Os Estados Unidos estão, finalmente, fazendo progresso no tratamento do Alzheimer. As descobertas de medidas de biomarcadores que permitem aos médicos diagnosticar com precisão a doença no início são inspiradoras. Também há progresso na descoberta de tratamentos. Na semana passada, na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, em Chicago, foi dito que a redução da pressão arterial pode reduzir também o risco de comprometimento cognitivo leve que piorasse a demência, e que o anticorpo da Biogen, que ataca a amilóide cerebral, pode diminuir o declínio em pessoas com demência leve da doença de Alzheimer
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Na verdade, esse progresso não é surpreendente. Os norte-americanos são aquele povo capaz de “colocar um homem na lua”. São realmente bons em descobrir e monetizar diagnósticos e tratamentos biomédicos. Por que então Bill Gates, um grande inovador e filantropo norte-americano, fez da descoberta dos diagnósticos e tratamentos de Alzheimer o foco de sua filantropia?
O bilionário está prometendo, pelo menos, US$ 100 milhões para apoiar cinco estratégias do projeto: melhorar a compreensão de como a doença se desenvolve, melhorar os diagnósticos, desenvolver abordagens prontas para o tratamento (como combater a neurobiologia do envelhecimento), simplificar o registro experimental e criar um banco de dados compartilhado desses testes.
Os três primeiros são positivos, mas a indústria farmacêutica e o NIH (Instituto Nacional de Saúde, da sigla em inglês) têm biomarcadores e medicamentos o suficiente (sim, incluindo táticas que não atacam a proteína tau e a amilóide). No caso das duas estratégias finais – que tornaria mais fácil a participação das pessoas nos testes e a criação de um banco de dados comum a partir desses muitos ensaios – parecem coisas nas quais se estão apostando sem ter gente disposta a cooperar.
A América luta para cuidar de adultos mais velhos, especialmente aqueles com a doença de Alzheimer, em um sistema de saúde desatualizado do século 20. O tempo padrão no Penn Memory Center, instituto especializado na doença, é de meses ou até anos entre o diagnóstico e os poucos cuidados – além de algumas prescrições para as drogas questionavelmente eficazes disponíveis. A lista de espera para uma nova consulta, na maioria dos centros especializados, é de pelo menos três meses. Sem um diagnóstico preciso em um sistema de saúde no qual você possa confiar, por que um paciente ou seu cuidador sobrecarregado deveriam se inscrever para participar de um estudo?
Os Estados Unidos também lutam para traduzir a pesquisa em prática clínica racional. O país está gastando dinheiro para descobrir melhores tratamentos, mas não tem um plano coerente para mostrar o valor desses tratamentos. E é improvável que se venha a ter um plano. O Congresso, sob a influência da indústria de medicamentos e dispositivos, proibiu amplamente o NIH de financiar estudos sobre os custos da doença, particularmente aqueles conduzidos para mostrar se o custo de um medicamento vale seus benefícios para os pacientes. A FDA (Food and Drug Administration) não tem absolutamente nenhum papel em julgar esses assuntos. Sua responsabilidade é decidir se um medicamento é seguro e eficiente. Mas é preciso um plano coerente, uma vez que estão todos desesperados por um tratamento – e os pacientes poderão precisar desse tratamento por vários anos, o que será muito caro.
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Os detalhes são assustadores. Muitos dos tratamentos em estudo são biológicos, ou seja, caros para serem conduzidos em grandes quantidades. Atualmente, a terapia biológica mais barata – PCSK9 para colesterol alto – custa cerca de US$ 14.000 por ano. Existem 5 milhões de pessoas com a doença de Alzheimer e mais milhões em risco que poderiam passar pelo tratamento. E esse valor precisa ser somado ao orçamento do Tesouro dos EUA. De certa forma, o país está prestes a entrar em um redemoinho de políticas públicas sem uma estratégia.
O ideal vindo da filantropia norte-americana seria um financiamento inovador que pudesse cobrir as lacunas com as quais ninguém vai arcar e, ao fazê-lo, unisse o país. Andrew Carnegie e Joan Kroc eram muito, muito ricos – ele era do setor de aço, ela, dos hambúrgueres e batatas-fritas (seu marido, Ray Kroc, comandava o McDonalds). Ambos viram a oportunidade de apoiar causas pelas quais a população ansiava desesperadamente, mas prejudicadas pelas falhas do sistema.
Carnegie não precisava de uma biblioteca. Ele poderia ter comprado todos os livros que quisesse e construir um castelo para abrigá-los. Mas ele reconheceu o valor da educação para extrair de todas as pessoas – ricas e pobres – seu potencial máximo. Entre 1883 e 1919, 1.689 bibliotecas Carnegie foram construídas nos EUA, a maioria em pequenas cidades e no Centro-Oeste. Em regiões segregadas, ele construiu bibliotecas para afro-americanos.
