O cultivo legal da maconha se revelou tão lucrativo que a erva pode ir para o espaço. Literalmente. Cerca de 402,336 quilômetros acima da Terra, a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês para International Space Station), da Nasa, tem planos para testar como a cannabis reage ao ambiente de baixa gravidade da órbita espacial, um plano que envolve cientistas da empresa de bioengenharia Space Tango, especializada em pesquisa e manufatura em ambientes de microgravidade. A aposta é que a atmosfera livre de estresse do espaço pode fornecer os resultados farmacológicos que os cientistas procuram na erva.
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“Quando enviamos plantas para a Estação Espacial Internacional, eliminamos uma força importante à qual elas são bem adaptadas, a gravidade”, explicou o Dr. Joe Chappell, membro da equipe de assessoria científica do Space Tango, um especialista no desenvolvimento e design de fármacos, que já contribuiu com experimentos anteriores da ISS. “Quando as plantas são ‘estressadas’, recorrem a um reservatório genético para produzir compostos que permitam a elas se adaptar e sobreviver.”
Entre os compostos, está o canabidiol, apenas um dos mais de 100 canabinóides conhecidos hoje. Um outro composto terapêutico da planta, hoje bastante badalado, o CBD, que não é psicoativo e por isso não dá o chamado “barato”, ganhou popularidade nos últimos anos ao se mostrar um valioso agente curativo para uma série de doenças. A sua característica mais impressionante é a capacidade de minimizar as convulsões severas em pacientes com epilepsia.
Significativo impulsionador do desenvolvimento da cannabis como medicamento, o CBD consolidou seu status recentemente, com a aprovação do Epidiolex, fármaco avalizado tanto pela Drug Enforcement Administration quanto pela Food and Drug Administration, agências reguladoras norte-americanas. Algo sem precedentes, já que a cannabis continua sendo uma droga da Schedule 1 (ao lado da heroína e do LSD) e, portanto, ilegal no nível federal nos Estados Unidos.
A estratégia do Space Tango de realizar testes com plantas de cânhamo, em vez de maconha, se deve ao fato de o cânhamo ter menos de 0,03% do THC, o composto mais alucinógeno da cannabis. Nessa porcentagem, não há efeito psicoativo — ao contrário da maconha, que é vista como uma droga.
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O impulso para essa movimentação do Space Tango segue os esforços do senador Mitch McConnell (R-KY) para legalizar o cânhamo em nível federal este ano com o Farm Bill, que inclui a Lei Hemp Farming de 2018. Os defensores do cânhamo acreditam que é apenas uma questão de tempo até que os grilhões da Tabela 1 sejam removidos da cannabis, o que permitirá que os interesses farmacêuticos pesquisem livremente e desenvolvam novos medicamentos a partir desses mais de 100 canabinóides potencialmente curativos.
Para a Nasa, não é estranha a ideia de cultivar no espaço. O Sistema de Produção Vegetal da agência especial, apelidado de “Veggie” ou vegetariano, é um módulo para plantas lançado em 2014, e produz verduras comestíveis “para fornecer à tripulação uma fonte de alimentos frescos, nutritiva e segura, além de uma ferramenta para apoiar o relaxamento e a recreação”, segundo a agência. Os vegetais que brotam no espaço também são usados para experimentos de biologia, como a série Advanced Plant Experiments.
Aproveitando a onda de novos experimentos biológicos na ISS, a Space Tango criou módulos chamados CubeLabs, sistemas de laboratório automatizados que permitem cargas múltiplas operem de maneira independente enquanto orbitam ao redor da Terra. Suas instalações fornecem gerenciamento interativo via Terra e a capacidade de baixar imagens e dados quase em tempo real, na estação. Com um histórico comprovado na condução de experimentos agrícolas no espaço, em 2017, a Space Tango trabalhou com a Anheuser-Busch Company em um projeto de teste de sementes de cevada na atmosfera livre. Os resultados do estudo forneceram os principais dados existentes sobre a exposição e germinação de sementes.
Com a parceria da Atalo Holdings, de Kentucky, uma empresa de tecnologia agropecuária que fornecerá sementes certificadas de cânhamo e experiência para o empreendimento, a esperança é estudar o desenvolvimento de certas variedades promissoras da planta. O varejista online Anavii Market, fonte de terapias de CBD derivadas do cânhamo, também vai colaborar com a experiência, prevista para fevereiro de 2019.
“Entender como as plantas reagem em um ambiente sem gravidade pode fornecer novas perspectivas sobre como as adaptações ocorrem e como os pesquisadores podem tirar proveito dessas mudanças para a descoberta de novas substâncias e eficácias, tratamentos e aplicações biomédicas”, disse Chappell.
A próxima pesquisa do Space Tango pode fornecer mais um passo positivo na consolidação da cannabis como planta medicinal, e dar um novo empurrão para a sua aceitação dentro do mercado livre.