Você achou que era o fundo do poço aquele grupinho de artistas brasileiros em Cannes fingindo lutar pela democracia para defender um governo corrupto? Então afunde um pouco mais que você chegará a Berlim. E lá vamos nós outra vez ao triste filme do sequestro da arte – ela é inocente! – pelo proselitismo político de 1,99.
Se Sonia Braga fingiu denunciar um golpe de estado no Brasil para vender seu peixe e não caiu no ridículo – ou caiu, mas vendeu o peixe assim mesmo –, Wagner Moura não ia desperdiçar a receita. O truque agora é comparar o Brasil de hoje com o da ditadura militar – e dar aquela reciclada na lenda revolucionária do herói do seu filme.
Apresentar Carlos Marighella como o mocinho do bangue-bangue não chega a ser novidade. Ousado mesmo é apresentar, a ele e aos seus contemporâneos de luta armada, como resistência democrática.
Como a história já demonstrou exaustivamente, essa suposta esquerda – na verdade um bando de tarados pelo poder, sem ideologia nenhuma – nunca conseguiu disfarçar seu autoritarismo, sua sanha de controlar a imprensa e sua tática de tirania em pele democrata.
Todo mundo (de boa fé) já entendeu isso, Wagner. Talvez você também. O que você se esqueceu de contar em Berlim foi que os seus heróis da resistência depois viraram governo, assaltaram o povo e depenaram o Brasil.
Mas não deixa de ser coerente, porque os revolucionários de festim que te inspiraram sempre usaram esse fascinante recurso de retocar a história. Por que deixar intocado aquilo que pode ser embelezado, não é mesmo? O contrabando intelectual não deixa de ser uma forma de arte. Se der muito na vista, diz que é ficção científica e fica tudo certo.
Mas quando você comparou Marighella com Marielle – os nomes são de fato muito parecidos, boa sacada – igualando-os como vítimas da brutalidade do Estado (!), ficou a dúvida se você estava zombando deliberadamente da inteligência alheia ou se estava só jogando palavras cruzadas.
No momento coluna social do Festival, Wagner Moura, grande ator perdido na militância hipócrita, e Jean Wyllys, a militância hipócrita em pessoa, se beijaram na boca. Enrolados em suas falsas bandeiras, órfãos do fascismo imaginário, eles fizeram história: mostraram ao mundo que o beijo entre dois homens pode ser careta e reacionário.
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