A carioca Júlia Blum deixou o Rio de Janeiro por São Paulo e agora desembarca em Paris para um novo momento profissional. A executiva, até então à frente do marketing do Grupo Naos, dono da Bioderma, no Brasil, vai liderar globalmente essa área da Institut Esthederm, marca premium do laboratório francês. “É um movimento que sempre esteve nos meus planos”, diz ela, que foi intencional na construção da sua carreira internacional.
Desde que entrou no grupo, fundado há mais de quatro décadas pelo biólogo e farmacêutico Jean-Nöel Thoreau, Júlia comunicou sua ambição, aprendeu francês e conquistou visibilidade com os times internacionais. Quando surgiu a posição, já tinha um relacionamento com a diretora global da marca. “Em um jantar durante uma viagem a trabalho, falei sobre a vaga e ela me perguntou se eu queria. Foi assim que começou.”
Leia também
As habilidades de comunicação, emprestadas da formação em Rádio e TV e da carreira de atriz, também fizeram a diferença, especialmente para assumir uma cadeira sendo responsável por gerir 16 mercados internacionais (países da Europa, América Latina, incluindo o Brasil, Ásia e Oriente Médio) diretamente da sede, em Paris. “Os números e as entregas não mentem, mas o que me destaca é a colaboração, a habilidade de trabalhar junto e conseguir envolver as pessoas.”
Depois de atuar como redatora em agências de comunicação, a carioca começou sua trajetória no marketing, sempre em marcas de beleza. Passou pelo Grupo L’Oréal – onde entrou como estagiária de La Roche Posay e saiu como gerente de produto da marca, quatro anos depois –, e pela Pierre Fabre, relançando a marca Ducray no Brasil.
Chegou à Naos há cerca de seis anos como gerente de produto de Bioderma – que vende uma água micelar a cada segundo no mundo e representa 80% das vendas do grupo – e há dois anos assumiu a liderança também das outras marcas do grupo, État Pur e Institut Esthederm.
O olhar da sede para o Brasil não é novidade. Este ano, a empresa, presente em mais de 130 países, dividiu a liderança global entre três executivos e anunciou Maurilio Teixeira, ex-CEO do Grupo Naos no Brasil, como um dos co-CEOs. “Minha ida a Paris é um reflexo do movimento de internacionalização da companhia, que passa por trazer talentos globais”, diz a executiva, citando que hoje quem puxa o crescimento da empresa globalmente são países como Turquia e Brasil. Por aqui, o faturamento do grupo foi de R$ 210 milhões em 2023, e deve encerrar este ano em R$ 260 milhões. “Para ter um crescimento sustentável globalmente, é preciso trazer a visão de outros países além da Europa.”
A seguir, Júlia Blum conta o que a levou a uma posição global e quais as melhores estratégias para construir uma carreira internacional.
Forbes: Você sempre soube que queria construir uma carreira internacional. Como você buscou isso?
Júlia Blum: Desde que eu entrei na Naos, na minha primeira entrevista, eu já deixei claro que eu tinha um plano de ter uma carreira internacional. Fui mapeada como um talento global dentro da empresa e foi tudo muito orgânico. Estava em um jantar em uma viagem a trabalho, conversando com a diretora global da Esthederm, perguntei sobre a vaga e ela perguntou se eu queria. Foi assim que começou.
O que te ajudou a ter essa visibilidade?
Eu falo que a melhor coisa que você precisa fazer se quer ser promovido é fazer o seu trabalho bem feito. E, claro, se relacionar bem com as pessoas. Nas cadeiras que eu ocupei eu sempre tive muita exposição com os times internacionais. Não é só deixar mapeado com o RH ou com o gestor imediato, você precisa fazer o seu trabalho ser visto. Eu sempre aproveitei as reuniões internacionais que eu tinha para circular, conhecer as pessoas e falar sobre o que a gente estava fazendo no Brasil. Em várias ocasiões eu fui apresentar cases de sucesso de proteção solar em Bioderma, ou do lançamento de Esthederm, o Proteom, que tem no Brasil um dos mercados de maior expressividade do mundo. Então quando a vaga apareceu, eu já tinha um relacionamento com a diretora global da marca. A gente precisa cultivar o que a gente quer para a nossa carreira, fazendo networking bem feito com um trabalho bem feito. Não tem segredo.
Além do networking, o que você acha que te destacou para assumir essa posição?
Sem falsa modéstia, os números e as entregas não mentem. Mas acho que o que me destaca é que eu sou colaborativa, muito aberta a trocas, não só dentro do meu time, mas com os times globais. Para uma cadeira em que o meu papel vai ser articular os 16 principais mercados com a marca global, essa habilidade de trabalhar junto, de conseguir envolver as pessoas é um ponto que me destaca. Para mim é fácil circular e trocar com as pessoas.
Porque você é comunicadora de formação, certo? Como isso te ajudou a construir sua carreira?
