Sabemos que, nos momentos de crise, questões culturais normalmente lideram as listas de cortes, tanto de um lado da moeda quanto de outro: as pessoas gastam menos com arte, e as empresas apoiam menos projetos do que poderiam. Mas a Orquestra Petrobras Sinfônica vai bem, obrigado, no quesito caixa e fechou 2017 no azul. Associação sem fins lucrativos, com a petrolífera como mantenedora, a orquestra recebeu R$ 11,1 milhões como investimento para o ano e arrecadou R$ 12,8 milhões, ou seja, mais de R$ 1,5 milhão de “lucro”, se esse fosse o seu termômetro.
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Mateus Simões, 33 anos, é o executivo que está no comando da orquestra. Ele afirma que a arrecadação não é um parâmetro correto para saber se o negócio vai bem ou não. “O retorno financeiro é apenas mais um reflexo do nosso trabalho. A gente faz o que acredita e consegue retorno”, conta ele, que entrou na orquestra em 2009 como assistente da direção, depois de ter passado dois anos na Sinfônica Brasileira. Em seguida, Simões migrou para a área de projetos, foi diretor de marketing e hoje é o que pode se chamar de “CEO da orquestra”. Fundada em 1972, a iniciativa passou a se chamar Orquestra Petrobras Pró Música em 1994 e ganhou o nome atual em 2006, três anos antes da entrada de Simões, até então um fã de punk rock e hardcore que criou uma ligação pessoal e profissional com a música clássica.
Apesar do contrato semelhante ao de “naming rights”, quando uma marca assume o nome de um local ou um produto, o projeto é autogerido, ou seja, não há intervenção direta da empresa: “De dois em dois anos, há a eleição de um conselho diretor, de uma diretoria artística e de um conselho de representantes. O primeiro é responsável pelo financeiro e institucional, a diretoria artística cuida da programação, e os representantes veem as questões dos músicos em si, do bem-estar da equipe etc”, explica Simões.
Muita banda ou artista de porte médio não consegue fazer 92 shows por ano, mas a orquestra consegue. “Os grandes desafios são a logística e as pautas de cada concerto. Se tem um concerto de metais em Petrópolis, eu posso fazer um de cordas no Rio ou em São Paulo, por exemplo, e temos de jogar com isso. A programação é complexa, e o ano tem ficado pequeno”, diz Simões.
Um dos trunfos da Petrobras Sinfônica para atender a essa exigência do público, que, segundo o “CEO”, deseja ter uma experiência, é a série de concertos que fazem tributos a artistas do pop e do rock. Pink Floyd, Los Hermanos, Michael Jackson e até Balão Mágico já ganharam espetáculos especiais da orquestra, em um movimento para buscar mais público e não ficar preso aos espaços destinados à música clássica. O primeiro espetáculo do tipo foi em outubro de 2015, o infantil “Arca Sinfônica”, inspirado na obra “A Arca de Noé”, de Vinicius de Moraes. Em paralelo, já era pensado e desenvolvido o projeto “Ventura”, que tocou, na íntegra, o disco de mesmo nome do grupo carioca Los Hermanos.
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Apesar de todas as misturas que já foram feitas, Simões diz que ainda existe um certo tabu quando o clássico e o popular se encontram no palco. “Sabe aquela coisa do futebol: ‘Ah, que saudade do futebol arte’? Hoje tem Messi, Cristiano Ronaldo, mas algumas pessoas torcem o nariz por eles serem estrelas de comerciais. A gente sente isso também. Já houve quem disse que damos muita atenção aos concertos pop, e isso não é verdade! Dos 92 concertos de 2017, só 15 foram pop!.” Hoje, quem acessa o site oficial da orquestra vê que seus trabalhos são divididos em três “mundos”: pop, urbano (concertos ao ar livre, hospitais, escolas e locais inusitados) e, claro, clássico. “Só esse detalhe no site já deixou muita gente mais tranquila.”
Veja abaixo, segundo Simões, as diferenças e semelhanças entre o seu trabalho e o de um CEO de uma empresa convencional:
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Artur Medina/Divulgação Diferenças: “Estou à frente de uma empresa cultural, que gera conteúdo. Em vez de entregar produtos ou serviços, são concertos. Então, a diferença fundamental está na questão cultural. Não cabe muito alguém chegar aqui e dizer: ‘Olha, acho que vocês podem fazer tal coisa porque outra empresa fez e deu certo’. Não funciona porque é muito peculiar. Não tenho acionistas nem balanço anual porque a minha avaliação não é em cima de números”.
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Laís Moss/Divulgação Semelhanças: “Tem os pagamentos, responsabilidade com a sociedade, tem de ter comunicação interna e externa e relacionamentos com parceiros e com o público. Uma orquestra patrocinada pode ser mais próxima de uma empresa de capital aberto, por exemplo, porque eu respondo para mantenedora, para um conselho. A intenção é entregar um produto de qualidade para o maior número de pessoas possível, com excelência e desenvolvimento de novas ideias”.
Diferenças: “Estou à frente de uma empresa cultural, que gera conteúdo. Em vez de entregar produtos ou serviços, são concertos. Então, a diferença fundamental está na questão cultural. Não cabe muito alguém chegar aqui e dizer: ‘Olha, acho que vocês podem fazer tal coisa porque outra empresa fez e deu certo’. Não funciona porque é muito peculiar. Não tenho acionistas nem balanço anual porque a minha avaliação não é em cima de números”.