Perdida em meio a alegações de uma atriz pornô, armas químicas sírias, briguinhas entre o presidente e um perigoso ex-diretor do FBI, uma cúpula com a Coreia do Norte e possíveis guerras comerciais está a questão dos cortes de impostos. A Casa Branca mal menciona o assunto hoje em dia, e muitos republicanos estão notavelmente quietos com relação ao tema que costuma ser sua marca registrada. Com malcontida alegria, o “New York Times” publicou recentemente a seguinte manchete: “O interesse do público na legislação tributária diminuiu, e o de Trump também”.
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Trata-se de um grande equívoco do Partido Republicano. Ele precisa de temas que empolguem e unam sua base, particularmente quem votou em Trump. Neste exato momento, boa parte dessas pessoas está ficando em casa, como mostram as eleições na Virgínia em novembro último e uma eleição especial do Congresso num distrito da Pensilvânia onde Trump ganhou de lavada em 2016, que foi vencida por um democrata em março. Os opositores de Trump estão furiosos e estão votando.
O que deveria incomodar os congressistas republicanos são as pesquisas que indicam que a grande maioria das pessoas os considera como parte integrante do pântano de Washington, e não como quem veio para drená-lo.
Em vez de murmurar vagamente sobre uma possível nova rodada de cortes de impostos, os republicanos deveriam estar alardeando propostas específicas. Ao elaborá-las, eles deveriam banir a autoimposta camisa de força do Gabinete de Orçamento do Congresso, que supostamente nos diz quais efeitos as propostas de impostos e gastos terão na economia nos próximos dez anos. Esse órgão quase sempre errou em suas projeções; portanto, ignorem-nas.
Outro ponto fundamental: não falem em “reforma tributária”. A palavra “reforma” não diz nada a ninguém. Em vez dela, usem a expressão “grandes cortes de impostos”.
Eis o que um pacote animador deveria incluir:
• Cortes de impostos sobre a folha de pagamento
Milhões de pessoas não pagam imposto de renda, mas todo mundo que recebe um contracheque está sujeito a deduções referentes à Seguridade Social e ao Medicare. Essas cobranças fazem parte da Lei Federal das Contribuições Securitárias (FICA, na sigla em inglês). Em 2011-2012, os dois primeiros pontos percentuais do imposto da FICA foram suspensos. Proponham uma suspensão de três pontos percentuais por, no mínimo, cinco anos. Os assalariados de renda mais baixa, principalmente, veriam um aumento significativo em sua remuneração líquida.
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Isso comprometeria o sistema de Seguridade Social? Não. Assim como foi feito em 2011-2012, compensem o déficit com as receitas gerais. De qualquer modo, as reservas da Seguridade Social, supostamente de US$ 3 trilhões, são ilusórias. Não há nem um centavo lá, apenas um monte de reconhecimentos de dívida do Departamento do Tesouro. Em outras palavras, todos esses trilhões foram gastos assim que foram arrecadados.
• Forte redução das alíquotas dos impostos de renda
A legislação tributária aprovada no ano passado eliminou a maioria das deduções referentes aos impostos estaduais e locais. O problema é que o projeto não reduziu as alíquotas do imposto federal, o que teria estimulado a economia, ao diminuir o preço do trabalho produtivo, da assunção de riscos e do sucesso. Alguns republicanos bufaram que isso só prejudica os estados que votaram no Partido Democrata, esquecendo-se de que há, na Câmara, cerca de 20 assentos republicanos vulneráveis abrigados nesses estados.
• Redução do imposto sobre ganhos de capital
Isso não tem segredo. Os cortes nesse tributo sempre aumentam de imediato as receitas e estimulam o investimento, fator crucial para um padrão de vida mais alto. Seguramente, uma série de delícias menos expressivas, mas sedutoras, também pode ser incluída nessa salada de corte de impostos. Será que os republicanos terão iniciativa e imaginação para fazer algo do gênero? Infelizmente, com esse pessoal que está aí, todos sabemos a resposta.
• Alta tecnologia para setores tradicionais
Um dos aspectos admiráveis das novas tecnologias é como elas podem ser aplicadas, com resultados fantásticos, em setores tradicionais. Sam Walton, que era um pequeno varejista no noroeste de Arkansas no início dos anos 1960, empregou brilhantemente computadores mainframe e softwares para gerir melhor os estoques e cadeias de suprimentos da Walmart, de uma maneira que seus concorrentes muitíssimo maiores não faziam. Esse foi um fator crucial para que sua rede se tornasse o colosso dominante do varejo tradicional.
