Outro dia, motivado pelas eleições nos Estados Unidos, busquei notícias sobre o presidente Donald Trump. Qual foi a minha surpresa ao descobrir que uma parcela da imprensa norte-americana vem afirmando com todas as letras que o presidente do país é um mentiroso compulsivo. Alguns veículos chegam a usar o termo “mentiroso patológico”.
É muito interessante, do ponto de vista médico, o comportamento do presidente Trump. Evidentemente, como profissional da saúde, não posso afirmar que ele é um mentiroso serial. Mas o fato de ele dizer mentiras – comprovadas por institutos de análises de fake news e pela própria imprensa – em praticamente cada discurso oficial ou não oficial que ele faz, o aproxima muito de um verdadeiro mentiroso patológico.
De que se trata, afinal, um verdadeiro mentiroso compulsivo? Todo mundo conta uma mentirinha uma vez ou outra. É algo que faz parte da vida. Mas há quem faça das mentiras um hábito, ao ponto de aquela pessoa mentir para si mesma.
Explico: às vezes, essa pessoa conta uma história e a repete tantas vezes que passa a ter a convicção de que o que contou de fato ocorreu. Ou, ao contrário, essa pessoa pega um dado de realidade e acrescenta a ele um complemento fantasioso, passando a viver o fato imaginário como se ele fosse verdadeiro. É quase – e aqui eu frisaria que o quase está entre aspas – como se fosse um delírio.
Eu dei esses dois exemplos para mostrar que a fronteira verdade/mentira muitas vezes não é muito clara e é nessa zona cinzenta que o mentiroso compulsivo circula.
Por que algumas pessoas são compelidas a mentir serialmente? Como muitas coisas que dizem respeito à mente, não há uma razão considerada definitiva, bem como parece não haver uma motivação clara para que eles contem as “suas” histórias.
A mentira patológica, ou mitomania, como também é conhecida, é um tema controverso e motivo de muitos debates. O que sabemos é que há hipótese de que a mitomania tenha algo a ver com um funcionamento equivocado do cérebro.
A comunidade psiquiátrica concorda que o mentiroso serial parece ser compelido a inventar situações sem que tenha a intenção deliberada de se beneficiar com isso, nem de prejudicar a um terceiro, ao contrário de muitas inverdades que presenciamos no nosso dia a dia.
Isso significa que o mentiroso compulsivo geralmente não se dá conta de que pode estar fazendo outros ao redor sofrerem por causa de suas fantasias, já que muitos conseguem manter atividades profissionais, sociais, familiares. De um jeito ou de outro, eles conseguem se desviar das cobranças e críticas por suas mentiras e levar sua vida. Só que quem convive com eles muitas vezes sofre.
É vital saber que o mentiroso patológico não tem o propósito de fazer ninguém sofrer. Trata-se tão somente de uma desordem psiquiátrica, assim como há outras tantas mais.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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