Dona de opiniões fortes e polêmicas, afinal, falar sobre a sexualidade feminina ainda é um tabu no Brasil, Marcela McGowan é uma mulher ousada, dona do próprio destino e que não tem medo de inspirar outras mulheres a seguirem o caminho do autoconhecimento. Sua trajetória levou a ginecologista e obstetra a terminar um casamento de longos anos, participar do reality show mais assistido do país, o “Big Brother Brasil”, e se assumir bissexual em rede nacional.
Natural de Rancharia, cidade do interior de São Paulo com 29 mil habitantes, Marcela também já trabalhou como modelo na adolescência e passou uma temporada nos EUA atuando na profissão, mas foi em coletivos de parto humanizado que ela encontrou sua paixão profissional, aliando a graduação em medicina à missão de tornar o nascimento de uma criança um momento de cuidado, respeito e segurança para centenas de mulheres.
Na série de lives “Elas que Inspiram”, Marcela compartilha suas experiências pessoais, sua guinada na carreira, seus medos, conquistas e aprendizados. Veja abaixo o nosso bate-papo na íntegra:
FRANCINE MENDES: Quem é Marcela McGowan?
MARCELA MCGOWAN: Sou uma mulher bem sonhadora e livre, tenho tentado viver a minha vida de forma mais fiel ao que eu realmente acredito, então eu tenho atualmente essa sensação de ser uma pessoa mais livre. Corro muito atrás das coisas e tenho muita sorte de trabalhar com propósitos que eu amo muito. Tive a sorte de me encontrar, encontrar algo dentro da minha profissão que realmente fizesse meu olho brilhar, porque faz muita diferença quando a gente trabalha com algo que nos inspira diariamente. Quando eu terminei a faculdade eu não gostava muito do que eu fazia, eu não me encontrava muito ali.
FM: Quando você descobriu que queria ser médica?
MM: Eu sempre verbalizei, desde pequena, que queria ser médica, acho que já tinha alguma coisa em mim. Meus pais nunca insistiram em nada, não tinha ninguém na família que fosse médico, mas era uma coisa minha, eu queria cuidar de pessoas, mas quando chegou a hora de prestar vestibular eu amarelei. Tive dúvida se eu queria fazer isso ou uma coisa mais lúdica, tipo moda, ou trabalhar em áreas relacionadas ao universo da criação. Fiquei balançada entre esses dois mundos, mas acabei indo para medicina e realmente me apaixonei. Quando eu terminei a faculdade, no entanto, alguma coisa ainda me incomodava. Fui amadurecendo e encontrando meus nichos, comecei a entender a sexualidade, me abri para esse universo e foi assim que eu descobri o parto humanizado, o movimento de humanização do parto. Isso tudo foi fazendo sentido e fui me aproximando mais de um propósito, entendendo como usar a minha profissão como um propósito.
FM: De onde veio a vontade de buscar caminhos que a levassem a um propósito profissional?
MM: Antes mesmo do “BBB”, eu já sabia que amava muito o meu trabalho, mas dentro do consultório eu atingia um número muito pequeno de pessoas. Eu atendia as pessoas que vinham me procurar, que já tinham uma abertura para o assunto, então, eu não estava atingindo novas pessoas e promovendo mudanças. Por isso, comecei a migrar para a internet, que eu acho um espaço bem democrático, em que podemos levar bastante informação para as pessoas. Assim, muito antes do “BBB”, eu já tinha esse trabalho de trazer informações na internet dentro da minha área, que é a sexualidade. E foi criando esses conteúdos que eu desenvolvi um curso, entendendo como migrar da área médica para a comunicação.
FM: Você se capacitou para fazer essa transição e a partir disso se inscreveu para o “BBB”?
MM: Eu estudava muito. Para tudo o que eu ia falar, sempre me preparava, já era uma responsabilidade grande, e hoje é ainda maior. Eu tinha me inscrito em outra edição do “BBB” há muitos anos, e foi um presente ter sido selecionada apenas nesta (edição 2020) justamente por isso, porque eu acho que eu estou muito mais capacitada para fazer um trabalho legal aqui fora do que eu estava há 10 anos. Eu me inscrevi no “BBB” pensando mais no lado pessoal do que no profissional. Não foi pensando em ter essa visibilidade, era uma experiência pessoal que eu gostaria de viver. Eu nem esperava esse alcance tão grande para levar informações. Foi uma maneira bem legal de não sair do meu ambiente profissional, mas também não perder outras habilidades que eu queria desenvolver profissionalmente, como a comunicação.
