O que você ganha depois de tentar preparar as pessoas para uma pandemia de doença infecciosa? Que tal ser acusado de causar a crise de saúde?
Na última década, Bill Gates têm alertado sobre a falta de preparação e sistemas para lidar com ameaças de doenças infecciosas as quais podem levar a uma pandemia. Há dois anos, fiz a cobertura de alguns desses alertas para a Forbes. Agora que o mundo está realmente inserido em uma epidemia global de coronavírus, adivinhe quem é o culpado por isso, segundo alguns teóricos da conspiração?
Sim, alguns usuários das mídias sociais têm acusado Gates de iniciar a pandemia da síndrome respiratória aguda grave –o novo coronavírus (SARS-CoV2). Isso ocorreu depois que o bilionário cofundador da Microsoft, que se tornou filantropo, passou grande parte da segunda fase de sua carreira criando e apoiando esforços para prevenir e controlar doenças infecciosas por meio da Bill and Melinda Gates Foundation (Fundação Bill e Melinda Gates). A instituição financiou parte dos esforços da equipe do Phicor (Public Health and Infectious Diseases Computational and Operations Research Group), grupo de pesquisa em modelagem computacional para melhorar a distribuição de produtos e o controle de doenças, da Universidade de Pittsburgh. Desse modo, em várias ocasiões, ele pressionou por mais conscientização sobre a possibilidade de uma pandemia e esforços para evitar que uma crise assim se concretizasse, como em uma palestra do TED, em 2015:
Veja o que aconteceu depois que o bilionário postou esta foto no Instagram:
Ver essa foto no Instagram
Acompanhava esta foto a legenda: “Obrigado a todos os profissionais de saúde que estão fazendo esforços heróicos para testar e tratar pacientes nos Estados Unidos e no mundo”. OK, parece uma declaração agradável e necessária, de modo a honrar esses trabalhadores por todos os sacrifícios que têm feito para cuidar de pacientes com Covid-19 e ajudar a todos.
Ah, mas depois vieram os comentários. Por exemplo, @realcandaceowens disse: “Parece que a sua fama do #coronavírus saiu pela culatra. Vou ter que recusar qualquer vacina que que esteja criando, mas desejo bem a você”. Em seguida, @thedorianyates escreveu: “Um dia você responderá por seus crimes… se deseja reduzir a população, por que não começa com você e seus filhos… que não estão vacinados”. Havia várias mensagens anti-vacinação e até sugestões de que Gates quer colocar microchips nas pessoas para rastreá-los. Novamente, tudo isso depois que o filantropo postou nada mais do que uma mensagem de agradecimento aos trabalhadores da saúde. Não é como tentar dar um soco no rosto de alguém depois que ele agradece outra pessoa?
Além disso, as mensagens não forneceram muitas evidências por trás de suas reivindicações. Onde está a prova de que Gates “deseja” a redução da população ou não teve seus filhos vacinados? O bilionário contribuiu substancialmente para o desenvolvimento e entrega de vacinas em todo o mundo, as quais continuam a prevenir doenças potencialmente fatais, como sarampo e poliomielite, o que seria o oposto de “redução da população”. Afinal, sem elas, de que outra forma a propagação desses patógenos infecciosos poderia ser evitada? Ao implementar medidas de distanciamento social para sempre? Ou então, ao dizer: “Fique dentro de casa por tempo indefinido, para poder aplainar essas cinco curvas”?. Sim, isso daria muito certo. A pandemia de coronavírus mostra o que acontece quando um patógeno infeccioso se espalha sem uma vacina disponível.
Alguns dos comentários se referiam ao apoio de Gates ao financiamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), como um que dizia: “Os EUA suspenderam o pagamento à OMS e a Fundação Bill e Melinda Gates são os maiores doadores”. Tais comentários podem sugerir que Gates tem segundas intenções de apoiar a OMS como no seguinte tweet de 15 de abril:
Halting funding for the World Health Organization during a world health crisis is as dangerous as it sounds. Their work is slowing the spread of COVID-19 and if that work is stopped no other organization can replace them. The world needs @WHO now more than ever.
— Bill Gates (@BillGates) April 15, 2020
“Interromper o financiamento da Organização Mundial da Saúde durante uma crise mundial de saúde é tão perigoso quanto parece. O trabalho deles está diminuindo a propagação da Covid-19 e, se esse trabalho for impedido, nenhuma outra organização poderá substituí-los. O mundo precisa da @WHO (OMS) agora mais do que nunca”.
