meio da sua consultoria, ministra um deles, chamado “Treinamento de Detecção de Mentiras e Obtenção de Informações”. Wanderson Castilho destaca que é essencial que grandes líderes participem desse tipo de treinamento: “Normalmente, eles já nascem com essa capacidade mais aguçada. Se ele for treinado, ficará muito mais fácil e sua eficiência no processo de liderança será triplicada.”
Georg Frey, no entanto, faz um adendo: “Acredite ou não, muitas vezes é mais fácil enganar um CEO ou um diretor de empresa do que um funcionário de cargos mais baixos. Isso porque existe um elemento desestruturante chamado vaidade que é parte do perfil do líder. Ele acaba acreditando nas verdades que são mais convenientes para ele e acaba não enxergando mentiras.”
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Além disso, Frey chama a atenção para a qualidade desse tipo de curso. “Se o curso propõe que, depois de duas horas, você sairá de uma palestra pronto para identificar mentiras, é um curso caça-níquel”, avalia. “Deve ser algo que siga um perfil de educação continuada.”