Se os governos, sobretudo o dos Estados Unidos, tivessem seguido políticas monetárias, fiscais e reguladoras sensatas nos últimos 40 anos, o número de bilionários do mundo seria de 20 mil – dez vezes mais que os 2.043 relacionados nesta edição.
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Assim como as plantas, a criação de riqueza floresce melhor em ambientes propícios. Desde a década de 1970, as más políticas têm sido, com frequência, prática comum. Dinheiro é hoje o assunto mais incompreendido. Ainda é sagrada, entre os economistas, a ideia de que a manipulação da oferta e do custo do dinheiro é capaz de dirigir as economias, da mesma maneira que o volante dirige um carro. Na realidade, a única questão relacionada às atividades monetárias dos bancos centrais é quanto dano elas vão causar. Um ótimo exemplo é o Federal Reserve, cujas molecagens desde a crise de 2008 vêm sufocando a economia dos EUA.
Dinheiro não é riqueza. Ele facilita a compra e a venda de produtos e serviços. Mede o valor deles da mesma maneira que um relógio mede o tempo. É similar a um comprovante. O padrão-ouro, que abandonamos em 1971, é melhor que qualquer outro sistema para manter as moedas estáveis. Dinheiro estável promove investimento produtivo, sem o qual não há criação de riqueza.
Dinheiro estável promove investimento produtivo, sem o qual não há criação de riqueza
Os impostos são um fardo. As alíquotas altas atravancam o crescimento econômico. Quando a Europa criou taxas sobre as vendas chamadas de impostos de valor agregado (IVA), associados a impostos de renda altíssimos, as taxas de crescimento despencaram.
Uma pergunta básica: será que os EUA cometerão o erro da Europa, instituindo uma espécie de IVA de 20% conhecido como ajuste fiscal de fronteira? Por incrível que pareça, muitos republicanos do establishment estão promovendo essa cobrança que vai contra as famílias dos trabalhadores. Os regulamentos que esmagam a economia vêm se espalhando como ervas daninhas. Felizmente, o governo Trump parece ter a séria intenção de batalhar incansavelmente contra esses tributos.
Dinheiro estável, impostos baixos, regras baseadas no bom senso. Muito simples. Mas, politicamente, muito difícil de alcançar.
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A morte de um gigante americano
Michael Novak, que morreu recentemente aos 83 anos de câncer intestinal, foi um filósofo e teólogo de primeira linha. Seus textos sobre capitalismo, democracia e religião foram extremamente influentes nas décadas de 1980 e 1990. Fizeram parte da base intelectual essencial que levou à queda do comunismo soviético. As ideias são as lentes através das quais as pessoas veem o mundo, quer percebam isso, quer não. E os óculos que Novak forneceu foram fundamentais para o grande florescimento da democracia e do livre mercado no fim do século 20 e início do 21. Novak orientou os papas João Paulo II e Bento XVI com relação à moralidade dos livres mercados. Margaret Thatcher reconheceu, repetidas vezes e de forma generosa, a influência que Novak teve na maneira pela qual ela veio a enxergar a base moral do capitalismo. Os livros de Novak foram contrabandeados para países controlados pelos comunistas.
Infelizmente, devido a graves erros nas estratégias dos líderes e economistas do mundo livre em anos recentes, particularmente na política monetária, o capitalismo está em maus lençóis, o livre-comércio é tachado de inimigo do povo e a estabilidade mundial está degenerando de maneira perigosa. Como vimos na década de 1930 e, em menor medida, na de 1970, a estagnação econômica, que parece inexplicável e imune aos tratamentos dos líderes democraticamente eleitos, gerará consequências cada vez mais desagradáveis.
Na juventude, Novak queria ser padre e frequentou um colégio especial em Notre Dame a fim de se preparar para isso. Acabou deixando de lado esse objetivo (um de seus irmãos entrou de fato para o sacerdócio) e, após receber o grau de mestre em história e filosofia da religião por Harvard, levou uma vida de estudo e ativismo político. Começou na esquerda – trabalhou para George McGovern em sua catastrófica campanha, em 1972, contra o presidente Richard Nixon, que concorria à reeleição – e logo foi para a direita, ao se convencer de que “a esquerda estava errada em praticamente todas as grandes questões de nossa época”.
Ainda mais admirável é o fato de que Novak começou a ver o comércio a partir de uma nova perspectiva, sendo que antes considerava “os negócios mera compra e venda; simples coisa de mascate, enfim”. Em vez disso, “a esperança que temos de diminuir a pobreza e eliminar a tirania opressora – talvez nossa última e melhor esperança – reside nesse sistema tão menosprezado. O capitalismo ensina as pessoas a demonstrar iniciativa e imaginação, a trabalhar cooperativamente em equipes, a amar e valorizar a lei; e ainda por cima obriga-as não só a contar consigo mesmas e com suas próprias qualidades morais, como também a reconhecer essas qualidades morais em outras pessoas e cooperar com elas livremente”.
