Resumo:
- Enquanto os barões da droga conversavam pelo Blackberry Messenger, sobre a troca de cocaína e maneiras de evitar conflitos, uma escuta telefônica em um servidor no Texas captava silenciosamente todas as suas comunicações;
- Os traficantes também tinham ajuda de pescadores e marinheiros para ter acesso às ações dos policiais;
- A operação do cartel entraria por Ohio e cruzaria pelos Estados Unidos, levando US$ 25 milhões em cocaína.
No dia 18 de agosto de 2017, quatro homens que viajavam em uma lancha bimotor foram interceptados pela guarda costeira norte-americana a noroeste das Ilhas Galápagos. No barco, foram encontrados cerca de 720 quilos de cocaína.
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Os agentes federais que administravam o canal usaram um helicóptero para pairar sobre a embarcação. Por causa do movimento agressivo, os contraventores jogaram os malotes com a droga no mar – todos equipados com seu próprio GPS, para que pudessem ser encontrados e recolhidos posteriormente, segundo revelação do governo. Depois disso, tentaram fugir, mas disparos feitos do helicóptero em direção ao barco fizeram com que seus ocupantes se rendessem.
Assim que os malotes foram coletados, o governo percebeu que tinha impedido a entrada de uma enorme quantidade de cocaína nos Estados Unidos. No total, os traficantes tinha US$ 25 milhões em drogas. Os quatro homens, todos equatorianos, foram rapidamente presos e acusados.
Embora o cartel tivesse planejado uma operação abrangente e sofisticada, com objetivo de entrar por Ohio e de deslocar pelo país por terra, ar e mar, cometeu um único “erro”: usar os aparelhos de telefone da BlackBerry. Enquanto os barões da droga conversavam, pelo sistema de mensagens da fabricante, sobre a troca de cocaína e maneiras de evitar conflitos, uma escuta telefônica em um servidor no Texas captava silenciosamente todas as suas comunicações.
A história, que mais parece uma mistura entre as séries “Narcos” e “A Escuta”, envolve o acesso de agentes federais ao servidor responsável pela troca de mensagens entre criminosos desde 2017. A FORBES investigou e agora publica, com exclusividade, mais sobre o caso. Na sexta-feira (25), um tribunal de Ohio começou a rever as acusações contra um dos principais nomes da tripulação: Francisco Golon-Valenzuela, 40 anos, mais conhecido como “El Toro”. O guatemalteco foi extraditado para o Panamá no início da semana passada.
Conhecido como um dos vários organizadores e líderes do cartel sem nome, “El Toro” é acusado de conspirar para distribuir pelo menos 5 quilos ou mais de cocaína em alto mar. Como pena, serão 10 anos de prisão.
A chave do BlackBerry
Para qualquer operação de crime organizado, o BlackBerry sempre foi uma má escolha. O BlackBerry Messenger, encerrado no outono norte-americano deste ano, criptografou as mensagens, mas a fabricante canadense de smartphones ainda possui o código de acesso e seus servidores tinham todas as mensagens armazenadas. Se a aplicação da lei pudesse obrigar legalmente a BlackBerry a entregar essa chave, seria possível ter acesso a todas as conversas.
Compare isso com aplicativos de mensagens criptografados genuínos e completos, como WhatsApp ou Telegram: eles criam chaves no próprio aparelho e o proprietário do dispositivo as controla. Para espionar essas mensagens, os governos precisam invadir ou ter acesso físico a um dispositivo. Ambas as opções são complicadas, especialmente para investigações de equipamentos criminosos multinacionais. O acesso aos servidores dos aplicativos informa data e horário de ligações e trocas de mensagens, mas não mostra o conteúdo da mensagem. Isso atrai mais pessoas preocupadas com a privacidade – para desgosto dos oficiais da lei.
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Não está claro como ou quando a DEA (Departamento de Repressão às Drogas, em tradução livre) teve acesso ao servidor da BlackBerry. Foi emitida a chamada ordem do Título III – lei responsável por proteger os direitos de propriedade de cidadãos norte-americanos -, que concedeu aprovação do tribunal para acessar a escuta, embora isso permaneça sob sigilo.
Isso se mostrou vital para a investigação. “Não haveria caso sem o Título III sobre o BlackBerry Messenger”, disse Dave DeVillers, recentemente nomeado procurador dos EUA no Distrito Sul de Ohio.
Um porta-voz da BlackBerry disse: “Não especulamos ou comentamos assuntos individuais de acesso legal”. A empresa, no entanto, já havia divulgado publicamente sua posição sobre a criptografia: ao contrário de outros grandes fornecedores de tecnologia, como Apple ou Google, a BlackBerry entregará as chaves se for atendida com uma solicitação de aplicação legítima da lei.
Essa não seria a primeira vez que a empresa de smartphones colabora com a polícia. Em 2016, verificou-se que a Polícia Montada Real do Canadá (RCMP) havia decifrado mais de 1 milhão de mensagens do BlackBerry como parte de uma investigação de homicídio ocorrida em 2010.
Conforme os relatórios da época, é possível usar uma das chaves do BlackBerry para desbloquear não apenas as mensagens de um dispositivo, mas também as de outros telefones. A FORBES perguntou ao Departamento de Justiça se os investigadores poderiam acessar as mensagens do BlackBerry de outras pessoas inocentes como parte dessa escuta telefônica, mas não recebeu resposta até o momento da publicação desta matéria.
Pescadores e espiões
Mesmo que essas mensagens do BlackBerry não tenham sido acessadas, elas ajudaram a iluminar uma conspiração criminosa sombria construída de inúmeras partes. Conforme revelado na acusação, a quadrilha empregava “coordenadores de carga”. Pense neles como gerentes de projeto, ajudando a localizar motoristas de caminhões e barcos e encontrando mercado para droga.
Pescadores e outros marinheiros também foram supostamente recrutados. Eles ajudariam tanto no reabastecimento dos navios do barão das drogas, como no transporte do pó, disseram os promotores.
Outros indivíduos compartilhavam informações sobre as atividades e locais de policiais e militares que tentavam interceptar remessas, de acordo com as alegações do governo. Tinha, ainda, quem abrigava indivíduos que corriam risco de extradição – não que isso tenha salvo “El Toro”.
A FORBES tomou conhecimento da investigação em 2017, quando um mandado de busca detalhou várias interceptações da BlackBerry. Em uma delas, dois membros do cartel discutiam a necessidade de suspender alguns transportes de cocaína por causa de um exercício marítimo multinacional – o Unitas Pacífico 2017 – em suas faixas de embarque, de acordo com o documento. A BlackBerry não foi a única grande fornecedora de tecnologia a ajudar no caso – o mandado de busca era para uma conta do Google vinculada a um dos suspeitos, que os investigadores acreditam ter sido usado para fins logísticos.
A investigação revelou que a apreensão não foi a única interceptação centimilionária. Em maio de 2016, muito antes da escuta telefônica da BlackBerry e da investigação sobre o cartel começar, as autoridades norte-americanas interceptaram 879,9 quilos de cocaína perto da fronteira da Guatemala com o México, no valor de US$ 30 milhões.
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