A minha formação é tudo menos marketing. Minha primeira faculdade foi letras, sempre tive uma inquietação de querer fazer de tudo, saber de tudo, sou uma pessoa muito curiosa. Ao mesmo tempo fiz faculdade de teatro, o que ajuda com a habilidade de falar em público e me sentir à vontade no palco. Saí da faculdade de letras no fim do quinto período depois que eu entendi que eu amava literatura, e leio vorazmente até hoje, mas profissionalmente não era o que eu gostaria de fazer. Fui para a faculdade de comunicação e como já fazia alguns filmes, curtas e teatro, optei pelo curso de Rádio e TV. Comecei a trabalhar como redatora freelancer e dessa forma fui parar na publicidade. Depois resolvi deixar um cargo júnior para ser estagiária de marketing na L’Oréal e toda a minha trajetória já foi no universo da beleza.
Como foi esse início no marketing na L’Oréal?
Foi a minha grande escola. Eu entrei lá como estagiária e em pouco menos de cinco anos saí como gerente de produto. Eu era uma estagiária de 25 anos, então estava muito focada no que eu queria. Toda a minha trajetória foi em La Roche Posay, na linha solar, que representa 35% do mercado de dermocosméticos, um mercado super competitivo, dinâmico e específico. Lancei o primeiro e-commerce da marca no mundo, em 2017 e entreguei um trabalho muito consistente. Aprendi muito lá, e também muito do que eu não queria para mim. Quando saí, decidi ficar um ano fora desse mercado, trabalhei em startup, fiz freelas para entender o que realmente eu queria. E fui chamada pela Pierre Fabre para relançar a marca Ducray no Brasil.
Precisou buscar formação específica para o marketing?
Aprendi tudo on the job e depois de uns quatro anos trabalhando fui fazer uma pós em gestão de negócio na Fundação Dom Cabral. O marketing que a gente faz aqui nas filiais é menos criação e mais gestão do business. Aterrissar na teoria o que eu já conhecia na prática foi super importante para dar as bases dos meus próximos passos. Hoje, 90% do meu dia é focado em finanças.
Eu cresci achando que eu era ruim com números e na pós eu me descobri e fui super bem em matérias como matemática financeira. Quando a gente entende que a criatividade está em tudo e que a sensibilidade se aplica mesmo às cadeiras mais duras e à gestão de P&L, conseguimos navegar de forma mais tranquila.
E você consegue trazer essa criatividade do teatro e da comunicação para o seu trabalho hoje?
Quando eu olho minha formação super heterodoxa e o meu trabalho hoje, eu penso em uma palestra do Steve Jobs sobre ligar os pontos. Hoje eu consigo ligar todos esses pontos porque o papel que eu tenho à frente das marcas na Naos Brasil é me comunicar, subir no palco e falar com 180 pessoas, ir a eventos e falar com os influenciadores. Minha trajetória como atriz me ajuda muito nisso, a ter esse desprendimento e essa sociabilidade, todo meu repertório de literatura e de criação também ajudam quando a gente vai desenvolver as campanhas. A criatividade sempre vai estar comigo porque é muito parte do meu DNA.
Na prática, como você traz essa habilidade para a gestão das marcas?
As marcas são as mesmas no Brasil, na China, na Rússia e na França, mas a gente precisa adequar a comunicação ao país onde a gente está para se comunicar com as comunidades locais. Esse trabalho de manter o DNA da marca, mas traduzido para o público local, sempre está no meu escopo. A carreira artística traz a sensibilidade de se comunicar com o consumidor.
Trazendo um exemplo, temos um produto de Bioderma que é um óleo hidratante posicionado no mundo inteiro como um sabonete para peles atópicas. Quando a gente trouxe para o Brasil, posicionamos como um produto para pessoas que têm preguiça de passar hidratante depois do banho. Isso fez o produto se tornar um best-seller que cresce em um ritmo de 50%. Então a criatividade também está aqui.
Quais os maiores desafios em assumir essa nova posição?
O grande desafio é aprender 15 novos mercados e entender como eu, com a minha experiência aqui do Brasil, posso contribuir efetivamente para desenvolver os negócios. Intelectualmente é uma vaga que me seduziu, aprender me estimula muito e esse é o tipo de desafio que eu gosto. Vou ser o elo entre os mercados para criar uma comunidade global de Esthederm. Sempre quis uma carreira internacional. Além do desafio intelectual, tem o prazer de viajar para todos esses mercados. Consigo unir uma grande paixão profissional com uma paixão pessoal.
Como é a liderança para você e como vai ser nesse novo momento?