Gates não se referiu ao presidente dos EUA, Donald Trump, pelo nome no tuíte. Mas, a menos que alguém como o Bob Esponja Calça Quadrada tenha assumido essa tomada de decisão nos Estados Unidos, provavelmente se refere ao político e seu recente anúncio de que os pagamentos do país à OMS serão interrompidos. Como Isabel Togoh descreveu para a Forbes, Trump acusou a organização de “administrar demasiadamente mal e encobrir a disseminação do coronavírus” e indicou que o financiamento seria retido até que uma “revisão” da OMS fosse concluída.
Seria algo a se questionar se Gates fosse a única pessoa a criticar tal decisão, mas uma grande variedade de indivíduos também condenou a declaração e a decisão de Trump. Por exemplo, o comediante e apresentador Trevor Noah exaltou preocupações sobre o caso em um vídeo da série “The Daily Social Distancing Show (“Programa Diário de Distanciamento Social”), do canal “The Daily Show with Trevor Noah” no YouTube.
As críticas à decisão de Trump giram em torno do fato de que a OMS é a única organização que pode ajudar a coordenar a resposta global à pandemia. A propósito, ela está ocorrendo no momento, caso você não tenha visto as notícias, entrado nas redes sociais e ou não tenha descoberto por quê todo mundo se afasta de você quando está andando do lado de fora. Tentar interromper a OMS neste momento é um pouco como dizer: “Sim, eu percebo que está pegando fogo, mas ei, você que está fornecendo água, está demitido!” Se a OMS não possui os recursos necessários, quem além da instituição desempenhará o papel de reunir os diferentes esforços dos países e fornecer informações baseadas em ciência ao redor do mundo? Jared Kushner? Um exército de pinguins? Um grande grupo no Facebook?
Outra alegação que circula nas mídias sociais é que Gates possui a “patente” do SARS-CoV2, um vírus que nem tinha sido descoberto até janeiro de 2020. A teoria diz que toda essa pandemia é apenas para criar a necessidade de uma vacina contra a doença, sobre a qual o bilionário posteriormente lucrará. Isso inclui uma variedade de postagens no Facebook que agora são rotuladas pela empresa como “informações falsas, checadas por verificadores de fatos independentes”. Essas publicações afirmam que o Instituto Pirbright, com sede em Surrey, Inglaterra, o qual recebeu financiamento da Bill and Melinda Gates Foundation, possui a patente desse novo coronavírus que está causando a pandemia atual.
Quer saber o grande problema dessas alegações? A patente detida pelo Pirbright Institute é para um coronavírus diferente, que afeta principalmente galinhas, e não o SARS-CoV2. Todavia, as galinhas não parecem se importar com nenhuma teoria da conspiração sobre a Fundação de Gates tentar abatê-las. É importante ressaltar que diferentes coronavírus são muito díspares. Manter uma patente para um não se traduz em uma patente para outro. Seria o mesmo que dizer que Paris Hilton, que registrou o slogan “That’s hot”, também possui os direitos de “That’s not” , “That’s snot” ou “hot wings”.
Além disso, existem maneiras muito mais fáceis de ganhar dinheiro do que vender vacinas, que precisam passar por extensos testes e requisitos regulatórios. Esses recursos médicos não têm as margens de lucro de outros medicamentos, como Viagra e outros relacionados a estilo de vida, ou custo mais baixo, como o de suplementos.
Lembre-se de que Gates está longe de ser uma voz solitária ao expressar preocupações sobre possíveis pandemias e pressionar por mais ações antes da atual epidemia global. Na verdade, ele simplesmente está ecoando as preocupações de muitos cientistas e autoridades de saúde pública no universo das doenças infecciosas. Todos neste mundo já viram como um novo micróbio como um vírus ou mesmo um microorganismo antigo que de repente ganhou mais força pode emergir inesperadamente e se espalhar rapidamente. Isso aconteceu durante o surto de SARS de 2002, a pandemia de gripe H1N1 de 2009, os surtos de Ebola entre 2014 e 2016 e o de zika vírus em 2016. Todos esses eventos foram basicamente as prévias da pandemia atual. Eles eram precursores como os episódios de dor no peito que antecederam o ataque cardíaco.
O problema é que poucos acabaram levando a sério esses avisos, e agora todos estão presos em casa, abraçando seus rolos de papel higiênico como se fossem ouro. E não é só isso, o número de mortes aumenta todos os dias à medida em que essa pandemia continua. Gates foi uma pessoa que realmente ouviu e compreendeu as preocupações pandêmicas levantadas por cientistas reais. Essas teorias da conspiração sobre a origem do vírus não fazem nada para controlar a sua disseminação. Na verdade, elas prejudicam os esforços de cientistas, profissionais de saúde e funcionários que estão agindo para combatê-lo.
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube
LinkedIn
Baixe o app da Forbes Brasil na Play Store e na App Store.
Tenha também a Forbes no Google Notícias.