Em seu poema “No Caminho, com Maiakóvski”, o niteroiense Eduardo Alves da Costa diz muito sobre o abuso de autoridade. Antes, porém, vou fazer uma importante advertência, pois ouvimos erroneamente dizer que esse poema é de autores tão diversos quanto Maiakóvski, Borges, Jung e García Márquez.
“No Caminho, com Maiakóvski já virou de camiseta da campanha pelas Diretas Já a pôster em cafés europeus e correntes da internet, especialmente o trecho que diz:
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores, matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã, diante do juiz,
talvez meus lábios calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir
A Lei do Abuso de Autoridade parece causar pânico em juízes, promotores, procuradores e membros da mais alta Corte do país. Precisamos mesmo ficar preocupados com o Judiciário, como já bem escreveu em sua coluna Elio Gaspari. Dizer que ela ameaça a operação Lava Jato é colocar incautos contra algo necessário e urgente. Importante frisar que são necessários ajustes ao projeto, que não é de todo ruim.
Houve muito alvoroço, mas a discussão é tardia. Não é questão de ser contra a Lava Jato, em hipótese alguma – ainda que alguns excessos devam ser corrigidos. O Legislativo está sendo afoito e parece não estar preparado para discutir o tema com a profundidade que ele merece.
Também não é porque nosso Congresso possa estar cheio de gente de honestidade e caráter duvidosos que o assunto deva ser rechaçado. Deve ser discutida e aprovada uma legislação que responsabilize cível e criminalmente quem agir fora da lei. E isso é urgente diante da quantidade de crimes que estão ainda por ser apurados, para não incorrermos em uma inquisição judicial.
Uma sociedade deve ser justa, e a lei deve ser para todos. Devemos fazer valer o artigo 5º da Constituição Federal, que diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]”.
A Lei de Abuso de Autoridade pode conter uma ou outra distorção que precisa ser corrigida (a versão que está no Senado é bem melhor que a da Câmara). Mas é vital para a sociedade que seja promulgada uma legislação sobre o tema. Ninguém pode estar acima da lei e ninguém pode se eximir de ser responsabilizado quando agir ao arrepio dela. Por que juízes, promotores e outras autoridades deveriam ficar de fora? Hoje eles podem cometer as maiores barbaridades que sua punição será, muitas vezes, a aposentadoria compulsória com salário integral. Isso não é punição.
Segundo o portal UOL, a lista de crimes cometidos por juízes e desembargadores em todo o país levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ ) a determinar a aposentadoria compulsória de 48 magistrados desde 2008. Isso custa aos cofres públicos anualmente R$ 16,4 milhões em pensões vitalícias.
Precisamos acabar com o foro privilegiado para crimes comuns e também de uma legislação sobre abusos de autoridade. Antes que seja tarde demais e não possamos mais dizer nada.
*Nelson Wilians é CEO do Nelson Wilians & Advogados Associados