Ser expatriado representa um grande sonho para muitos profissionais, mas exige planejamento e preparação desde a aplicação em um processo seletivo até a chegada no novo país.
Nayara Carlos, executiva da farmacêutica Roche, já vive esta última etapa. Depois de atuar por seis anos na afiliada brasileira, ela acaba de assumir como diretora de marketing e comercial da companhia em Hong Kong e Macau. “Ter trabalhado em um país em desenvolvimento e de dimensões continentais me fez uma profissional mais completa e capaz de atuar em ambientes complexos e ambíguos”, diz a executiva sobre o que a destacou para ser escolhida para a posição.
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Desde a aplicação para a vaga, Nayara começou um processo de mapeamento das habilidades necessárias e de estudos para as entrevistas e apresentações. “Para profissionais que buscam a expatriação, minha sugestão é definir qual escopo, área e quais regiões do mundo têm interesse”, afirma. Expandir as possibilidades – para além dos EUA ou Europa –, como ela fez, também pode antecipar oportunidades.
Depois de um longo processo seletivo, Nayara se mudou para o continente asiático com o marido e os três filhos. Começa agora um novo momento: de se adaptar à cultura local, conhecer o time e ajustar seu estilo de liderança. “Minha estratégia para começar com a nova equipe foi um 1:1 já nas primeiras semanas com cada colaborador”, conta. Entre os principais desafios está a língua. As reuniões da empresa são todas em inglês, mas o cantonês (que difere do mandarim) também é língua oficial. “Em alguns momentos os colaboradores falam em cantonês entre eles, e eu não entendo uma palavra.”
Graduada em farmácia, Nayara complementou a formação técnica com um MBA em marketing e um mestrado em avaliação de tecnologias em saúde pelo Ministério da Saúde. Na infância, trabalhou na quitanda da família por cerca de oito anos, onde aprendeu sobre ética de trabalho. Ainda na faculdade, foi estagiária de pesquisa clínica na Lilly e, ao longo de mais de 15 anos de carreira, também passou por grandes farmacêuticas como Amgen e Boehringer Ingelheim, antes de chegar à Roche.
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Aqui, a executiva conta como construiu sua carreira corporativa e se preparou para o momento atual, levando a família toda para viver do outro lado do globo.
Forbes: Como foi a decisão de se mudar para Hong Kong?
Nayara Carlos: Viver fora do Brasil sempre esteve no meu plano de carreira, mas como um objetivo futuro. Hong Kong aconteceu a partir de um colega que trabalhou na Roche Brasil anos atrás. Ele compartilhou comigo a posição, dizendo que eu tinha o perfil e que ele me via na função. Eu tive o apoio irrestrito do meu líder direto e todo suporte para que pudesse me preparar para o processo seletivo.
Após esse momento, tive uma conversa com o meu marido sobre a posição, e desde o primeiro minuto ele disse que seria uma oportunidade incrível para nós como casal e para os nossos três filhos, e que eu poderia contar com ele para me acompanhar. Eu também falei com alguns parentes e colegas próximos e tive muito apoio e incentivo, o que me ajudou a compreender que essa seria, talvez, a experiência mais extraordinária das nossas vidas.
Então resolvi me inscrever para o processo seletivo. Depois de algumas etapas, exaustivas e desafiadoras, o meu grande “sim” chegou. Somente neste momento eu entendi que nós iríamos realmente cruzar o globo e não estaríamos mais presentes fisicamente ao lado da nossa família.
F: Como você se preparou para o processo seletivo?
NC: Estudei profundamente o descritivo da vaga, analisando as sinergias com o meu perfil e experiência, mas também os pontos nos quais eu teria que me desenvolver ou que exigiam um desenvolvimento acelerado na posição.
Algo que eu aprendi ao longo dos anos e de muitos processos seletivos, foi me preparar por meio de algumas ações:
1. mapeamento e engajamento de pessoas envolvidas;
2. dedicação total e cuidadosa no desenvolvimento do case e da apresentação;
3. preparo de Q&A sobre possíveis perguntas, e as respostas que podem me ajudar a demonstrar minhas habilidades e experiências, tanto na vida profissional quanto pessoal;
4. estudo do perfil dos entrevistadores, a fim de entender quais as preferências, áreas de atuação ou pontos de ancoragem de acordo com as experiências desses profissionais;
5. treinar o speech e cronometrar o tempo para apresentação.