FM: Quais foram e são as mulheres que a inspiram?
MM: Existem muitas mulheres que me inspiram muito. Tem uma mulher que foi um grande marco na minha vida: Chimamanda Ngozi Adichie. Ela é uma escritora nigeriana, e o primeiro TED que eu vi na minha vida sobre feminismo foi dela. Naquele momento, pela primeira vez, eu pensei: sou uma mulher feminista, acho que me identifico com isso.
FM: Muitas mulheres ainda têm medo de se assumir feministas. Por que você acredita ser uma feminista?
MM: Eu fui me identificando com as falas dela (Chimamanda) e me entendendo feminista. Para mim, uma pessoa feminista é aquela que entende a necessidade da igualdade de direitos para homens e mulheres, mas também da equidade entre os gêneros porque vivemos uma realidade em que as mulheres estão em desvantagem socialmente, vivemos sob muitas opressões. Eu acredito nisso e acho que todo mundo que compartilha dessa crença pode se dizer feminista, que é um movimento super plural, que tem muitas pautas, muitas discussões, muitas coisas que vão sempre nos atualizar. As pessoas têm muito medo de se declarar feministas e essa é, inclusive, uma maneira de enfraquecer o feminismo: usar estrátégias para fazer com que o movimento pareça algo ruim. Então, desde as sufragistas, sempre associaram a imagem das mulheres feministas a uma estética x ou y, que não era a estética que agradava as mulheres da época. Tinha um discurso vendido junto que feminista era feia, mal amada, não cuida da casa. Se a sociedade cobra um determinado comportamento, uma determinada aparência, você vai ter dificuldade de se declarar uma coisa que é o oposto do que a sociedade acha legal. É uma estratégia para enfraquecer um movimento que é muito incrível, amplo e essencial para nós, mulheres.
FM: Parece que as mulheres têm medo da palavra ambição.
MM: Sim, a ambição não cabe na criação quando falamos de mulheres. Geralmente esse lugar de almejar o poder, do status financeiro, fica atrelado aos homens. As mulheres têm medo da ambição e talvez isso tenha relação com o que aprendemos sobre os cuidados da casa, da família e, se você for ambiciosa no trabalho, está negando essas outras coisas. É tudo muito subliminar, mas a gente carrega essas mensagens ao longo da vida porque elas nos foram ditas repetidamente em vários momentos. Eu tive a oportunidade de me capacitar muito, o privilégio de me capacitar, mas acho que uma coisa também muito importante é a ousadia, a gente tem muito medo de ousar e do que vai ouvir das pessoas se tivermos um comportamento que não é o esperado, mas ousar nos leva para caminhos muito maiores. Não somos estimuladas a ser ambiciosas, mas poucas coisas são tão incríveis como a nossa independência, principalmente, financeira.
FM: Muitas pessoas vivem atrás da fama. Como é lidar com isso?
MM: Foi bem chocante, eu não imaginava, de verdade, que o “BBB” fosse me dar essa projeção, em especial neste ano que foi uma edição de muita projeção. Eu nunca tive uma referência do que era ser famosa. Eu tinha nas minhas redes sociais algumas pessoas que me seguiam, e era aquele mundinho em que eu fazia o meu trabalho. A fama veio como consequência do reality e me trouxe um monte de coisa boa, além de mais visibilidade e uma maneira de usar ela de forma consciente. Com isso, eu ganhei um público e mais um privilégio, que é um espaço para usar a minha voz para as coisas em que eu acredito. Mas ela (a fama) traz o ônus também, na vida pessoal. Essa questão para mim foi a mais difícil de lidar, do quanto se expor, das consequências da exposição da sua imagem, e isso foi bem chocante. Acho que hoje em dia eu colho muito mais coisas positivas do que negativas, a fama me abriu muitas portas. Foi um grande presente que eu recebi da vida e tenho de ponderar a parte negativa. Acho muito legal a gente dizer que a fama é muito boa, obviamente, ela me dá mais visibilidade, mas o que eu fazia antes já era muito importante.
FM: Vejo que as mulheres têm medo da independência, porque ela traz muitas responsabilidades também. Como é acordar todos os dias com a responsabilidade de inspirar milhares de pessoas?