Uma história semelhante vem se desenrolando na agricultura, onde a alta tecnologia está transformando radicalmente o que vemos como uma atividade bucólica e quase imutável num verdadeiro empreendimento de ponta com enormes ganhos de produtividade. As populações vêm crescendo, mas as colheitas estão aumentando num ritmo muito maior.
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O setor de petróleo e gás natural vem passando por uma metamorfose ainda mais fenomenal, cujas implicações geopolíticas nós mal começamos a assimilar. Há não muitos anos, inúmeras matérias eram publicadas sobre o “pico do petróleo” – a ideia de que, como já não havia mais campos petrolíferos de grande porte a serem descobertos, o mundo consumiria esse insumo mais rapidamente do que seria capaz de repô-lo, até o dia em que ele acabaria. A produção norte-americana de petróleo supostamente atingiu o auge no início da década de 1970.
O gás natural era caro e escasso, a ponto de os órgãos regulatórios pedirem às concessionárias que não o queimassem para gerar eletricidade, já que ele era precioso demais para ser usado para esse propósito. Vejam a situação hoje! Graças a avanços tecnológicos incríveis, como a perfuração horizontal e o fraturamento hidráulico, a produção de gás e petróleo, especialmente proveniente do xisto, disparou. Os EUA voltaram a exportar energia.
Mais espantoso é o fato de a produção norte-americana de petróleo estar mais alta do que nunca. Se somarmos a produção total de gás, petróleo e outros líquidos derivados, ultrapassamos a Rússia e a Arábia Saudita, situação inconcebível uma década atrás. As reservas da Bacia do Permiano, situada principalmente no Texas, superam todas as da Arábia Saudita. Caso isso não seja suficientemente impressionante, pense no seguinte: nos próximos dez anos, mais ou menos, os EUA serão o produtor de petróleo e gás de custo mais baixo no planeta. É isso mesmo: seremos capazes de bombear esses hidrocarbonetos de forma mais barata do que a Arábia Saudita.
A demanda de petróleo e gás só vai aumentar, à medida que as florescentes classes médias da China, da Índia e de outros países comprarem e dirigirem dezenas de milhões de veículos a mais, sem mencionar a compra de refrigeradores, máquinas de lavar e outros produtos domésticos que consumirão mais eletricidade. Como disse o respeitado especialista em energia Mark Mills: “Não é só o fato de que a tecnologia liberou a abundância de recursos do xisto, há muito conhecida, mas anteriormente cara demais; é que o caráter dessa tecnologia agora está em transformação. O futuro tem tudo a ver com uma revolução digital e de inteligência artificial. O efeito disso será o de baixar o ponto de equilíbrio dos custos do xisto”.
Imagine só: a próxima geração da China se verá muito dependente dos EUA para obter petróleo, e a Europa terá uma importante alternativa à Rússia de Putin para o fornecimento de gás.
• Perdão, fãs do bitcoin: ele ainda não é dinheiro
Um aspecto surpreendente da explosão das criptomoedas é que seus criadores vêm ignorando um fato fundamental: o dinheiro não é viável se seu valor varia, sobretudo com as enormes oscilações características desse segmento. A maioria dos compradores está em busca de ganhar uma grana rápida, tratando o bitcoin e congêneres como as penny stocks de antigamente. Eles se esquecem de que a própria instabilidade do dinheiro produzido pelo governo é um dos dois motivos principais pelos quais as criptomoedas foram criadas originalmente (a outra é a privacidade). Se, em 2013, você tivesse feito uma hipoteca de US$ 250 mil em bitcoins, deveria hoje em torno de US$ 18 milhões ao banco.
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Até que um desses dinheiros digitais seja efetivamente atrelado ao ouro, a uma cesta de commodities ou a um conjunto de moedas importantes, eles jamais substituirão as imperfeitas moedas tradicionais dos bancos centrais às quais estamos presos atualmente. Para ser uma real alternativa, uma criptomoeda também deve ser fácil de usar em transações do dia a dia. Além disso, a oferta não pode ser limitada artificialmente.
A escassez forjada não cria valor; a utilidade e a confiabilidade criam. Veja o franco suíço. Sua oferta é gigantesca. Porém, como sua estabilidade no longo prazo tem sido maior, de longe, do que a de qualquer outra moeda do mundo nos últimos 100 anos, as pessoas o consideram altamente desejável.
Como frisaram gurus monetários sensatos como Nathan Lewis e John Tamny, as imensas oscilações do bitcoin mostram de forma enfática como a ausência de confiabilidade monetária é destrutiva. A instabilidade do dólar desde que abandonamos o padrão-ouro no início dos anos 1970 é uma versão em câmera lenta do que está acontecendo com as criptomoedas.
Coluna publicada na edição 59, lançada em junho de 2018