A gente vive dizendo que está sem tempo – pra isso, pra aquilo, pra fazer, pra pensar. De tudo, o que mais me preocupo quando me ouço falar é esse último verbo. Pensar. Porque sem tempo pra pensar, todo o resto bagunça, perde o sentido, fica chato e pesado. Que não se trata de falta de tempo, já sabemos. Tudo é uma questão de prioridades. Mas como fazer escolhas e priorizar de forma satisfatória? Que se chegue em paz ao fim de cada dia, sem a sensação de que estamos devendo para nós mesmos e para as outras pessoas constantemente?
Não são respostas fáceis. Muito menos sustentá-las ao longo dos dias, meses, anos, de forma equilibrada. Faz um tempo que me convenci de que gestão do tempo é um dos maiores desafios da vida prática de quem faz parte do grupo de privilegiados sociais que pode se dar ao luxo de fazer escolhas.
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O desafio está em tudo. Na decisão de acordar uma hora mais cedo para fazer exercício. De ficar em casa ou aceitar um convite pra sair. De trabalhar um pouco mais, ou não, num projeto que já está muito bom, mas pode ficar ótimo. Em desmarcar uma reunião para dizer sim a outra. Em colocar o celular no modo avião por um período que exige concentração ou não resistir aos chamados incessantes do WhatsApp. E por aí seguem cerca de 35 mil decisões diárias que tomamos, segundo estudos.
Me diga quais são suas prioridades, e eu lhe direi quem és.
Eu dedico atenção a esse tema, pelo menos há 16 anos, quando comecei a praticar yoga, e a disciplina me exigiu escolhas mais claras e objetivas do que as que eu tomava até então. Por dez anos acordei, por escolha, por volta de 5h da manhã, para praticar meditação às 6h, e ashtanga vinyasa yoga de 7h até quase 9h. Às 10h30, chegava ao trabalho, e não tinha todo o tempo do mundo. Porque se não saísse da redação em um horário que me permitisse descansar, seria muito difícil acordar na hora no dia seguinte. Precisava pensar bem antes de sair fazendo o que aparecia ou o que me solicitavam. Foi preciso começar a estudar prioridades, escolhas e consequências.
Empreender me obrigou a evoluir ainda mais, e continuamente, na gestão do tempo. É um tema que vive na minha cabeça. Aprendo muito observando pessoas mais sêniores e ocupadas organizando as próprias prioridades. E aprendo também com o que não me inspira: pessoas que deixam as outras sem resposta, que estão sempre atrasadas para os compromissos, que operam por sustos e soluços: quando precisam de algo, agem, cobram, querem pra já. Depois somem e só voltam quando o desespero bate à porta de novo. Me parece um estilo de vida automático e, consequentemente, com pouca atenção àquilo que fazem.
É fato aquela máxima: se quer pedir algo a alguém, peça para quem é ocupado. Vejo que, de modo geral, mais ágil é quem tem menos tempo sobrando.
Comprovo por mim: no primeiro ano da faculdade, quando eu estudava à noite e ainda não trabalhava, mal conseguia ler todo o material que precisava para me preparar. Agora, que minhas atividades aumentam e se modificam constantemente, acompanhando o crescimento da empresa, me sinto a maior parte dos dias no timing, consciente da lista infindável, mas no comando para renegociar prazos com antecedência se necessário, evitar atrasos prejudiciais e não esquecer dos compromissos. Claro que não tem perfeição – em momentos mais desafiadores, um prato ou outro acabam caindo -, mas os riscos e impactos são muito mais previsíveis e sou menos pega de surpresa porque dedico tempo pensando nas prioridades, nos temas que requerem profundidade, em vez de simplesmente ser atropelada pelos fatores externos.
O que tenho entendido é que, mais do que tempo, estamos falando de espaço.
Pensar requer espaço. E às vezes uma hora contada na agenda nos dá apenas tempo, e não espaço mental, emocional, circunstancial para decantar ideias do cotidiano e chegar à profundidade que realmente importa. Nunca me pareceram tão eficazes os ciclos que usamos aqui na Terra: fins de semana, férias, pausas. Momentos – no dia, na semana, na vida – para o tal ócio criativo. Ou para o ócio e ponto, permitindo o descanso que renova o olhar. Ou para o criativo apenas, criando o contexto oportuno para a inspiração trabalhar.
Escrevo esta coluna num sábado, enquanto minha cabeça borbulha ideias para aprimorar a minha empresa. Quando o silêncio do celular, do computador e das obras nos prédios ao redor abrem espaço para digerir os acontecimentos recentes, fazer associações não tão óbvias e encontrar soluções criativas para problemas de negócio.
Como a gestão do tempo e a criação de espaços para pensar são buscas desafiadoras e na contramão dos estímulos do mundo frenético em que vivemos, deixo aqui algumas dicas do que funciona para mim para alimentar a chama de quem concorda que poucas coisas são tão valiosas quanto encontrar esse equilíbrio, individual e intransferível:
- Continue. Sempre. Porque você vai querer desistir (ou vai desistir efetivamente) algumas vezes por dia. O esperado é que o plano não seja plenamente executado. Então, livre-se dessa expectativa o quanto antes e apenas siga em frente. Comece de novo. Analise o que saiu da rota e, mais importante, por que saiu da rota. Faça uma autocrítica sincera, aprenda o que precisar aprender, mas não perca tempo se culpando nem procurando culpados. Planeje de novo – e assim sucessivamente.
- Encare suas decisões de agenda como indicadores das suas reais prioridades – a despeito do que você diga. Você está bem com esses indicadores? Eles te representam? Se não, investigue por que continua priorizando o que não gostaria que fosse prioridade e tome as decisões que precisa para se aproximar da vida que quer ter.
- Aceite que a sua gestão do tempo é responsabilidade sua. É fácil terceirizar dizendo “eu tenho”, “eu preciso”, “eu não posso”. Quando se ouvir pensando ou dizendo isso, investigue-se: por quê? Quais seriam as consequências de fazer o que de fato gostaria? Você teria disposição para encará-las? Se não, por quê? Será que não há outra maneira de organizar?
- Peça ajuda. A quem parece administrar o tempo de uma maneira que você admira. A quem pode ajudar a ver a situação por outro ângulo. A quem pediu alguma coisa que você está tendo dificuldade de atender. É minha responsabilidade gerir meu tempo, e isso passa por sinalizar outras pessoas quando não for possível responder demandas, e me responsabilizar pelas consequências.
Esses quatro passos não vão levar a uma agenda confortável. Mas vão incentivar você a ser mais dona ou dono dela – e o efeito colateral disso é mais disposição, energia e foco para encarar o que vier.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.
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