Quem poderia imaginar que a investigação sobre uma quadrilha de doleiros que utilizava uma rede de postos de gasolina e lava-a-jatos como fachada de suas ilicitudes iria mexer tanto com os rumos do Brasil?
O país vive uma revolução de proporções gigantescas, que, por capricho do destino, teve início fora de seus grandes centros de decisão. A origem nem de perto teve como propósito o que depois veio a se transformar na maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro do Brasil. É o que já dizia o provérbio dos nossos colonizadores: atirou no que viu e acertou no que não viu.
Nem faz tanto tempo assim: era março de 2014, quando a Polícia Federal do Paraná investigava doleiros que operavam no mercado paralelo de câmbio. A partir daquela corriqueira e despretensiosa investigação, os rumos da nação inteira começaram a mudar ao ritmo das corajosas e transformadoras decisões tomadas por um juiz federal de primeira instância, doutor Sergio Fernando Moro.
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O que isso tem a ver com os rumos do país? Muita coisa!
É impossível não lembrar de uma conversa que tive com o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani. Ao chegar ao cargo, Giuliani dizia não saber de tudo. Economia, por exemplo, era um dos assuntos sobre os quais ele não tinha muito domínio. E o que ele sabia menos ainda era que as ações que empreendia no combate ao crime acabaram sendo as melhores decisões que ele poderia ter tomado para o desenvolvimento econômico da cidade. Quanto mais a criminalidade diminuía, mais os índices econômicos da cidade cresciam.
O que talvez o juiz Sergio Moro não perceba é que suas atitudes e decisões na condução da Lava Jato estão começando a transformar o Brasil de uma forma jamais vista, e que nem o mais otimista poderia imaginar.
Está tudo interligado. Na sua incansável e nobre missão de fazer justiça e punir os autores dos graves crimes cometidos contra o erário, doutor. Moro, indiretamente, construiu as condições favoráveis para todo um resto de ações em cadeia que serão incrivelmente benéficas para o Brasil no longo prazo.
Não tivesse tido a determinação e a coragem de mandar prender figuras poderosas e tidas como intocáveis até então no cenário nacional, a população não teria ficado esperançosa de que as coisas poderiam estar finalmente mudando, não teria saído às ruas para protestar com frequência e quantidade inéditas na nossa história, o que serviu de estopim para que políticos fossem impelidos a adotar uma postura pró-impeachment.
Não tivesse Moro mandado suspender o sigilo das infames conversas telefônicas grampeadas do ex-presidente Lula, ele muito provavelmente teria sido empossado ministro da Casa Civil, e a abertura do processo de impeachment possivelmente não teria sido autorizada, mantendo-se o PT no poder tempo suficiente para nos transformar em algo bem próximo à Venezuela bolivariana do camarada Maduro.
Os contraventores envolvidos na Lava Jato, e não são poucos, estão tão cientes de que os ventos que sopram lá de Curitiba são outros, que a quantidade de gravações e delações em que comparsas antigos entregam uns aos outros faz vítimas num ritmo tão veloz que exige da imprensa agilidade de atleta.
Ouço aqui e ali alguns advogados dizendo que as decisões vindas de Curitiba nem sempre respeitaram os direitos dos investigados, e que algumas prisões foram arbitrárias. Acho que a história recente vem mostrando que essas prisões foram mais do que necessárias. A corrupção e o senso de impunidade no Brasil pré-Lava Jato eram sistêmicos. Basta ver a quantidade de condenados no Mensalão que continuaram incorrendo em práticas criminosas, ou aqueles que, mesmo após as primeiras delações e prisões da Lava Jato, continuavam fazendo negócios escusos. Não fossem essas prisões, esse ciclo vicioso não teria fim.
Tomara, pelo bem do Brasil, que a revolução que começou em Curitiba, comandada por Moro, com seu apoio à força tarefa do Ministério Público e Polícia Federal, vá até o fim, que a justiça seja feita, e que as gerações futuras possam olhar para trás e lembrar que “era uma vez um juiz federal do Paraná que pela primeira vez mandou para a cadeia aqueles que eram chamados de doutores, mesmo sem merecimento acadêmico, e que eram reverenciados como os donos do país. Depois dele, o status quo mudou”.
*Antonio Camarotti é Publisher/CEO de FORBES Brasil
Texto publicado na edição 42 de FORBES Brasil, de junho de 2016