Ao se deparar com um morador de rua, qual é a sua reação? Medo, pena, resignação? Existem aqueles que consideram esses concidadãos merecedores do seu destino. “São preguiçosos, drogados, bandidos”, vocifera uma elite escondida em seus castelos. Porém, entre essa mesma elite, há quem diga defendê-los. Estão em todas as manifestações pelo povo de rua, mas são os primeiros a armar barricadas contra quem pensa em rascunhar um quadro de mudança. Usam essas pessoas como escudo e plataforma política. Não se mobilizam para pavimentar nenhum caminho de saída.
LEIA MAIS: Flávio Rocha lidera campanha por maior protagonismo do empresariado no Brasil
Ao falar tantas vezes dos “empresários-moita”, sempre cobrei um posicionamento dos empreendedores diante das questões nacionais e da condução das nossas políticas. Quem é responsável por gerar empregos também tem de arregaçar as mangas. É óbvio. As portas das companhias precisam estar abertas a quem está fora do mercado e necessita de mais ajuda. Não é simples caridade. Trata-se de uma cadeia humanitária que auxilia alguém que precisa de uma nova chance e que, no fim da cadeia, pode criar um novo consumidor e contribuinte. Na frieza dos números, é uma conta que se paga lá na frente.
Na direção oposta, está o assistencialismo, uma forma rasteira de política para manter as pessoas sob sua proteção. O líder assume uma figura de pai superprotetor e que não confia que o povo possa tomar suas próprias decisões, evoluir em sua cidadania ou ter algum tipo de prosperidade por mérito próprio. É uma conta que será cobrada lá na frente. Mas e o voto deles? Ah, esse é garantido. Vem de pessoas que geralmente não têm qualificação e, muitas vezes, estão mais frágeis na sociedade e no mercado de trabalho.
É alguém que precisa de uma nova chance e que, no fim da cadeia, pode criar um novo consumidor e contribuinte
Sem bandeiras, partidos ou paternalismo, a Riachuelo promoveu uma ótima parceria com a prefeitura de São Paulo. O projeto é um elo entre empresas e pessoas sem moradia que buscam oportunidade de mudar sua história, com muito trabalho e garra. Inicialmente, foram abertas dez vagas, distribuídas entre nossas filiais, matriz e centro de distribuição. Novas vagas deverão ser abertas em breve. Os colaboradores do projeto apresentam formação desde o ensino médio até o nível superior.
A parceria tem sido das mais produtivas. A prefeitura possui uma equipe atuante e que dá total apoio à iniciativa, junto com a Rede Cidadã. Precisamos de mais iniciativas desse tipo em outros estados. Por enquanto, os projetos são ainda tímidos.
No nosso caso, já temos cases de vitória. Um deles é a vida de Cláudia. O nome é fictício, mas o relato é dos mais verdadeiros e emocionantes. Cláudia nasceu como Marcelo. Ao descobrir sua identidade de gênero, sofreu a rejeição da família, do interior do Pernambuco. Foi colocada para fora de casa. Envolveu-se com um empresário de São Paulo, mudou de cidade, de estado e de condição. Depois de uma relação conturbada, foi abandonada sem recursos e sem família. Viveu na rua durante anos. Ao entrar para a nossa companhia, pôde se encontrar em todos os sentidos: pessoal e profissional. A recepção dos colegas foi natural e muito humana. Todos se envolveram demais no processo. Nossa empresa preza pela diversidade. Muito menos na propaganda, muito mais na prática.
VEJA TAMBÉM: 10% dos mais ricos do Brasil concentram 40,5% da renda do país, diz IBGE
Assim como os demais beneficiários do programa, Cláudia residia em albergues. Poucos meses depois, graças aos salários e às comissões da loja em que trabalha, teve condições de alugar seu próprio espaço. Outros beneficiários, com a vida e a autoestima reaprumada, retornaram para junto de suas famílias – para alegria de ambos os lados.
Para pavimentar essa reinserção na vida e no mercado, nossa empresa dispõe de muitas formas de treinamento, inclusive uma Universidade da Moda. Todos os novos colaboradores têm acesso às informações necessárias para o tipo de atividade que executam. Isso os torna capazes não só de crescer conosco, mas também de buscar o que julgarem melhor para suas novas carreiras.
Ainda não é muito, mas é um começo do qual nos orgulhamos imensamente. Será que todos aqueles que usam os moradores de rua como plataforma são capazes de pensar em saídas como essa? É uma reflexão premente no Brasil. Independentemente de partidos, precisamos ser mais práticos para o bem das pessoas. Não é só uma questão de economia. É, mais do que isso, uma questão de humanidade.
*Flávio Rocha é presidente da Riachuelo