“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.”
(Carlos Drummond de Andrade)
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Lembrei-me instantaneamente desse poema quando li que a lista de bilionários brasileiros havia crescido mais uma vez. Apesar da instabilidade política. Apesar da corrupção endêmica. Apesar do Congresso. Apesar da crise.
Os empreendedores brasileiros, sobretudo os que atingem patamares mais altos, parecem ser feitos da mesma matéria e essência da flor de Drummond. Se produzir riqueza, consolidar uma empresa e mantê-la em ritmo de crescimento é já, em qualquer nação do mundo, tarefa para poucos, no Brasil é um destino que só se amolda aos muito resistentes, dotados de uma pitada de loucura – afinal, o que difere coragem de loucura é o resultado, e o resultado é o que se apresenta. O número de bilionários só aumenta.
É pena que também seja crescente a quantidade dos que tiveram seus nomes envolvidos direta ou indiretamente em investigações policiais recentes, relacionadas a supostos atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Mas tudo vem com uma lição.
Há quem sustente, não sem uma boa dose de razão, que, a exemplo daquela flor que nasce até numa rachadura no asfalto, muitos empreendedores brasileiros tiveram que se submeter às práticas históricas de corrupção no país por não ter outra opção, ou seja, “jogaram o jogo que se jogava”. Antes do processo intenso de moralização que o país vem felizmente vivendo, era isso ou não fazer negócios. Era feio, mas era o Brasil.
Nos tempos de hoje, o empresário que cresce o faz mais lentamente. Não há mais tantas rachaduras, e, para o bem de todos, há de haver cada vez menos. Ele agora caminha com cuidado, produz na medida, investe no que é real e compete em condições transparentes. Isso leva ao surgimento de riquezas mais sólidas, de exemplos de sucesso à moda das nações de Primeiro Mundo, sem as marcas próprias de um jeitinho brasileiro que já deixou há tempos de ser simpático.
Os limites do crescimento tendem a ser agora definidos pela competitividade e pelas leis naturais do mercado, e o tempo há de fazer perecer a burocracia reinante, mãe da corrupção. Na era da tecnologia, a que tipo de administrador público – e, simetricamente, a que tipo de empresário – interessa um modo de governar arcaico, que faça criar dificuldades só resolvidas pelos vendedores de facilidades? O empreendedor brasileiro é o melhor exemplo de resiliência nos negócios, de criatividade e de superação de obstáculos. Canalizar esse talento histórico para um mercado transparente e profissional interessa a todos, a começar pelo mais simples trabalhador.
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Ainda que sutil, a recente modernização da legislação trabalhista, nesse contexto, vem se somar aos fatores políticos e econômicos que favorecerão a continuidade do crescimento do Brasil e dos brasileiros – apesar dos obstáculos de sempre.
Filósofos criaram um gráfico para retratar a posição das populações de grandes países no cruzamento de dois eixos: o sucesso e a pobreza, num deles; a realização pessoal e a depressão, no outro. Não é de todo surpreendente que o brasileiro médio tenha ficado no quadrante negativo, no critério financeiro, mas no positivo, em matéria de realização e felicidade. O brasileiro, em outras palavras, é feliz e tem foco até quando está cheio de problemas.
É essa nossa composição orgânica que desperta curiosidade. Parece haver algo na nossa formação que nos torna maleáveis e que nos dota de uma incrível capacidade de criar soluções para – ou maneiras de administrar – problemas graves. Quando essa característica inata encontra o talento para negócios, crescem as fortunas dos brasileiros.
Estatísticas assim reavivam a esperança de um crescimento saudável, mesmo num país em que tudo parece estar na mão contrária. É alvissareiro saber que o país, em meio a um emaranhado de crises, dentre as quais a mais grave é a de cidadania, ainda floresce. Com novas cores e formas e com uma inédita beleza.
*Nelson Wilians é CEO do Nelson Wilians & Advogados Associados