F: O que você acha que te destacou para ser escolhida para essa posição do outro lado do mundo?
NC: O que me destacou foi o fato de eu ter vivido experiências em diferentes áreas do negócio, desde científica, vendas, marketing e até de acesso, o que me trouxe uma visão sistêmica e estratégica.
Além disso, acredito que ter atuado em um país em desenvolvimento e de dimensões continentais me fez uma profissional mais completa e capaz de atuar em ambientes complexos e ambíguos. Quando eu entro em um processo seletivo, sempre busco compartilhar meus aprendizados pessoais e profissionais para além da posição, demonstrando flexibilidade e capacidade de adaptação.
F: Quais dicas você daria para profissionais que buscam ser expatriados?
NC: Para profissionais que buscam a expatriação, minha sugestão é definir qual escopo, área e quais regiões do mundo têm interesse. Isso ajuda na construção do mapeamento de oportunidades, criação de networking e engajamento dos colegas e líderes da região para qual pretende se inscrever. Outro fato importante é incluir essas ações no seu plano de desenvolvimento e garantir que os líderes locais saibam do seu interesse e possam te apoiar no momento da sua aplicação. Finalmente, a abertura para atuar em diferentes regiões do globo, e não somente na Europa ou Estados Unidos, que são as mais desejadas, pode acelerar ou antecipar oportunidades.
F: Como foi o processo de convencer e levar a família?
NC: Como uma pessoa que nasceu e foi criada no interior, sempre tive laços muito fortes com a minha família, com conexões virtuais, mas também de forma física muito presentes, mesmo vivendo a quase 300 km da cidade na qual eu nasci. E por que isso importa na decisão?
Porque parte da decisão foi com meu marido e colegas próximos, mas eu precisava me resolver comigo mesma, sobre como seria estar tão longe e não poder partilhar momentos e vivências importantes com minha família, não poder chegar quando houvesse algo preocupante ou grave.
Aos poucos, eu entendi que precisava focar na minha carreira e no meu núcleo familiar neste momento, para que eu pudesse vivenciar essa oportunidade de forma plena. Para os meus três filhos, de 11, 9 e 6 anos, contamos a novidade de forma muito lúdica, abordando a cultura, a cidade, as praias, e como seria a escola internacional em Hong Kong. Após esse momento, compartilhamos a nossa decisão com a nossa família, que, apesar de toda a dor e saudades, nos apoiou nessa aventura.
F: Como adaptar a liderança para trabalhar com profissionais de uma cultura diferente?
NC: O primeiro passo é chegar de coração aberto e sem julgamentos, apreciar a cultura e as pessoas, ver o que eles têm de melhor e evitar comparações entre os países. Em um primeiro momento, é como se você estivesse no primeiro dia de escola do primário: você não sabe como se vestir, o melhor momento para falar e o que pode ou deve ser perguntado.
A minha estratégia para começar o trabalho com a nova equipe foi um 1:1 já nas primeiras semanas com cada colaborador para entender o momento de carreira, plano de desenvolvimento e principais desafios na perspectiva deles. Apesar desse esforço inicial, as primeiras reuniões de time podem ser mais informativas e com menos contribuições e cabe ao líder gerenciar expectativas e ao mesmo tempo dar pistas sobre qual a abordagem e priorização que deverá acontecer.
Aos poucos, o líder começa a ter sinais de mais integração e poderá se fortalecer, conseguindo se posicionar e criando o pace de trabalho para o time. Finalmente, o mais importante no início é ter automotivação, capacidade de aprender, reaprender, planejar e replanejar a rota quando a equipe ainda não se sente confortável ou necessita mais tempo para se adaptar e seguir performando neste novo cenário de liderança.
F: E a questão da língua?
NC: Em Hong Kong existem duas línguas oficiais, o inglês e o cantonês, que difere do mandarim. Na minha comunicação dentro da empresa, todas as reuniões são em inglês, mas é claro que em alguns momentos os colaboradores falam em cantonês entre eles, e eu não entendo uma palavra. Estar imersa em uma cultura diferente também é aprender a respeitar que, às vezes, a comunicação em sua língua mãe facilita o entendimento. Depois de alguns minutos, eles voltam a conversar em inglês ou traduzem de forma resumida o que foi dito.
