Ninguém gosta de pensar na morte, mas a maioria de nós concorda que é melhor planejar agora o que será feito com os nossos bens quando deixarmos de fazer parte deste mundo. Entretanto, atualmente, poucas pessoas incluem no quesito bens seus dados e recursos digitais.
Apesar disso, essa é uma situação que deve mudar. A quantidade de dados que nós estamos gerando com o passar do tempo está crescendo exponencialmente. E não são apenas aqueles que adicionamos conscientemente nessa pilha, como a documentação das nossas vidas nas redes sociais. Cada vez mais aparelhos como smartphones, câmeras e outras tecnologias da internet-das-coisas (IoT) estão salvando, avaliando e guardando nossas informações, na esperança de tornar a nossa vida mais fácil.
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Há muitas boas razões para querer entender o que acontece com os nossos dados depois que morremos. Você pode querer garantir que suas informações privadas continuem privadas ou até possibilitar que outras pessoas façam uso dos seus valiosos dados digitais, sejam eles sentimentais ou tangíveis. Entretanto, infelizmente, essa situação pode ser um pouco confusa – principalmente porque, assim como em muitas outras áreas, a legislação ainda não conseguiu evoluir na mesma velocidade das mudanças tecnológicas.
Nesse universo, um recurso que provavelmente é comum para muitas pessoas é a mídia digital, que trouxe o iTunes, a Amazon e o Google Play, entre outros serviços. Nos dias atuais, as pessoas tendem a gastar mais dinheiro nesse tipo de ferramenta do que em mídias físicas, como livros, discos e jogos. Em 2016, uma pesquisa feita pela consultoria PricewaterhouseCoopers, descobriu que, em média, os consumidores do Reino Unido têm 42 ebooks, 30 programas de TV, 28 filmes e 2.768 músicas de maneira online. Juntos, esses ativos valem, aproximadamente, £ 25 bilhões, ou seja, US$ 31 bilhões.
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Veja na galeria de fotos o que realmente vai acontecer com seus dados depois que você morrer:
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Coleções digitais
Neste caso, a resposta é relativamente simples – mas não satisfatória. Normalmente, de acordo com os termos e condições com os quais concordamos, nós não estamos comprando a mídia em si, mas a licença para usá-la. Ou seja, essa licença, que é um acordo entre duas partes, morre com o dono.
Se a mídia for guardada como um dado não criptografado em uma máquina, os beneficiários podem conseguir fisicamente a coleção da pessoa que faleceu, mas isso seria, legalmente falando, um material pirata. Nos dias atuais é comum, mesmo com o conteúdo de mídia que as pessoas “possuem” (mas que, na realidade, só têm a licença), os dados serem armazenados e criptografados em serviços de nuvem, impossibilitando o acesso depois que o dono morrer.
Mais complicado é o que acontece com os dados que não têm propriedade física ou que as pessoas nem sabem que existem. Dados pessoais pertencem a nós – e nós podemos dar permissão aos outros (geralmente em casos empresariais) para usar e guardar, e as empresas têm a obrigação legal de comunicar caso estejam recolhendo essas informações. Mas as leis em vigor atualmente nos dão o poder de rescindir essa permissão ou alterar os termos que foram oferecidos. Uma pessoa morta, obviamente, não pode fazer isso – ela não pode pedir para o Google ou para a Apple deletar seu rastreio de dados do GPS que, em teoria, poderia permitir que uma terceira pessoa soubesse detalhes íntimos sobre sua vida.
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Dados médicos
Com algumas informações, como registros médicos, é possível obter direcionamentos mais claros. Geralmente, elas serão mantidas por um determinado período de tempo. No Reino Unido, por exemplo, os dados são guardados por dez anos antes de serem destruídos. É muito comum nos sistemas de registros médicos a imposição de limites sobre quem pode acessar os dados médicos de uma pessoa que morreu. Geralmente, médicos e equipes clínicas não têm mais o direito de acesso, e as informações serão passados para pesquisadores ou entidades de pesquisa. Isso não quer dizer que nenhum dado médico de sua vida estará acessível depois que os registros forem destruídos – é muito provável que essas informações sejam incorporadas em outros bancos de dados e, a partir daí, não serão mais consideradas “suas”.
Essa regulamentação rígida, entretanto, certamente não funciona quando se trata de dados pessoais coletados por empresas privadas e organizações.
