Dois libertários na Bienal do Livro:
– Você faz o que?
– Defendo a liberdade.
– Excelente.
– E você?
– Também. Defendo a liberdade.
– Opa! Estamos em casa.
– Nenhum fascista num raio de dois metros hoje em dia é lucro.
– Nem fala. Tá demais essa onda autoritária.
– E tem uma coisa que me irrita especialmente nesses tempos de obscurantismo e cerceamento geral.
– O que?
– A liberdade.
– Como assim?
– Olha em volta. Estamos aqui, nós dois, num espaço e num tempo de liberdade plena. Isso é um absurdo.
– Verdade. No mínimo uma incoerência.
– Claro! Que onda fascista é essa que permite descaradamente a liberdade plena?
– Incompetentes! Não servem nem pra fazer o mal.
– Nem pra isso!
– Agora me diz: como ficam pessoas como nós, ativistas incansáveis da luta pela liberdade, nesse cenário hediondo de liberdade total?
– É mesmo. Bem que eu tava sentindo um lance estranho e não sabia o que era…
– E era o quê?
– Ah, isso aí que você falou. Não sei descrever.
– Falta do que fazer?
– É isso! Incrível a sua sensibilidade.
– Obrigado. Um libertário sabe ler a alma de outro libertário.
– E agora? O que a gente faz?
– Bem, como você mesmo disse… A gente não tem o que fazer.
– Porra, mas você vai ficar aí parado com essa onda fascista fazendo cair a grande noite em Latino América?!
– Não! Temos que agir. Ainda mais sendo uma noite com cara de dia, com o sol da democracia batendo na nossa cara e permitindo que todo mundo faça o que bem entenda!
– É muita permissividade mesmo.
– Escandaloso.
– Por mim, mandava prender todos esses reacionários que traem os seus princípios e permitem essa epidemia democrática.
– Assino embaixo. Essa gente vive no pecado.
– Tive uma ideia: vamos gritar pela causa gay!
– Não vai funcionar.
– Por quê?
– A causa gay já tem meio século, não existe mais sociedade homofóbica, só aquelas xiitas talibãs. Ninguém vai prestar atenção na gente.
– É o que você pensa.
– Eu penso, não. Eu vejo. Gays se destacando no mundo empresarial sem armário nenhum, nas novelas, no esporte… Já era, acabou.
– Tudo isso é verdade. O que você pensa é que não tem um monte de gente na nossa situação.
– Que situação?
– Carente, inútil, sem pretexto pra botar nossa capa de heróis contra o preconceito.
– É isso!
– O que?
– Heróis! Vamos armar um flagrante do Super-Homem beijando o Incrível Hulk na boca e esfregar na cara daquele bispo decrépito!
– Gênio! Será que a gente descola uma censurinha?
– Bom, se nem aquela múmia cair no nosso teatro eu desisto de lutar pela liberdade…
– Vamos com fé!
– Aleluia!
Guilherme Fiuza é jornalista e escritor com mais de 200 mil livros vendidos, autor dos best-sellers “Meu nome não é Johnny” (maior bilheteria do cinema nacional em 2008), “3.000 dias no bunker” (história do Plano Real, também adaptado para o cinema), “Bussunda – A vida do casseta”, entre outros. Escreveu o romance “O Império do Oprimido” e é coautor da minissérie “O Brado Retumbante” (TV Globo), indicada ao Emmy Internacional. Twitter: @GFiuza_Oficial
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