Em 1973, no auge da corrida espacial entre norte-americanos e soviéticos, o astronauta Steve Austin sofreu um grave acidente quando sua cápsula espacial voltava à Terra. Ele sobreviveu graças a uma cirurgia que substituiu partes do seu corpo por avançados componentes eletrônicos que o transformaram no primeiro homem biônico da história.
LEIA MAIS: A derrota de US$ 1 bilhão
Foi assim que nasceu o “Homem de Seis Milhões de Dólares”, o seriado enlatado favorito da infância de todos os meninos da minha geração.
Para uma criança dos anos 1970, a ideia de alguém valer tanto assim era impensável. Se nos dias de hoje, US$ 6 milhões é o tipo de fortuna restrita ao topo do topo da população mundial, imagine há 45 anos.
Naquela época, US$ 6 milhões era uma montanha de dinheiro que podia comprar quase tudo, inclusive um time de futebol capaz de vencer a Copa do Mundo da FIFA.
Os passes de todos os jogadores da Seleção Brasileira campeã da Copa do Mundo em 1970, a melhor de todos os tempos, não valiam isso. Steve Austin custava mais caro que Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Clodoaldo, Everaldo, Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivellino somados.
VEJA TAMBÉM: O 1% que todo mundo vê
No mesmo ano que o homem biônico estreou nas nossas telas, o jogador mais caro do mundo, o holandês Johan Cruyff, foi vendido do Ajax na Holanda para o Barcelona na Espanha por US$ 1,2 milhão. O próprio Pelé, já tricampeão mundial e unanimemente considerado o melhor jogador do mundo em 1975, recebeu míseros US$ 2,8 milhões por um contrato de três anos com o New York Cosmos.
Assim era o negócio global do futebol há 40 anos. Mas, nas últimas décadas, ele se tornou um dos mais lucrativos investimentos no mundo.
No mesmo período (de 1973 a 2018), enquanto o índice Dow Jones na Bolsa de Valores de Nova York cresceu 24 vezes, o valor do jogador mais caro do mundo foi multiplicado por 220.
Apesar da comparação não ser tão simples assim, ela ajuda a entender a inacreditável valorização de jogadores, e do futebol como um todo, nas últimas décadas.
A Copa do Mundo da FIFA era uma atividade semiamadora nos anos 1970. A sua organização era feita com poucos recursos, poucas pessoas e poucos patrocinadores.
E MAIS: 25 atletas mais bem pagos de 2017
As fotos das Copas do México em 1970 e da Alemanha em 1974, por exemplo, lembram mais uma pelada de final de semana do que o maior evento esportivo do mundo, como o conhecemos hoje.
O futebol só começou a mudar com a chegada de João Havelange à presidência da FIFA em 1974. Até então, a entidade quase não conseguia pagar suas contas no fim do mês. Não é exagero dizer que os primeiros acordos assinados com a Adidas e a Coca-Cola foram determinantes para mudar as histórias da FIFA e do futebol.
Depois dos votos de confiança e de uma injeção de capital destas duas empresas, outras começaram a investir, reforçando os cofres e permitindo a profissionalização da FIFA e da organização das Copas do Mundo que seguiram.
Esse processo permitiu investimentos em Confederações Regionais, Federações Nacionais e campeonatos. As ligas nacionais, beneficiadas pelos novos recursos internacionais e pela chegada de novos patrocinadores locais, começaram a pagar mais pelos seus jogadores.
Anos de investimentos e valorização elevaram o futebol ao patamar em que se encontra hoje: jogadores como Neymar vendidos a valores proibitivos (US$ 263 milhões, para ser mais preciso) até mesmo para Steve Austin e seus poderes biônicos.
E MAIS: 20 times de futebol mais valiosos do mundo
Hoje, o futebol é um negócio de gente muito rica. Ser dono de um time virou um investimento para poucos magnatas norte-americanos, chineses e russos. Clubes como Manchester United, Real Madrid e Bayern são avaliados em bilhões de dólares e têm folhas de pagamento de dar inveja a muitas multinacionais.
Mantido este ritmo, a menos que a UEFA e a FIFA estabeleçam regulamentações limitando investimentos, é bem provável que vejamos, na próxima década, a primeira transferência de um jogador valendo US$ 1 bilhão.
Sinto muito Steve. Seus US$ 6 milhões em breve não garantirão nem mesmo o ingresso para ver um clássico europeu ao vivo.
Ricardo Fort (@SportByFort) é executivo de marketing internacional baseado em Atlanta, Geórgia. Sua opinião é pessoal e não reflete a visão editorial de FORBES Brasil.