O presidente Jair Bolonaro perdeu uma grande oportunidade. Como ficou claro nas análises publicadas por ocasião de seus primeiros cem dias de mandato, ele deixou de aproveitar o período de lua de mel política a que todo presidente tem direito. Eu mesmo, em outro espaço, apontei que o começo do seu governo ficou abaixo da alta expectativa criada na campanha.
O pulso da população foi medido em pesquisa do Datafolha, que mostrou que o desempenho de Bolsonaro deixou a desejar. Para 30% dos entrevistados, seu governo foi ruim ou péssimo no período, a pior avaliação entre presidentes de primeiro mandato desde a redemocratização. Mesmo Fernando Collor, depois de confiscar temporariamente a poupança, registrou 19% de reprovação. Não adianta criticar a pesquisa. Quebrar o termômetro não faz a febre baixar.
Entre empresários também há nítido desânimo. Muitos deles, entre os quais me incluo, temem que o rumo incerto da Presidência acabe por minar a confiança na capacidade do governo de liderar um círculo virtuoso. A retomada do crescimento econômico, esperada para este ano, teria ficado adiada para o ano que vem, na visão de industriais. Em contatos com empresários, tenho notado alguma ansiedade nos interlocutores. É uma preocupação que está refletida no comportamento da Bolsa de Valores, que, depois de forte valorização, não sustentou o patamar de 100 mil pontos.
O governo tem sido seu mais duro adversário. Os golpes não são desferidos pela oposição. O que tem fustigado a administração é o fogo amigo. Polêmicas extemporâneas, declarações desastradas, voluntarismo excessivo – tudo isso desvia a atenção daquilo que deveria ser o assunto monotemático do governo – a reforma da Previdência.
A quem interessa continuar discutindo se houve ou não golpe em 1964? Qual a relevância econômica e diplomática de termos um escritório comercial em território disputado? As confusões no Ministério da Educação teriam chegado ao fim com a troca de ministro?
Faço tais perguntas na condição de entusiasta do atual programa econômico. Não quero entrar no mérito das respostas. Creio que o presidente esteja sendo vítima do próprio êxito. Sua campanha foi tão bem-sucedida que ele reluta em abandoná-la, o que é contraproducente. Na campanha, nossos aliados são aqueles que têm o mesmo adversário. No governo, nossos aliados são aqueles que têm o mesmo propósito. Em nome da governabilidade, portanto, é preciso deixar de lado a agressividade inútil e negociar.
Até o momento, porém, o Executivo tem sinalizado uma disposição de enfrentamento que dificulta a construção do consenso necessário para que o Congresso aprove a reforma da qual depende o destravamento da economia. Numa democracia representativa como a brasileira, as grandes diretrizes passam pelos parlamentares.
A menção à democracia direta, ventilada eventualmente no entorno presidencial, gera um desconforto considerável, não só no Congresso, mas em toda a sociedade. Como eu disse em outra oportunidade, democracia direta é, com frequência, eufemismo para golpe.
Embora não acredite que Bolsonaro dê ouvidos a tais conselheiros, me vem à lembrança o destino de presidentes que se deixaram levar pelo canto da sereia. Jânio Quadros e Fernando Collor tentaram, cada um à sua maneira, governar apelando diretamente ao povo, com desprezo pelo Congresso – e os resultados foram uma renúncia e um impeachment.
O único caminho eficaz é o da negociação. Esse é o foco. Ficou para trás o tempo do toma lá dá cá, que por tanto tempo pautou a relação do governo com parlamentares. Mas negociações são legítimas. Nas democracias representativas mais saudáveis do mundo, como a dos Estados Unidos ou do Reino Unido, presidentes e primeiros-ministros dedicam boa parte de seu tempo para negociar com parlamentares, sem que isso diminua o Executivo. Ao contrário.
Não devemos nos fixar nos cem primeiros dias como quem chora o leite derramado. A importância de avaliar o início da nova gestão é evitar que os erros se perpetuem. Não se trata de virar a cabeça para trás, mas de manter um olho no retrovisor – é a maneira mais segura de avançar com segurança.
O Brasil custou muito para virar a página da história e não pode se dar ao luxo de se perder no meio do caminho. Se houve um “false start”, vamos recomeçar. Se os primeiros três meses não geraram entusiasmo, há muito tempo pela frente para a reação – ainda faltam 45 meses para o fim do mandato.
Que o tempo restante seja bem aproveitado.
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