Você precisa estar muito mais disposto a aprender do que ensinar. Aprender a gerir pessoas diferentes, com expectativas diferentes, que vão apontar pontos cegos, e você precisa ouvir, trocar e abrir espaço para o erro e para elas se desenvolverem. Esse foi o meu grande desafio de liderança, mas ao mesmo tempo eu acredito que minha trajetória não seria essa se eu não tivesse tido líderes muito generosos. Então eu tento ser essa pessoa com meu time, especialmente com as jovens meninas porque a gente olha para cima e vê muitos homens.
Agora eu não vou ter um time meu, o desafio de liderança é diferente. Meu papel basicamente é ser uma business partner, um elo entre a marca global e os principais mercados para garantir a execução dos planos de marketing globais e desenvolver o negócio. Na prática, isso significa que eu não sou chefe deles, sou uma linha pontilhada desses países, meu desafio vai ser exercer uma liderança mais por influência do que por hierarquia.
Como se destacar em um mercado competitivo como o da beleza?
O grande segredo do sucesso que a gente tem no Brasil e em outros mercados é conseguir unir tecnologia e ciência com a experiência de um produto de luxo. Nossos dermatologistas parceiros falam que faltava uma opção assim para prescrição dermatológica. Hoje a gente tem o mercado de dermocosméticos tradicional, com produtos sem fragrância e uma característica mais medicalizada, e o mercado de luxo, com fragrâncias sensacionais e embalagens bonitas que enfeitam o banheiro. O que Esthederm faz é unir esses dois. A gente lançou no ano passado um produto que resume muito isso, o Proteom, que é fruto de 40 anos de pesquisa e 10 anos de desenvolvimento, e em 10 meses se tornou o produto número um do Brasil e do mundo.
E em relação à comunicação nesse mercado? Qual o diferencial?
A gente evita falar em anti-idade porque a filosofia da marca e do grupo é gerenciar os sinais da idade. Envelhecer significa viver. Nosso fundador cunhou o termo ecobiologia, que nada mais é do que entender como a biologia, o mecanismo natural da nossa pele se adapta ao ambiente em que a gente vive. Quando a gente fala de gerenciar sinais da idade, não é preencher ou fazer nada que seja artificial, e acho que por isso a gente vai tão bem em países onde o mercado estético é muito grande, como o Brasil, onde a gente também vê pessoas que estão tirando preenchimento e buscando a beleza natural. O nosso diferencial é falar de beleza e estética, mas sem exagero, mantendo a nossa saúde e quem a gente é.
O que a sua promoção diz sobre a estratégia da marca em olhar para talentos globais e, especificamente, brasileiros?
Isso é um reflexo do trabalho que a gente faz aqui no Brasil, exportando muitos cases para o mundo. Como toda empresa de dermocosméticos europeia, a Naos cresceu muito nas bases europeias e é onde de fato a gente tem maior market share. Estamos há 10 anos no Brasil e hoje quem puxa o crescimento da empresa são esses novos países, como o próprio Brasil e a Turquia, onde a companhia dobra de tamanho a cada ano.
A cadeira de CEO do grupo foi dividida em três, então o Maurilio Teixeira, que era o CEO no Brasil, hoje é co-CEO global, cuidando do marketing e da parte mais business. Essa mudança reflete um desejo do grupo de internacionalizar ainda mais e isso passa por trazer talentos globais, tanto para as cadeiras de CEO quanto para a diretoria. Para ter um crescimento sustentável globalmente, é importante sustentar o crescimento da Europa, e eu vou ter no meu portfólio vários países europeus, mas também trazer a visão de outros países. Com certeza no futuro a gente vai ver outras pessoas de países diversos indo para cadeiras globais.
O que você diria para alguém que busca construir uma carreira internacional?
A primeira coisa é que você tem que ser vista e reconhecida. Não tenha medo de mandar e-mail para as pessoas, de se expor, de falar em reuniões internacionais, de ter oportunidade de viajar. Na primeira viagem internacional que eu fiz, eu pedi para o meu chefe se podia ficar mais um tempo depois da convenção para ir no escritório e conhecer as pessoas.
A regra de ouro é: entregue, faça o seu trabalho, porque você pode ser muito legal e conhecida, mas se você não tem o resultado, nada adianta. Mas tendo resultado, articule essas possibilidades, abra a câmera nas reuniões, mande emails, seja cara de pau. E aprenda línguas, o inglês é fundamental para uma carreira internacional, e eu aconselho a aprender a língua materna da companhia. É uma demonstração de boa vontade e interesse – e também facilita para morar no novo país, porque no dia a dia a gente não vai só para o trabalho. E para conseguir fazer um bom trabalho, a nossa vida pessoal precisa estar bem encaixada.
A trajetória de Júlia Blum, diretora global de marketing da Esthederm
Formação
Comunicação na UFRJ
Pós-graduação em gestão de negócios na Fundação Dom Cabral
Primeiro emprego
Estagiária de marketing na L’Oréal na marca La Roche-Posay
Primeiro cargo de liderança
Gerente de produto na L’Oréal na marca La Roche-Posay
Tempo de carreira
12 anos