MM: Nós temos medo da liberdade e medo da independência porque, quando se é livre ou independente, arcamos com as consequências dos nossos atos. Para mim, tudo mudou muito, é uma grande responsabilidade. Eu já pensava muito no que deveria postar na internet, hoje em dia eu penso muito mais. Eu tenho de considerar mil vertentes, se o conteúdo será mal interpretado ou se pode passar uma mensagem errada. É uma cobrança grande, mas, ao mesmo tempo, tento tratar como se eu tivesse ainda lá com meu perfil de 24 mil seguidores no Instagram. A responsabilidade é maior porque o alcance foi amplificado, mas eu faço conteúdos para quem eu acredito que possa se interessar. Às vezes, eu me esforço para fazer vários posts, e o engajamento é bem baixinho perto de uma foto bonita, mas eu faço ainda assim porque, se mil pessoas leram, já está ótimo.
FM: Outro medo comum que vejo nas mulheres quando fazem planejamento financeiro é o medo do que as pessoas vão pensar. Como se capacitar para perder essas amarras na vida pessoal e profissional?
MM: Acredito que as mulheres devam buscar conhecimento sobre o planejamento financeiro. É algo que não somos ensinadas, como lidar com os recursos, como fazer esse planejamento. Sobre a capacitação, eu acredito que o caminho é procurar algo que traga algum retorno financeiro, mas que você também tenha alguma habilidade para aquilo e que principalmente faça sentido para você. Porque, de fato, quando faz sentido é muito diferente, colocamos uma energia muito maior que jamais colocaríamos em outro trabalho. E o medo ele vem, é normal, acho que a gente tem que trabalhar e conversar sobre isso com outras mulheres.
FM: Você também sente medos e inseguranças?
MM: Muito. Tudo o que eu vou fazer me gera ansiedade e insegurança, principalmente os projetos maiores, porque estamos testando o tempo todo, sendo avaliados o tempo todo e, como mulher, aprendi desde muito cedo, mesmo antes da fama, que as pessoas estavam avaliando meu comportamento o tempo todo. Então, é normal. Acho que, para você ter coragem, você precisa ter medo. É preciso encarar esse medo. Não vamos promover mudanças se não aceitarmos que podemos sentir medo e nos entregarmos para a vulnerabilidade das situações.
FM: Como você buscou conhecimento para cuidar do seu patrimônio?
MM: Eu não tinha nada em investimentos. Antes de entrar no “BBB”, eu havia criado um curso, mas não tinha pensado no gerenciamento. E, quando sai do reality, o próprio curso tinha outra exposição, teve um super boom e tive um retorno financeiro maior. A partir disso, comecei a buscar informações e a entender mais sobre investimentos. As pessoas foram me orientando sobre quais caminhos eu poderia trilhar e, neste momento, esses recursos estão aplicados em vários investimentos diferentes.
FM: Você também é ousada nos investimentos?
MM: A primeira vez que investi, pedi o investimento mais seguro que existia, porque, quando falam em riscos e você não entende, já imagina que vai perder tudo. O que eu fiz foi deixar uma parte em aplicações mais seguras e com outra parte experimento outros investimentos, mas vou devagar para entender. É algo muito recente, faz menos de quatro meses que eu comecei a entender como cuidar do meu dinheiro. Eu não fazia nenhum investimento, não guardava nada, e agora vi que realmente eu deveria ter tido esse comportamento antes.
FM: Você está trabalhando em um livro. Pode nos dar um spoiler?
MM: O livro vai falar sobre sexualidade em geral, mas também da nossa relação com o feminino, com o corpo e com a sexualidade. É fruto do meu trabalho, da rotina no consultório. Eu tentei elencar alguns casos que já recebi e que pudessem ilustrar bem tudo isso. A minha ideia é de que seja um livro de fácil entendimento, didático e com muita literatura sobre o feminino. É um olhar feminino sobre tudo que abrange e acaba culminando na nossa sexualidade, com informações técnicas da maneira mais leve possível. Informação é o que liberta e é a maneira mais fácil da gente desconstruir e reconstruir a sexualidade feminina.
Francine Mendes é educadora financeira para mulheres, economista pela Universidade Federal de Santa Catarina, com mestrado em psicanálise do consumo pela Universidade Kennedy. Apresentadora do canal Mary Poupe, no YouTube, e comunicadora na RiCTV Record. Instagram: @francinemendes
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