Um gerente de hotel de luxo e um revolucionário se encontram à beira da piscina:
– Que bom vê-lo aqui!
– Eu não estou aqui.
– Como assim? O senhor não é o…
– Sou. Mas minha alma não está aqui. E um corpo sem alma não é nada.
– Ah… Claro… Sem dúvida. Se eu puder ajudar de alguma forma…
– Nenhuma ajuda será capaz de trazer minha alma para esse templo burguês de futilidade e luxúria. Com todo o respeito.
– Imagina. Entendo o seu ponto, senhor. De qualquer forma estou ao seu dispor.
– Não quero dispor de nada. O povo é que precisa dispor de tudo que a elite nega a ele.
– Certo…
– O capitalismo concentra a renda para que poucos desfrutem da riqueza que sugam da maioria. É um absurdo ver uma piscina desse tamanho com apenas três pessoas nadando.
– É… Se bem que na piscina cheia fica mais difícil de nadar. Mas se o senhor não se sentir à vontade, a praia aqui em frente fica lotada…
– Não me interrompa! Não estou falando de lazer, estou falando de justiça. Justiça social!
– Desculpe. É que o senhor falou de piscina… Acabei me confundindo.
– O olhar elitista não enxerga a sociologia que existe numa piscina. Translúcida, olímpica e vazia. Ela é a perfeita representação da ausência, do naufrágio dos sonhos e da vida, enfim, da morte.
– Meu Deus… Bom, felizmente nunca tivemos um afogamento aqui.
– Morte social! Milhões e milhões de vidas afogadas pela ganância estão representadas nesse retângulo estéril.
– O senhor aceita uma caipirinha?
– De vodka?
– Russa.
– Tá. Mas sem açúcar. Sabe-se lá quantos inocentes foram escravizados nesse canavial.
– Sem problema.
– Sem problema? O que não falta aqui é problema, amigo. Isso aqui é uma usina de problemas. Pessoas gastando fortunas diárias que dariam para sustentar pelo resto da vida o morador de rua que dorme ali na esquina.
– Bem… Se o senhor preferir, tem opções mais em conta aqui perto, posso pedir pra ver pro senhor…
– Não distorça minhas palavras! Não fuja do debate! A elite e os empregados da elite não conseguem mais esconder a verdade do povo! O que estamos vendo aqui, agora, na calma deste hotel, é a falsa normalidade! Lá fora há uma convulsão, e é lá que está minha alma! Convulsionada e inconformada!
– Sua caipirinha, senhor.
– Hum… Tá ótima.
– O pessoal aqui capricha. O senhor aceita uma massagem antes do jantar?
– Massagem?
– Sim. Caipirinha, massagem… Relaxa até o japonês mais estressado…
– De jeito nenhum. Alma em convulsão, corpo em alerta.
– Como preferir… Um momento, estão me ligando da recepção.
– Fique à vontade.
– É para o senhor mesmo. Tem um grupo de umas trinta pessoas na porta do hotel querendo falar com o senhor. Disseram que são militantes do partido.
– Partido? Que partido?
– Do seu.
– Ah, claro… Do partido.
– Informo que o senhor vai atendê-los?
– É… Não… Quer dizer… Companheiro, aquela massagem tá de pé?
– Na hora que o senhor quiser.
– Agora.
– Perfeitamente. O que mando dizer ao pessoal do partido?
– Diz que eu tô em reunião.
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