F: Que apoios a empresa precisa dar em um momento como esse?
NC: Neste momento é fundamental que a empresa explique em detalhes todos os processos que estão por vir, visto que a aprovação no processo seletivo é somente o início desse desafio. Os processos mais importantes a serem entendidos são o tipo de contrato, pacote de benefícios, impostos, processo de visto de trabalho, cobertura para mudança, viagem de reconhecimento do local, moradia e custo de vida local e escola para as crianças.
Parece simples, mas cada processo demanda tempo e entendimento dos detalhes para minimizar dificuldades. Além disso, é importante que haja um alinhamento claro sobre as expectativas do repasse de suas atividades atuais e sobre como o profissional assumirá as novas atividades. Esses alinhamentos práticos garantem que o processo seja mais leve e menos desafiador.
F: Como foi sua trajetória de carreira até aqui?
NC: A minha trajetória começou ainda na adolescência, quando tive a oportunidade de trabalhar na quitanda da minha família materna por cerca de oito anos.
Depois de minha graduação, ingressei na indústria farmacêutica, na qual tenho atuado há mais de 16 anos. Vivi nesse mercado diferentes perspectivas e experiências que passam por pesquisa clínica, assessora científica (Medical Scientific Liaison, MSL), vendas, marketing e acesso e avaliação de tecnologia em saúde. Em minha última posição no Brasil, atuei como líder de customer facing em um grupo de 30 colaboradores, sendo responsável pela implementação da estratégia para o mercado público em todo o país.
F: Como sua formação te ajudou ao longo da carreira?
NC: Minha formação me ajudou muito, em especial as pessoas que fizeram parte desta história. Eu me formei em farmácia-bioquímica pela Unesp de Araraquara. A escolha se deu pela inspiração de uma madrinha querida: o curso ficava na minha cidade e, pelas condições financeiras da minha família, eu não teria como me sustentar longe de casa.
Essa foi uma grande lição: um curso que se conectava com minhas aptidões e, ao mesmo tempo, que poderia me abrir portas para diferentes áreas de atuação. Antes de terminar a graduação, decidi que queria atuar em pesquisa clínica e comecei a fazer cursos e me conectar com os colegas que atuavam nesta área.
F: A liderança foi algo natural para você?
NC: Sempre fez parte da minha personalidade, mas somente há alguns anos passei a usufruir de forma intencional dessa característica. Não acredito que foi natural, mas sim parte de um processo de amadurecimento, autoconhecimento e aprendizado sobre como criar ambientes nos quais as pessoas se sintam motivadas e comprometidas com os projetos e desafios.
F: Como profissionais de saúde e de outras áreas podem se preparar para assumir grandes times?
NC: Diria que o primeiro passo é ter a capacidade de liderar por influência. A hierarquia não garante que os colaboradores terão as melhores performances e entregas, mas o seu olhar de empatia, e preocupação genuína com a carreira e a vida das pessoas faz com que elas entreguem sua melhor versão.
Outra dica importante é entender se a liderança é algo que você realmente deseja ou está em busca de maiores salários ou reconhecimento. Caso seja a segunda opção, minha sugestão é atuar e desenvolver sua liderança para projetos e não de times diretamente, visto que liderar pessoas exige dedicação e paixão e não está diretamente relacionada ao sucesso.
Por fim, se você realmente quer se tornar um líder, comunique seu desejo, compartilhe com seus líderes e pares e se coloque à disposição para aprender e reaprender neste caminho de desenvolvimento. É importante ter abertura para liderar projetos, participar de job rotations e, no caso de empresas que trabalham em rede, como a Roche, experimentar participar de projetos internacionais em parte do seu tempo. Tudo isso prepara para o grande momento em que a oportunidade para a posição acontecer.
Por quais empresas passou
Eli Lilly, Amgen, Boehringer Ingelheim, Roche
Formação
Farmacêutica, MBA em Marketing pela FGV, Mestrado em Avaliação de Tecnologia em Saúde pelo Instituto Nacional de Cardiologia (Ministério da Saúde) e Black Belt em Negociação pela Consultoria Eightangles.
Primeiro emprego
Assessora Científica (MSL) na área de terapia intensiva no Lilly
Primeiro cargo de liderança
Gerente de produto Sr. na Boehringer em 2017
Tempo de carreira
16 anos