O Google, por exemplo, é um caso óbvio. Diferente das informações médicas, há muito menos regulamentação sobre o que é feito com os dados que o gigante de buscas coleta – apesar que e-mails, GPS, documentos e informações financeiras também podem ser consideradas pessoais e privadas. O Google não coloca limites sobre o tempo em que mantém as informações de uma pessoa após sua morte. Além disso, não há mecanismos claros que determinem se os dados que ele possui pertencem à pessoa morta – então ele continua a guardar essas informações do mesmo modo que fazia quando a pessoa estava viva. O Google, pelo menos, oferece um serviço chamado “Inactive Account Manager”, que permite que a pessoa escolha alguém para receber um e-mail caso sua conta não seja usada por um determinado período de tempo. Essa pessoa pode conseguir permissão para baixar fotos, documentos e mails guardados no servidor, além de poder deletar a conta. Entretanto, mesmo nos casos em que usuários vivos optam por deletar suas contas, o Google nunca deixou muito claro se os dados pessoais são completamente removidos de seus sistemas. Eles provavelmente são mantidos de alguma forma, seja de modo anônimo ou misturados com outros conjuntos de dados, ou mais ou menos intactos, em backups.
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Testamentos digitais e beneficiários
Enquanto as pessoas não conseguem controlar o que acontece com os seus dados depois que elas morrem, elas podem controlar o que acontece enquanto estão vivas. Aliás, o dados são pessoais e, portanto, em última instância, cabe a nós a certificação de que os contratos estejam de acordo com a nossa vontade.
Em um nível mais simples, isso significa que as pessoas precisam deixar um testamento – e, pela lei, ativos digitais são tratados do mesmo modo do que ativos físicos depois da morte. Ou seja, essas informações acabam tornando-se um legado (desde que as pessoas tenham uma propriedade real e não apenas um termo de licença de uso) ou, em caso de dados que a pessoa quer manter para sempre confidenciais, algo a ser deletado. Por isso, é muito provável que haja mudanças nas legislações sobre como nossos dados são gerenciados após a nossa morte – especialmente quando se trata de informações guardadas por uma companhia. A nova legislação europeia, por exemplo, deixa explícito que muitos dados pessoais podem apenas ser guardados e usados para os propósitos específicos permitidos pelo dono em vida. Isso pode fazer com que o Google, por exemplo, tenha muita dificuldade em argumentar que ainda possui o direito de guardar os dados, já que a pessoa provavelmente deu essa permissão apenas para conseguir melhores resultados de pesquisas ou para encontrar o restaurante mais próximo.
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Para onde está indo isso tudo?
Historiadores usam dados para reconstruir o passado. Ao restringir a destruição das informações, os historiadores do futuro terão muito mais com que trabalhar.
Com o advento da “tecnologia de vestir” (“wearable technology”, em inglês), carros autônomos e o aumento das câmeras de vigilância, é possível que seja desenvolvido um mecanismo capaz de reconstruir nossas vidas nos mínimos detalhes. Análises dos registros das nossas conversas e interações nas redes sociais vão permitir entender o modo como interagimos e nos comunicamos – o que nos leva à possibilidade de que um dia as pessoas possam ser “reconstruídas” em formato digital, tempos depois da nossa morte física. O que poderá ser descoberto sobre nós? Temos o direito, com o bloqueio de dados, de privar as próximas gerações de insights que poderiam ser uma rica fonte de análise no futuro? Há muitos questionamentos que precisam ser considerados antes que haja um progresso na legislação sobre como os dados podem ser usados após a nossa morte.
Coleções digitais
Neste caso, a resposta é relativamente simples – mas não satisfatória. Normalmente, de acordo com os termos e condições com os quais concordamos, nós não estamos comprando a mídia em si, mas a licença para usá-la. Ou seja, essa licença, que é um acordo entre duas partes, morre com o dono.
Se a mídia for guardada como um dado não criptografado em uma máquina, os beneficiários podem conseguir fisicamente a coleção da pessoa que faleceu, mas isso seria, legalmente falando, um material pirata. Nos dias atuais é comum, mesmo com o conteúdo de mídia que as pessoas “possuem” (mas que, na realidade, só têm a licença), os dados serem armazenados e criptografados em serviços de nuvem, impossibilitando o acesso depois que o dono morrer.
Mais complicado é o que acontece com os dados que não têm propriedade física ou que as pessoas nem sabem que existem. Dados pessoais pertencem a nós – e nós podemos dar permissão aos outros (geralmente em casos empresariais) para usar e guardar, e as empresas têm a obrigação legal de comunicar caso estejam recolhendo essas informações. Mas as leis em vigor atualmente nos dão o poder de rescindir essa permissão ou alterar os termos que foram oferecidos. Uma pessoa morta, obviamente, não pode fazer isso – ela não pode pedir para o Google ou para a Apple deletar seu rastreio de dados do GPS que, em teoria, poderia permitir que uma terceira pessoa soubesse detalhes íntimos sobre sua vida.