Na semana passada, o investidor George Soros anunciou a transferência de US$ 18 bilhões de sua fortuna a Open Source Foundations, instituição que repassa verbas a iniciativas que lutam por direitos democráticos e humanos na Ásia. O bilionário declarou, em seguida, que outros US$ 2 bilhões estão por vir.
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Na Ásia, ações benemerentes que fornecem materiais de sobrevivência como comida, abrigo ou utensílios médicos são amplamente compreendidas e aceitas. Já organizações como a Open Society Foundations, que avançam e protegem conceitos como justiça, democracia e direitos humanos, são frequentemente incompreendidas e acusadas de intromissão nas políticas locais. O papel dessas entidades, no entanto, na sociedade asiática é fundamental. O caso de Devi Sunuwar, apoiado pela instituição, é um exemplo emblemático.
Devi Sunuwar não estava em casa quando os soldados ligaram, mas sua filha de 15 anos estava. No amanhecer de 17 de fevereiro de 2004, tropas do governo entraram em sua vila em Panchkhal, no Nepal, vindas de um quarteirão de treinamento de paz da ONU a uma milha de distância.
Era o pico de um bruto conflito de uma década entre forças leais ao rei e insurgentes maoístas. Enquanto o sol nascia sobre os picos do Himalaia, os soldados buscavam por Devi.
Treze anos depois, lágrimas escorrem por seu rosto enquanto ela segura uma foto de Maina, que teria 28 anos hoje. “Política foi um dos motivos pelos quais eles vieram atrás de mim. O outro foi vingança”, explica Devi. “Minha irmã foi tirada de sua cama alguns dias antes – o exército a chamou de maoísta e a matou na minha frente -, então eu convoquei uma coletiva de imprensa. Quando os soldados chegaram na minha casa, eu ainda estava morando com meus pais. Eles disseram ao meu marido: ‘Traga a sua esposa e nós devolveremos sua filha’.”
Devi foi ao quarteirão no dia seguinte, mas era tarde demais. Os guardas negaram ter pego sua filha como prisioneira. Ela nunca mais viu Maina. E provavelmente nunca descobriria o que aconteceu com sua filha ou encontraria os captores se não fosse pela intervenção de grupos de direitos humanos locais e internacionais.
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A investigação revelou que os soldados submergiram Maina repetidamente em uma banheira e a eletrocutaram. Ela morreu em sua cela logo depois. Graças, em grande parte, aos esforços persistentes dessas organizações de destacar o seu caso por mais de uma década, seu corpo foi desenterrado do solo do quarteirão. Três de seus assassinos foram condenados neste ano.
O dinheiro doado por Soros, no entanto, não vai apenas levar os criminosos à justiça. Lutar por direitos traz benefícios como o acesso vital a água potável. Um novo relatório do World Resources Institute expôs como certos moinhos de papel na Indonésia, empresas de mineração de ouro na Mongólia e plantas petroquímicas na Tailândia estão poluindo a água e ameaçando a vida das comunidades locais. O relatório insiste que governos da região informem quando a água que as pessoas usam para beber e tomar banho e na agricultura e pesca estiver poluída ou tóxica. Aa comunidades afetadas têm o direito de saber. Eles também lutam para ter o direito de questionar as ações de governos e empresas privadas poderosas.
Apesar de os fundos da Open Source Foundations serem internacionais, eles também são utilizados para possibilitar atividades de parceiros locais. Os advogados do Nepal que eles apoiam ajudaram a levar o caso de Maina e outros semelhantes ao tribunal. Os recursos permitem, ainda, que organizações não-governamentais do país documentem os abusos sexuais durante o conflito e pressionem o governo a oferecer compensações às vítimas. A experiência de sua fundação governada localmente, com equipe própria, a Alliance for Social Dialogue, foi fundamental para garantir que os princípios de direitos democráticos e humanos estivessem presentes na constituição do Nepal de 2015.
Na Mongólia, é oferecido apoio a grupos populares locais que desafiam a exclusão de crianças com deficiências do sistema de educação. Como resultado, ativistas da sociedade civil, como a Network for Inclusive Education, podem garantir que pessoas com deficiência e seus apoiadores se envolvam no desenvolvimento e implementação de políticas que impactam suas vidas tão profundamente.
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Na Índia, a entidade exerce função de investidor-anjo e financia empresas com ideias que vão beneficiar a sociedade de maneira ampla. Os tratores no modelo de “pagamento por utilização” da EM3 Agri Services permitem que pequenos fazendeiros que não conseguem comprar seu próprio maquinário produzam mais rápida e eficientemente, colocando mais dinheiro de volta em seu orçamento familiar.
Ainda que pacotes de ajuda humanitária ofereçam alívio visível no curto prazo, equipar a população local com os direitos, as ferramentas e o conhecimento permite que ela cuide de si mesma no longo prazo. Isso paga dívidas.
Por 13 anos, Devi Sunuwar lutou para que os assassinos de sua filha fossem condenados. No processo, ela ajudou a destacar os abusos horríveis cometidos por ambos os lados contra dezenas de milhares de pessoas durante o conflito no Nepal. Devi encontrou dúzias de outras famílias de vítimas e de sobreviventes. Com a ajuda da instituição, eles agora trabalham juntos para pedir por reparações do governo, desafiando a corrupção e a incompetência no caminho.
“Não é suficiente agora ter justiça apenas para mim”, diz Devi, colocando gentilmente o retrato de Maina de volta na prateleira. “Eu quero garantir justiça para os outros também.”