A jabuticaba não é tão exclusiva do Brasil assim. Já foi encontrada na Argentina e no México, além de uma frondosa jabuticabeira (a Brazilian Berry) localizada no Jardim Botânico de Londres. Ainda assim, representa o país da mesma forma que o samba, o Cristo Redentor e a camisa da seleção brasileira. Evidentemente, não vamos utilizar este espaço de FORBES para falar de hortifrútis ou botânica. A jabuticaba é, na verdade, um símbolo das nossas peculiaridades.
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Estamos falando da teoria da jabuticaba. Ela foi evocada pela primeira vez pelo economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, e que mencionou a família das mirtáceas (Myrciaria jaboticaba) para definir coisas que só existem no Brasil. Ele fazia uma alusão à elevada taxa de juros.
De acordo com o professor Paulo Roberto de Almeida, do Instituto Millenium, essa teoria diz respeito a uma série de explicações sociais para tudo e qualquer coisa no Brasil. Isso é quase o oposto do complexo de vira-lata, definição famosa de Nelson Rodrigues. É uma forma ufanista de enxergar nossas idiossincrasias verde-amarelas. “São soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam – ou deveriam funcionar. Como se o resto do mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais”, analisa o escritor e diplomata, hoje uma das referências liberais do Brasil.
O déficit do sistema previdenciário do setor público nos últimos 15 anos (2001-2015) é de R$ 1,3 trilhão para 1 milhão de pessoas
Outro intelectual liberal, José Luiz Mauad, do Instituto Liberal, faz um resumo muito eficiente dessas frutas amargas. Ele destaca a Justiça do Trabalho, propaganda eleitoral “gratuita”, “Hora do Brasil”, entre outras. “Na economia, convivemos com a famigerada correção monetária e, na trabalhista, a contribuição sindical obrigatória – essa estrovenga que acabou por criar no país dezenas de milhares de sindicatos, sempre ávidos por abocanhar uma fatia do butim.”
Às vezes, parece que estamos reinventando a roda. É só olhar para o Fundo de Garantia. O Estado diz que esse dinheiro é seu. Só que você não pode pegar, salvo obedecendo algumas regras definidas, obviamente, pelo próprio. E esse valor fica lá depositado, sob o poder de um organismo estatal, desvalorizando dia após dia.
Não posso me esquecer dos supersalários dos pensionistas do serviço público. Não todos os servidores, claro, mas aqueles do topo dos três poderes. Para se ter uma ideia, o setor público gasta R$ 115 bilhões com 1 milhão de aposentados. Já o privado tem uma conta de R$ 500 bilhões com 33 milhões de pessoas. O déficit do sistema previdenciário do setor público nos últimos 15 anos (2001-2015) é de R$ 1,3 trilhão para 1 milhão de pessoas. Na esfera privada, o prejuízo é de R$ 450 bilhões para 29 milhões de pessoas. É o maior programa de transferência de renda do país. Sim, de pobre para rico. É como se o Robin Hood se vestisse com a camisa da seleção e saísse pelas casas dos pobres para pegar o pouco que eles têm. Depois, entregasse uma mala de dinheiro nas casas do Lago Sul de Brasília.
Essa realidade de jabuticaba vem bem a calhar em uma semana em que recebemos uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello determinando o pagamento retroativo de auxílio moradia a juízes e desembargadores. A conta é de R$ 39,5 milhões para 218 magistrados. Com poucos dias de distância, ficamos sabendo por um estudo do Banco Mundial que 22% da população brasileira está abaixo da linha da pobreza. Mais de 45,5 milhões de brasileiros vivem com menos de US$ 5,5 por dia.
São os galhos podres da mesma jabuticabeira. O Brasil, como bem lembrou o ativista liberal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, concebeu um Estado para ser uma máquina de arrecadação. Não de serviço. E as necessidades de impostos aumentam numa curva inversa à dos serviços públicos. Será que nossa árvore frondosa não está precisando de uma poda? Este é o momento de eliminar tantos frutos podres e começar uma irrigação por gotejamento, muito bem dosada. Assim poderemos obter os resultados necessários para saúde, educação básica e segurança. Pare e reflita: como seria a distribuição de renda no Brasil se excluíssemos os absurdos privilégios da elite do funcionalismo?
*Flávio Rocha é presidente da Riachuelo
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