Quando começou a trabalhar, como assistente de manicure em Jequié (BA), localizada a quase seis horas de carro da capital do estado, a pequena Gilvana já sabia que teria que ser muito boa para ganhar o respeito das clientes. Na época, sua principal questão era a idade: com apenas nove anos, poucas acreditavam que ela faria o serviço bem feito. “Não queria ser apenas a assistente que ficava separando algodão e removendo esmalte. Por isso tinha que mostrar que era capaz, muito capaz de ser como as manicures”, relembra Gil Viana, como é mais conhecida no meio publicitário, onde atua há quase 30 anos, os últimos 10 como empreendedora.
Aos 53 anos, o sonho de ser manicure ficou para trás. Gil está à frente da produtora MugShot, uma das responsáveis pelo Mano a Mano, podcast original Spotify, apresentado por Mano Brown, o mais ouvido na plataforma hoje. Os episódios foram criados em conjunto com a produtora Boogie Naipe, tocada por Eliane Dias, casada com Brown, e têm co-direção criativa da agência Gana. “Quando levamos a ideia para o Spotify, eles amaram e não nos deixaram apresentar para mais ninguém”, conta. O Mano a Mano tem uma produção elaborada, acima da média dos programas tocados nas plataformas. “A gente está fazendo uma super produção, considerando que é um podcast, com uma equipe de respeito e convidados especiais, alguns vindos de outras cidades, criação de trilha exclusiva, estrelado por uma personalidade da música. É um outro nível.”
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A MugShot é responsável também pelo trabalho de diversos artistas e pela trilha sonora de comerciais com produção de filme, como o clipe-commerce (em que se pode clicar no produto que aparece vídeo e fazer a compra) da atual campanha da loja de decoração Westwing com a cantora Vanessa da Mata; o vídeo da Nestlé com Nina Fernandes, gravado no início do ano; e o da Apple, cantado pelo grupo Baiana System com participação de Iza e Moraes Moreira, criado para o carnaval de 2017, um dos primeiros dessa fórmula de clipes comerciais. “A gente traz os artistas para cantar uma música criada para a marca, não um jingle. E fazemos tudo a várias mãos”, explica Gil.
Vida nova na cidade
Quando decidiu que não queria mais ficar em Jequié, Gil bolou um plano para encontrar a mãe, que havia partido para trabalhar em São Paulo. Aos 11 anos, já havia juntado algum dinheiro, pegou escondido o RG da irmã de 14, segurou a caçula pelo braço e só parou quando chegou na rodoviária do Tietê, na capital paulista. “Liguei para minha mãe, que foi me buscar já com a patroa, uma advogada, e de lá fomos ao fórum ajeitar nossos documentos”, conta. Algum tempo depois, as outras duas irmãs chegaram para completar o grupo e Gil voltou a trabalhar como manicure para ajudar no sustento da casa, que tinha só uma regra, imposta pela mãe. “Podia tudo, só não podia entrar homem.”
Gil Viana cursou economia, apoiada por um antigo patrão, que considera seu anjo da guarda, com a ideia de se tornar uma espécie de Lillian Witte Fibe, a jornalista séria que ela assistia na TV. Com o tempo, percebeu que tinha uma personalidade bem diferente da apresentadora: expansiva, curiosa por novas atividades e capaz de atuar em diversas frentes. “Fui trabalhar como assistente em uma produtora e fazia de tudo, mas ficava pensando que queria mais, queria ser como o meu chefe, um cara incrível, coordenador de produção de sucesso”, diz.
De sonho em sonho, a ex-manicure foi crescendo e fez carreira em publicidade, depois migrou para a área de produção musical, até decidir que queria ter seu próprio negócio, em 2012. Hoje, ela se divide entre Lisboa, onde mora com a família e lidera o braço internacional da produtora, e São Paulo, onde são feitas muitas das produções. Morar em Portugal, aliás, era outro sonho da juventude. “Queria dar aos meus filhos a educação que não pude ter. Minha mãe era semi-analfabeta e está estudando agora, aos 70 anos. Hoje, só um filho mora comigo em Lisboa e os dois mais velhos estudam na Irlanda.”
Ao lado da empresária desde a concepção do negócio estão os produtores Arthur Abrami e Mauricio Herszkowicz, que juntos também tocam a Punks S/A, licenciadora de conteúdo musical independente usado, por exemplo, em produções audiovisuais. A falta de diversidade da casa da mãe, Gil não quis repetir em sua empresas, mas enfrentou críticas por trabalhar ao lado de dois homens brancos. “Muitos amigos me criticaram porque eu não me uni a pessoas negras nessa sociedade, mas é que escolhi pelo talento e afinidade, não pela cor. Quero criar uma mistura de faixa etária, gênero, culturas, treinar gente de várias origens, unidas pelo talento.”
Não que a cor de pele não tenha feito diferença na vida de Gil Viana. “Ser mulher já não é fácil, preta é mais difícil ainda, especialmente em um mundo branco, hetero e machista como é o da publicidade. Por isso hoje vejo a importância de uma empresa diversa”, diz. No início de sua carreira, o preconceito chegou de várias formas. A baiana ouviu algumas vezes que jamais chegaria em tal posição de destaque ou que nunca seria convidada para os prêmios do mercado, onde os convites eram disputados – e receber um era sinônimo de status. Hoje, a empresária faz parte, com frequência, do time de jurados do Anuário do Clube de Criação, publicação que é referência no mercado. “No começo, eu podia não ter roupa para participar do jantar de premiação, mas eu estava sempre lá.”