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Novak não tinha uma visão cor-de-rosa do sistema. “Não quero que se pense que algum sistema é o reino de Deus na Terra. O capitalismo não é. A democracia não é.” Apesar do aspecto modesto e prosaico do comércio, ele reconhecia que o livre mercado aprimora a humanidade ao incentivar as pessoas, quase sem nos darmos conta, a interagir e trabalhar umas com as outras de maneiras que geram prosperidade e dão oportunidade para os que antes eram oprimidos. Dá às pessoas a chance de desenvolver seus talentos específicos. Estimula a criatividade, faz as pessoas olharem para o futuro. Seus produtos finais são o oposto da ganância, do egoísmo e da mesquinharia – os mesquinhos não fundam as Microsofts, os Wal-Marts e as Apples da vida.
Nossos fundadores, Novak notou com grande discernimento, basearam a República Americana no comércio de livre mercado porque esse sistema atacava um pecado ainda mais mortal do que o ódio: a inveja. “O ódio pelo menos é visível e universalmente reconhecido como um mal. A inveja raramente atua com seu próprio nome; escolhe um nome mais atraente para se esconder e funciona como um gás letal invisível. Em repúblicas anteriores, jogou classe contra classe, partes de cidades contra outras partes.”
Em contraposição, numa sociedade comercial, “quando as pessoas veem que suas condições materiais estão de fato melhorando de um ano para outro, elas param de se comparar com os vizinhos”.
As observações de Novak levaram à sua obra clássica, O Espírito do Capitalismo Democrático, livro deslumbrante e matizado que defendia, com argumentos morais, um sistema que mesmo a maioria dos adeptos nunca considerou uma vocação nem exaltou de forma especial. Os críticos, particularmente os da esquerda, ficaram horrorizados com a audácia de Novak ao associar a moralidade ao comércio.
É uma pena que o atual pontífice não tenha lido e absorvido as revelações desse livro. Eu conheci esse homem notável quando atuamos juntos no Board for International Broadcasting, órgão que supervisionava a Radio Free Europe (RFE) e a Radio Liberty (RL). Essas estações transmitiam atrás da Cortina de Ferro, como eram então denominados a União Soviética e seus satélites na Europa Central e no Leste Europeu. Novak sabia que o comunismo acabaria por ser solapado por meio da batalha de ideias.
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Um sistema totalitário como o comunismo soviético dependia do monopólio das informações. Naquele período anterior à internet e aos aparelhos móveis, era muito mais fácil negar a sociedades inteiras o acesso à verdade. A RFE, que transmitia para países comunistas do centro e leste da Europa, e a RL, que transmitia para a União Soviética, quebraram esse monopólio. As rádios atuavam como se fossem emissoras do país, transmitindo notícias e programas voltados aos públicos locais. Também divulgavam os escritos de dissidentes nacionais, mostrando aos bravos anticomunistas que eles não estavam sozinhos. Quando Lech Walesa, líder anticomunista do partido polonês Solidariedade – e, posteriormente, o primeiro presidente da Polônia pós-comunista – foi indagado sobre o papel da RFE em ajudar a derrubar o comunismo no país, respondeu: “O que é a Terra sem o Sol?”.
Não é de surpreender que o Kremlin odiasse a RFE e a RL e trabalhasse com afinco para destruí-las, tanto diretamente, ao tentar causar interferências nas transmissões, como indiretamente, ao minar o apoio político a elas em Washington (“Esses provocadores são um obstáculo à melhora das relações entre nossos grandes países!”) e na Europa Ocidental, onde elas criavam sua programação e de onde transmitiam.
Novak apoiou energicamente o trabalho da RFE/RL por motivos pessoais (tinha ascendência eslovaca) e ideológicos. Foi extremamente prestativo, dando ideias de programas e mediando as relações muitas vezes inflamadas entre os funcionários das emissoras, que eram provenientes de diversas nações e tinham opiniões fortes sobre tudo.
Ele também não era nada ingênuo no que dizia respeito aos modos da política parlamentar e burocrática de Washington. Isso era fundamental, já que as rádios estavam sob constante ataque por parte dos que, na época, eram chamados de antianticomunistas e de um Departamento de Estado que estava sempre tentando roubar nosso dinheiro e nossa independência. Naqueles anos, nós adorávamos ouvir suas observações originais e perspicazes sobre uma ampla variedade de assuntos, da política à religião, passando pelos esportes (ele, assim como este que escreve, amava o beisebol).
Outro aspecto inspirador para todos que o conheciam era o profundo amor que ele e a esposa, Karen (talentosa artista que faleceu em 2009), tinham um pelo outro. A voz de Michael Novak fará falta, sobretudo nestes tempos de apreensão.
*Steve Forbes é editor-chefe de FORBES
* Matéria publicada na edição 50 de FORBES Brasil, de abril de 2017