Às vésperas da introdução do sistema instantâneo de pagamentos – o PIX, que entra em vigor em novembro – o varejo se prepara para assumir de vez o papel de protagonista de um ecossistema nascido da sua relação simbiótica com as instituições financeiras.
O PIX, na realidade, é apenas a mais recente ferramenta que fará o varejo se transformar no grande protagonista das cadeias produtivas. As outras são o open banking (que permite a portabilidade do crédito), o cadastro positivo (que identifica o bom pagador) e a Lei Geral de Proteção de Dados, válida desde agosto. Somados, esses instrumentos induzem o compartilhamento de dados, reduzindo substancialmente a assimetria da informação.
Trata-se do empoderamento do consumidor, que terá acesso a crédito mais abundante e mais barato. Calcula-se que só o cadastro positivo permitirá que milhões de novos clientes sejam incluídos no mercado financeiro. É um exército de pessoas que, sem esse mecanismo de avaliação, não teriam acesso ao crédito para comprar bens.
O fato de essas quatro iniciativas terem surgido numa mesma onda de modernização econômica é equivalente a um fenômeno tão raro e auspicioso quanto o alinhamento dos astros. Ao premiar o bom pagador, ao valorizar o dono de um histórico responsável, o novo cenário que se esboça permitirá uma verdadeira democratização do crédito, em benefício da sociedade como um todo.
É preciso um recuo no tempo para encontrarmos algo que tenha tido impacto semelhante no varejo. Eu diria que o atual enraizamento da visão de plataforma para o comércio – incentivada por esse Big Bang do sistema financeiro no Brasil – tem provavelmente a mesma importância da criação do código de barras, há 40 anos, por Sam Walton, o fundador da Walmart, que revolucionou as lojas no final do milênio passado a partir de sua cadeia nos Estados Unidos.
A nova realidade é uma grande oportunidade, mas um desafio ainda maior para o comércio. A gestão passiva das lojas simplesmente não terá mais lugar. Ficou para trás o tempo do lojista que abre as portas de manhã e espera o cliente entrar. O universo varejista obedecerá cada vez mais a regras distintas, como as formuladas pelo visionário Jack Ma, fundador do Grupo Alibaba, o maior império do varejo digital do mundo, com sede na China.
Trata-se de um mundo em que a fronteira entre os ambientes físico e virtual será cada vez mais difusa. É um mundo sinergético comandado por superaplicativos que criam uma realidade expandida onde o cliente circula como se estivesse em um shopping center que cabe na tela de seu smartphone. É uma descrição que, embora possa soar futurística, corresponde ao que já fazem os lojistas mais antenados.
As grandes exigências do novo modelo farão com que muitos empresários do ramo fiquem de fora. Estamos diante de um sistema em que, como dizem os americanos, the winner takes it all. O vencedor leva tudo porque, entre os maiores concorrentes, não haverá mais espaço para quem se mostrar refratário a ingressar no novo ecossistema. O mercado não perdoa a obsolescência.
Quem quiser sobreviver terá que investir em tecnologia que faça sentido da massa bruta de dados que teremos à disposição. Os bancos sabem se o cliente é bom ou não. Nós, varejistas, além dessa informação básica, saberemos onde ele anda e a que horas, quantos filhos tem, qual seu esporte favorito, para que time torce ou se meias coloridas e gravatas extravagantes são do seu agrado. Estaremos no olho do furacão, no epicentro do terremoto que fará nascer um varejo altamente tecnológico. Quem viver verá.
Flávio Rocha é Presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
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