Joan Kroc não precisava de um centro de recreação perto de sua casa. Ela poderia ter construído o seu próprio, repleto de piscinas privadas, internas e externas. Mas Joan reconheceu o valor dos centros de recreação. Eles unem as pessoas – ricas e pobres – para promover uma mente e um corpo saudáveis. Sua doação de US$ 1,5 bilhão para o Exército da Salvação apoia os “centros Kroc”. Esses complexos de última geração instalados em comunidades carentes incluem espaços para reuniões, piscinas, academias e creches.
Nos tempos atuais, os ultra-ricos têm três oportunidades únicas para fazer a diferença no tratamento do Alzheimer:
Oportunidade 1: Bolsas para estudar a doença
Não há médicos, enfermeiros, assistentes sociais e profissionais qualificados suficientes para diagnosticar e tratar os pacientes. O país precisa de programas de treinamento para profissionais de saúde dedicados à doença de Alzheimer e à saúde cognitiva. Imagine bolsas de estudo que apoiassem médicos, enfermeiros e psicólogos em carreiras voltadas para a neurologia, psiquiatria e geriatria e assistentes sociais para tratar o envelhecimento. Imagine programas que integrassem gerenciamento, desenvolvimento e gerontologia (ciência que estuda o processo de envelhecimento em suas dimensões biológica, psicológica e social) e treinassem uma força de trabalho competente para projetar centros dignos e atraentes e buscar um trabalho significativo nessas instituições.
Oportunidade 2: Centros de memória
Não há centros de memória suficientes porque, no atual sistema de saúde norte-americano, esses estabelecimentos representam operações deficitárias. Os pagamentos do governo e de seguradoras simplesmente não podem suportar o tempo, o espaço e a equipe necessários para cada nova visita de duas horas de um paciente. O cenário dos dias de hoje reúne uma miscelânea de fundos contingentes e incertos. Como resultado, os profissionais clínicos não têm espaço, staff e testadores cognitivos, além de recursos para assegurar um diagnóstico e prognóstico precisos, educação e treinamento aos pacientes e cuidadores e apoio contínuo. Como o país precisou das bibliotecas de Carnegie e dos centros de Joan, o país precisa de centros de memória – espalhados em toda a sua extensão geográfica – para funcionarem como centros de pesquisa, diagnóstico, tratamento e treinamento da força de trabalho de Alzheimer.
Essas instituições serão mais do que apenas consultórios médicos. Elas serão o centro da estratégia para reduzir o estigma, descobrir novos modelos de cuidado e disseminar tecnologias que integrem o atendimento e o monitoramento em diversos ambientes, como o lar, instituições financeiras e o cuidado a longo prazo. Esses centros poderão assegurar que os pacientes vivam com dignidade e mantenham sua saúde e seu patrimônio.
Oportunidade 3. Estudo do valor do tratamento do Alzheimer
Os Estados Unidos precisam de um estudo nacional que meça como os tratamentos fazem a diferença na vida das pessoas que vivem com a doença de Alzheimer, que tabule resultados como a capacidade de realizar tarefas cotidianas, administrar dinheiro e morar na comunidade versus as horas gastas com os cuidados. Este levantamento examinará como outras doenças comuns em adultos mais velhos – como diabetes e doenças cardíacas – e seus tratamentos afetam esses resultados.
Este não é um banco de dados para “coletar todos os dados dos ensaios clínicos em um único pote”. É um estudo de pacientes do mundo real – apenas alguns chegam às fases de teste – para descobrir se os benefícios a longo prazo da terapia valem a pena. Será de particular importância incluir todo o espectro da doença, especialmente os temas de pesquisas de prevenção destinadas a reduzir o risco de desenvolver demência. Este estudo – independentemente dos interesses privados ou políticos – fornecerá às pessoas e ao sistema público de saúde os dados imparciais necessários para tomar decisões fundamentadas sobre se o dinheiro gasto nos medicamentos dos quais os pacientes precisam desesperadamente vale realmente a pena.
O financiamento de Bill Gates é sincero – e eu sinto muito por ele. Seu pai é um dos vários homens de sua família com a doença de Alzheimer. Ele convive diariamente com este mal. Mas, ao mesmo tempo em que aproveito a fantástica piscina olímpica do centro Kroc da Filadélfia, reflito como a convivência com a doença de Alzheimer está testando os Estados Unidos. Ela prejudica um valor essencial e estimado: a capacidade de autodeterminar nossas vidas. Apesar de um presidente bizarro que lidera dividindo, o país está unido para fazer algo sobre a doença. O Alzheimer é, em certo sentido, uma doença que democratiza.
A situação atual de cuidado para os pacientes e suas famílias, no entanto, expõe as falhas na democracia norte-americana. Os ricos – os realmente ricos – têm acesso fácil a todos os tratamentos dos quais necessitam. Eles garantem um atendimento VIP imediato nos melhores centros especializados do país. Além do seguro saúde, eles têm fundos ilimitados para exames cerebrais (e, um dia, a terapias biológicas), auxiliares, terapeutas ocupacionais, enfermeiras e para a coordenação de cuidados regulares de acompanhamento. Mas milhões de outros pacientes e suas famílias, no entanto, são excluídos de tais cuidados. E eles estão desesperados.