Já virou clichê dizer que a internet mudou e acelerou as relações. E, vez ou outra, temos contato com exemplos reais da bola de neve que pode virar um comentário mal feito em ambiente online. O exemplo mais recente ocorreu com o influenciador digital Julio Cocielo, 25 anos. Em quatro dias, após um comentário racista no Twitter, ele viu sua reputação digital ir por água abaixo. Como consequência, um pedido de desculpas em texto, toda a timeline do Twitter apagada, afinal, começaram a desencavar conteúdos parecidos e até piores no seu histórico, e outro pedido de desculpas, dessa vez em vídeo.
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“Conheço bem o Cocielo e sei que ele não tem absolutamente nada de racista, não é uma característica dele. O que ele faz é sátira, piada. Mas, sim, foi infeliz na colocação”, afirma Celso Forster, sócio e diretor da BR Media Group, empresa que trabalha com branded content e faz o relacionamento entre influenciadores e o mercado.
Em meio à polêmica, uma pergunta surgiu, especialmente, sobre o conteúdo antigo do youtuber: “As agências não pesquisam o histórico da celebridade que será contratada?”. Repassamos o questionamento para Forster e para outra especialista na área, Heloísa Macari, sócia-diretora da área de compliance da Protiviti, consultoria multinacional que atua na área de gestão de risco: “No caso das marcas, o ‘hoje’ pesa mais, porque o que é avaliado é a imagem da pessoa perante o seu público naquele momento. Mas o histórico tem peso, sim, não dá para falar que a pessoa é completamente outra, que não é mais racista [se já publicou esse tipo de conteúdo]”, explica Heloísa, que também é professora de ética na FIA.
Como influenciadores e marcas podem confiar um no outro
Forster completa, com um exemplo de veto: “Quando você vai contratar para um post isolado, não existe preocupação com o histórico. Mas se é para ser embaixador de uma marca, por exemplo, usamos o chamado ‘índice de polemicidade’. A gente resgata a história do influenciador, tanto na mídia tradicional quanto nas redes online. É um levantamento completo. Já pegamos um artista que estava envolvido em polêmicas, mas os personagens dele, não… a recomendação que demos para o cliente foi a de não usar o ator, apenas os personagens. Isso ajuda muito a evitar esse tipo de problema”, explica o profissional. Heloisa também se lembra de episódios de veto, mas em ambiente corporativo: “Já vi casos desse tipo em empresas, por situações de discriminação que a pessoa tenha cometido e até questões criminais, envolvimento em operações da Polícia Federal… não é incomum. Claro que tem de tomar cuidado para não caracterizar essa atitude como discriminação, mas as empresas têm de preservar imagem e reputação”.
A publicidade brasileira tem no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR, órgão que também julga os casos de excesso. Youtubers e influenciadores em geral, quando em campanhas publicitárias, seguem essas mesmas regras éticas, que receberam suas últimas atualizações ainda na década de 1980. Heloísa é a favor de uma revisão, mas não tira a responsabilidade das marcas: “Há mudanças muito grandes no ambiente da publicidade, e é sempre bom revisitar regras, elas têm de acompanhar o cenário, o mercado… até que ponto os youtubers são considerados nessas regras? Mas as empresas precisam ter mais cuidado. A gente vê mais o aspecto da reação e da penalização depois que algo acontece, mas precisa ter uma investigação, entrevistas com essas pessoas para detectar pontos de risco, comprometimentos… o que a personalidade faz tem impacto direto para a marca”.
Forster coloca menos responsabilidade nas regras e mais nas pessoas: “Mais do que um código de ética, as pessoas têm de pensar antes de publicar… o mundo mudou, e as pessoas têm de acompanhar. Os Trapalhões iriam presos hoje, seria impossível fazer aquele programa. Hoje, as pessoas reconhecem e aceitam mais as diferenças… o que Cocielo publicou há cinco, seis anos, não cabe mais. Na época, não gerou nada, ninguém nem se lembrava disso… hoje todo mundo está muito mais antenado. A distância é de um clique, tanto para elogiar quanto para criticar”.
Mudanças no Facebook fortalecem fake news e influenciadores
Mas vamos dizer que marca e agência não fizeram nenhum trabalho prévio para detectar problemas e o desastre aconteceu. O que fazer? “Primeira coisa: assumir, com um pedido de desculpas enfático… enfim, aconteceu. Se foi algo pontual, o pedido vai ter credibilidade. Se o histórico pessoal traz coisas parecidas com o que aconteceu por último, não adianta muito”, considera Heloísa, que também inclui ações na gestão da crise: “Ações contra racismo, contra discriminação. Mas precisam ser ações afirmativas e verdadeiras, porque o passado sempre volta”.
Forster diz acreditar que a continuidade do trabalho, por si, também ajuda o influenciador a seguir o seu caminho: “Ele deve continuar com as atividades regulares dele. As pessoas gradualmente vão deixar isso para trás. Ele vai perder seguidores e vai ganhar novos no futuro em questão de um humor mais bem cuidado. Com certeza, para ele [Cocielo] foi uma lição. Quem de nós já não fez bobagem na vida? A questão é que uma pessoa pública vai ter essas bobagens mais visíveis”.
Cocielo e sua equipe foram contatados, mas não retornaram até a publicação dessa reportagem.