Gianfranco Beting, filho do saudoso jornalista Joelmir Beting, é uma lenda na aviação nacional. Foi o responsável pela criação da logomarca da Azul Linhas Aéreas – aquela com os Estados brasileiros destacados por cores. Até recentemente, era o diretor de marketing e conteúdo da empresa. Agora, entristecido com o panorama moral do país, resolveu trabalhar no exterior. Abaixo, suas razões para tanto.
Quais motivos o levaram a tomar a decisão de trabalhar fora do Brasil?
Eu e minha mulher vamos ir e voltar do País, pois continuaremos a trabalhar junto a clientes brasileiros. De todo modo, minha família vai se radicar nos Estados Unidos. Essa decisão é antiga. Minha mulher não é brasileira e sempre alimentamos o sonho de morar fora. Como viajamos muito, por razões profissionais, sempre acreditamos que nossos filhos teriam muito a ganhar ao vivenciar outras culturas. Até os nomes deles foram escolhidos para facilitar a adaptação a outros países. Como sempre trabalhei com aviação, optei por direcionar minha carreira como consultor internacional de modo a poder trabalhar de outros lugares, para distintos clientes, em diversas partes do mundo. Mas confesso: não sinto que deixo o Brasil; ao contrário, sinto que é o Brasil que expulsa aqueles que partilham de valores parecidos com os meus.
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Qual é a sua visão sobre o Brasil?
Eu não perdi as esperanças em relação ao Brasil. Este é um país maravilhoso. O problema são os brasileiros. Em relação a isso, eu simplesmente perdi a paciência. Tenho 52 anos e trabalho como um burro de carga desde os 18. Foi meu pai, que trabalhou 18 horas por dia até morrer, quem me ensinou que o verdadeiro valor de um indivíduo vem de seu trabalho. Contribuí e continuarei contribuindo aqui, pagando muito imposto de renda, para, tragicamente, receber quase nada em troca. E isto pouco tem a ver com governos, o buraco é mais embaixo. Me dei conta de que meus valores éticos e morais são distintos daqueles identificados como sendo de um padrão aceitável, “normal” do que seria a vida em nossa sociedade. “Uma filinha dupla” aqui, um “vai que cola” acolá são coisas que, aos 52 anos, eu não tolero mais. Não me enxergo mais aqui, criando meus filhos sob este conjunto de regras e valores que me afrontam. Melhor enfiar minha viola no saco.
O que você enxerga como necessário para o resgate do país?
O Brasil sempre foi pródigo em recursos e miserável nas decisões de como utilizá-los. Este país não empobreceu, ele simplesmente se amedrontou. É preciso voltar a confiar na capacidade de crescer e prosperar, desde que busquemos diminuir as diferenças sociais. Mas quem hoje atua como piloto da nossa nação? Estariam essas pessoas qualificadas para voar por meio da tormenta que sua própria inépcia criou? Não me parece. Políticos são egressos da população. Nossos governantes, constato, resignado, são uma amostra da índole e do caráter de nosso povo. O deplorável e patético espetáculo do impeachment mostrou quem são aqueles que têm o poder de decisão sobre os desígnios do país. Se é assim, alguém me diga: onde fica a sala de embarque mais próxima?
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Como você enxerga o setor aéreo brasileiro hoje?
Este setor está em um momento extremamente difícil. Pior é pensar que poderia ser muito diferente, muito mais fácil. Bastaria, para começo de conversa, desonerar o setor ao trazer o preço dos combustíveis para um patamar que estivesse dentro da média mundial. Hoje, as companhias aéreas brasileiras pagam o combustível de aviação mais caro do mundo. Isto representa quase 40% do custo total das empresas. Essa sinuca poderia ser resolvida com uma caneta esferográfica: bastaria assinar um decreto e reduzir o valor do combustível de aviação. Mas não é só. A retração da demanda pegou todas as companhias aéreas brasileiras no contrapé. O problema é que todas acreditaram na continuidade do crescimento do tráfego aéreo no Brasil e, nos tempos da bonança, fizeram encomendas importantes, que custarão bilhões de dólares para serem honradas. O pior? Não haverá passageiro para tanta capacidade. Um cenário muito, muito desafiador. Mas esta é uma característica desta indústria, que é implacável. É preciso ter estômago de avestruz e nervos de aço.
Você acredita que nos próximos anos pode haver uma consolidação do setor aéreo brasileiro, com a saída de algumas empresas desse mercado e/ou com a entrada de outras?
Bem, hoje há capacidade de sobra. Mas vivemos um período excêntrico, fora da curva. A aviação no Brasil já embarcou em um novo patamar e tão logo o país reencontre seu prumo, voltaremos a crescer. A gente esquece, mas saltamos de 20 para 100 milhões de passageiros transportados ao ano em menos de uma década. Quando essa hora chegar, poderemos dobrar essa cifra em questão de alguns anos. Até lá, o nome do jogo não será crescimento, será sobrevivência. Quanto à consolidação e estabelecimento de empresas aéreas, esta é uma característica do setor, que historicamente sempre funcionou como uma sanfona. O fole agora está em contração, mas uma hora voltará a crescer. Eu, porém, não quero esperar pelo próximo ciclo de expansão. Optei por trocar as alegrias de viver aqui pelo desafio de encarar uma terra estranha. Irei passar mais tempo em lugares onde me identifico com os valores e a ética local. Pode não ser perfeito, mas gosto de sociedades onde existe cobrança, responsabilização constante, oportunidade e recompensas para aqueles que acreditam, simplesmente, no valor do trabalho como gerador de crescimento e prosperidade. Por estas bandas, o que conta mais é ser malandro. Para mim, já deu.