Eu sei onde eles estão, porque vi e vivi: estão pelo mundo, “ralando” para se aprimorar, para serem profissionais e pessoas melhores. Com humildade e muito orgulho, incluo-me nesse universo.
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Passei um ano e meio no Canadá, em Vancouver Island, na costa pacífica do país, morando em uma host family e estudando na University of Victoria. Sabendo que sem falar inglês fluente eu não sairia do lugar na carreira, decidi aprimorar meus skills no idioma. Isso era claro e cristalino para mim. Apostei tudo o que tinha em meu crescimento profissional. Para preencher essa lacuna do meu currículo, apliquei 100% do que recebi como verba rescisória nesse projeto. Saí do Brasil apenas com aquele inglês abaixo do básico que aprendi na escola pública. Depois de um ano e meio de muitos estudos e privações, conquistei a fluência que eu buscava. Naquele momento, percebi que novas portas do universo corporativo se abririam para mim.
Voltei ao Brasil, em 1998, aos 28 anos. Acabei me sentindo uma mosca branca, por unir características tão estranhas ao meu meio, a classe contábil: mulher, negra, talentosa para lidar com números e agora com inglês fluente.
Felizmente – para mim e para você –, sempre há quem enxergue muito além das aparências e estereótipos. Fui convidada para trabalhar como controller na Novartis, grupo farmacêutico suíço criado em 1996 pela fusão da Ciba-Geigy com a Sandoz. Com sede em Basileia, na Suíça, na época a empresa tinha três grandes divisões: Pharma, Consumer Health e Sandoz. Esta última era voltada à comercialização de medicamentos genéricos e oftalmológicos – cerca de 70% do faturamento vinha da movimentação desse mercado. E era onde a experiência no varejo tinha e tem grande relevância. Na época, pesquisas enalteciam a remuneração e a satisfação das mulheres brasileiras no setor farmacêutico, apesar da predominância masculina no C-level.
Naquele momento da minha vida, já sabia qual seria meu foco: gestão e liderança. E a estratégia foi relacionar as áreas de atuação onde essas habilidades eram necessárias com minhas competências, de modo a construir o caminho onde eu pudesse aplicá-las como projeto de carreira e de vida.
Na busca pela realização e sucesso profissional, muitos se perguntam se talento e aptidão são a mesma coisa. Replico aqui o que aprendi: aptidão é uma capacidade natural para realizar determinada atividade. O talento pode ser desenvolvido. Às vezes, uma capacidade nova pode surgir meio que do nada, em determinadas fases da vida ou em determinadas circunstâncias. Seja como for, para sermos qualificados para alguma tarefa, para algum desafio, é preciso considerar uma soma de fatores – que incluem aptidão, talento e busca por mais e mais conhecimento naquilo a que você se propõe. Com essa clareza, você estará pronto ou pronta para a realização das tarefas necessárias para te levar ao next step e, assim, construir sua experiência profissional.
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Pessoas que representam corporações buscam talentos – eu mesma já procurei muitos e encontrei alguns –, mas, paradoxalmente, muitos temem suas ideias inovadoras. Não compreendem as novas gerações, não entendem que vivemos na era da economia digital e mesmo pós-digital. Admito: não é fácil ter maturidade corporativa suficiente para quebrar paradigmas, para ser disruptivo em favor de novas e grandes ideias. O próprio conceito de “novo” está em xeque pela atordoante velocidade com que se criam novas soluções, novas tecnologias, novos modelos, novos mercados, novas empresas.
Fechados esses grandes parênteses, volto à pergunta inicial: onde estão nossos talentos? E novamente respondo: não estão só nas faculdades de primeira linha ou restritos ao cromossomo Y (segundo pesquisa do Insper, 90% dos presidentes de corporações no Brasil são homens). Talvez os talentos tenham se tornado invisíveis aos olhos de muitas corporações por sua incapacidade de construir pontes que os levem até os diamantes que se escondem nas periferias, nas escolas públicas, nas faculdades “populares”. Eu sei… porque eu estava lá.