O último artigo científico do britânico Alan Turing (1912 — 1954) pode ajudar a produzir água potável limpa em breve. A química Zhe Tan, da Universidade de Zhejiang, na China, e seus colegas projetaram uma membrana que filtra o sal da água com muito mais eficiência do que as em uso atualmente. O método da pesquisadora é baseado em um artigo matemático de 66 anos que especulava sobre a razão de as zebras serem listradas.
LEIA MAIS: Nova pesquisa pretende estudar a relação entre microdoses de LSD e criatividade
A natureza é cheia de padrões: a espiral das pétalas de um girassol, as ondulações de uma duna de areia ou as manchas de um leopardo. E o matemático que decifrou os códigos do Enigma (máquina de criptografia) passou os últimos anos de sua vida na tentativa de quebrar o código químico de manchas e listras. Mesmo quando enfrentou acusações criminais por seu relacionamento com Arnold Murray, Turing se perguntou qual mecanismo químico poderia fazer com que as células da pele se diferenciassem, de modo que algumas delas formassem listras pretas enquanto outras formavam listras brancas ou, então, algumas formassem manchas escuras enquanto outras eram claras. O britânico não era biólogo ou químico, mas entendeu que o processo poderia ser modelado com matemática.
Para produzir listras, manchas e outros padrões naturais, uma reação química tinha de acontecer em algumas células, mas não em outras. Turing previu que, se duas outras substâncias químicas, uma que ativasse a reação e uma que a inibisse, difundissem-se por meio de um grupo de células, em ritmos diferentes, isso criaria concentrações mais altas do ativador em algumas áreas e do inibidor em outras, de modo que a reação aconteceria em algumas áreas e não em outras. Conforme a rapidez com que cada substância química se difundisse, esse processo formaria pontos, listras e outros padrões familiares.
Turing elaborou equações para descrever como a difusão das substâncias químicas em conjunto, por meio de uma massa de células, poderia levar a seis diferentes padrões. Ele estava décadas à frente do seu tempo. Em 1952, os biólogos ainda não procuravam por um mecanismo químico semelhante ao descrito pelo britânico. Apenas 40 anos depois, os cientistas encontraram a primeira evidência de uma reação química que utilizou o mecanismo de Turing: a reação do ácido clorite-iodeto-malônico, ou CIMA.
Dez anos depois, cientistas descobriram outro mecanismo de Turing que ajudou na formação de micelas invertidas: moléculas de água dispersas em um solvente orgânico, como óleo. Mais recentemente, químicos e bioquímicos têm estudado métodos de Turing que produzem padrões bi e tridimensionais em todos os tipos de sistemas.
“Projetar essas estruturas e desenvolver suas aplicações têm efeitos práticos em química e biologia”, escreveu Zhe e seus colegas em um artigo publicado na revista “Science”.
VEJA TAMBÉM: Fundação de Bill Gates financia pesquisa para nova vacina contra a malária
O método pode ser utilizado para produzir água fresca. Nos últimos anos, os engenheiros começaram a usar membranas finas para filtrar o sal das águas subterrâneas. Ela passa pelos poros da membrana, de apenas alguns nanômetros de largura, que filtra o sal e alguns outros minerais. Hoje, as membranas de nanofiltração são feitas por meio da mistura de um produto químico em água e outro em uma solução orgânica, geralmente um óleo. Óleo e água não se misturam, mas a fronteira entre os dois se torna um lugar onde os dois químicos reagem para produzir uma membrana de polímero.
Zhe e seus colegas dissolveram uma substância química chamada piperazina, que ativa a reação de formação de membrana em água e a colocaram em uma estrutura de suporte preenchida com poros de apenas alguns nanômetros de diâmetro. Em seguida, adicionaram uma solução orgânica de uma substância química chamada cloreto de trimesoyl, que inibe a reação. Estar confinado nos poros dificultava a difusão da substância química ativadora, e o inibidor se difundia mais rápido, preenchendo as condições das equações originais de Turing.
Os pesquisadores, então, adicionaram o PVA, um polímero encontrado em um tipo comum de cola, para tornar o ativador mais viscoso, retardando ainda mais sua difusão. Os dois produtos químicos se difundiram exatamente como Turing previu, e, em um experimento, a membrana resultante foi padronizada com manchas compactadas, com cerca de 60 a 80 nanômetros de largura, que mais pareciam bolhas em três dimensões. Em outro experimento, a membrana assumiu um padrão de faixas compactadas que eram, na verdade, tubos tridimensionais.
Essas estruturas moldam a área da superfície da membrana, de um modo que permite mais fluxo de água por ela, e também separam o sal da água de maneira muito mais eficaz do que as membranas planas.
No momento, porém, há uma troca entre o fluxo de água e a filtragem eficiente. Se você quiser uma membrana para filtrar mais partículas de sal da água, isso terá o custo de um fluxo muito mais lento. Se você quiser uma membrana mais permeável para filtrar a água mais rapidamente, provavelmente, será um filtro menos completo. Zhe e seus colegas, no entanto, afirmam que as membranas inspiradas em Turing mostram melhorias significativas no fluxo e na filtragem.
Em seu artigo de 1952, Turing mencionou que trabalhava em um próximo artigo. Poucos meses após a publicação do estudo, um tribunal britânico o condenou à castração química. Dois anos depois, ele cometeu suicídio.