“Por que você criou a empresa?”, perguntei para Anderson Birman, fundador da Arezzo &Co, em uma das primeiras entre as mais de 100 conversas que tivemos ao longo de quatro anos. Esperava uma resposta protocolar e pretensamente inspiradora. “Porque fazer sapatos era minha paixão”, talvez. Ou “para transformar o mundo ao meu redor a partir do negócio”. Mas a resposta dele me desconsertou pela honestidade: “Porque queria ficar rico”.
A verdade crua costuma ser mais interessante do que a fabricada. Também mais proveitosa e, de fato, inspiradora. Aprendemos mais com depoimentos sinceros. Com motivações sem floreios, que podem não ser o que se espera ouvir de um empreendedor de sucesso, mas que provavelmente se aproximam das nossas motivações íntimas, muitas vezes nada belas ou altruístas. No entanto, raramente vejo pessoas bem-sucedidas com disposição para falar publicamente de maneira tão transparente e direta.
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Anderson o fez não só daquela vez, mas em todos os nossos encontros ao longo de quatro anos. Talvez porque não estivesse preocupado com o resultado disso nem planejasse ser lido por pessoas desconhecidas. Ele me contratou em 2019, para entrevistá-lo semanalmente, e escrever textos avulsos, usando a técnica de ghostwriting para registrar suas memórias e reflexões. Não havia um objetivo maior. Com o apoio da equipe do Atelier de Conteúdo, fomos acumulando dezenas de textos que ele guardava em uma pasta e mostrava, no máximo, para familiares e amigos esporadicamente. Até que, neste ano, Anderson me surpreendeu com a notícia de que queria fazer um livro. Transformar tudo aquilo numa narrativa pública, que se tornou a obra “A Cada Passo”, lançada no mês passado pela editora Citadel.
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Com a decisão, repassamos cada um dos textos escritos, para atualizar o conteúdo e ajustar o que fosse preciso. Mas Anderson fez questão de manter o tom super honesto.
Este trabalho e a postura de Anderson, fundador da Arezzo, me levaram a três conclusões importantes:
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Getty Images Vale a pena falar a verdade
Como jornalista, tendo a buscar sempre reconstituir as histórias da maneira mais fiel possível. Mas quando alguém nos contrata para escrever uma autobiografia, é comum omitir ou buscar aliviar erros, tombos, fracassos. O livro do Anderson — e a relevante repercussão que ele tem causado na mídia — confirmam o que eu já defendia: a sinceridade, contada com cuidado e responsabilidade, tem um alcance maior. Faz as pessoas se interessarem e se identificarem mais (afinal, quem nunca tropeçou ou se arrependeu?), leva ao aprendizado, gera mais valor do que conquistas que parecem terem vindo do nada, por sorte ou sem esforço.
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Getty Images Confiar no processo leva ao melhor resultado
Claro que o destino importa, mas a ideia de que o caminho importa mais foi comprovada para mim. Fui contratada para não escrever um livro. Portanto, saboreamos cada etapa desses quatro anos de conversas regulares sem precisar chegar a algum lugar. Falamos dos mais diversos temas. Deixamos histórias e ideias decantarem por um período até voltarem à pauta. Escrevemos, lemos, editamos. Fizemos pesquisas para complementar as memórias e estimular novas reflexões. Tudo isso sem prazos nem objetivos a serem alcançados.
Quando o plano mudou, e um livro nos trouxe um cronograma, o trabalho árduo já estava feito. Nos debruçamos sobre textos maduros e refinamos o material para ir à público. O projeto gráfico de Giovanni Bianco embalou o conteúdo com toda a elegância. Finalmente, ao ter nas mãos o produto físico, minha sensação era de missão cumprida com louvor: Anderson tinha o melhor livro que poderia ter. Porque se entregou ao processo sem se preocupar com o resultado.
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Getty Images Reescrever a própria história dá mais sentido ao presente
No mundo do empreendedorismo, fala-se muito sobre a força da narrativa para comunicar o presente e o futuro. Construção de marca, campanhas, posicionamento, reputação. Tão importante quanto, na minha opinião, é olhar para o passado e editar a própria história. Porque a verdade é que ninguém sabe dizer, com certeza, todos os detalhes de como algo realmente foi. Nos lembramos de cenas, a partir de um ponto de vista e de como estávamos no momento, de impressões subjetivas e de memórias emocionais, tudo isso sob o filtro do aqui e agora. Então, relembrar é sempre editar em alguma medida. Fazer isso conscientemente, com sessões reservadas para reflexão, de maneira estruturada e usando o poder da escrita, pode ser transformador. Anderson provou isso ao dizer, nos agradecimentos do livro, que eu o ajudei a despertar sua paixão pela própria história. Para mim, nada poderia ser mais gratificante.
Vale a pena falar a verdade
Como jornalista, tendo a buscar sempre reconstituir as histórias da maneira mais fiel possível. Mas quando alguém nos contrata para escrever uma autobiografia, é comum omitir ou buscar aliviar erros, tombos, fracassos. O livro do Anderson — e a relevante repercussão que ele tem causado na mídia — confirmam o que eu já defendia: a sinceridade, contada com cuidado e responsabilidade, tem um alcance maior. Faz as pessoas se interessarem e se identificarem mais (afinal, quem nunca tropeçou ou se arrependeu?), leva ao aprendizado, gera mais valor do que conquistas que parecem terem vindo do nada, por sorte ou sem esforço.
Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional.
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