Diante da nova realidade da política interna dos Estados Unidos, a ser oficializada a partir de janeiro do próximo ano com a posse do democrata Joe Biden, o melhor que o Brasil pode fazer é adotar uma atitude de pragmatismo. Relações diplomáticas e comerciais não podem ser confundidas com as que se desenvolvem no plano pessoal. Os laços entre países não devem ser ditados por afinidades ideológicas, nem por laços de amizade entre governantes.
O processo eleitoral norte-americano, apesar da disputa judicial sobre o resultado, deve ser considerado o que realmente é: um marco institucional da democracia, que garante a alternância no poder. Quando, no futuro, historiadores se debruçarem sobre o pleito, é provavelmente esse o saldo que ficará registrado, e não os impasses momentâneos da disputa.
Para o Brasil, há interesses comerciais e diplomáticos em jogo. Depois da China, país que absorve nossos grãos e minérios, os Estados Unidos são o maior parceiro comercial do Brasil. Da perspectiva dos exportadores, há uma diferença importante entre as duas maiores economias do mundo. Enquanto a China importa produtos de pouco valor agregado, os Estados Unidos compram itens intermediários, como produtos siderúrgicos.
Nos últimos anos, o republicano Donald Trump adotou uma política protecionista às relações externas de seu país. “A América em primeiro lugar”, dizia o bordão. Coerentemente, os Estados Unidos se afastaram de órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio. Nesse cenário, acordos bilaterais passaram a ganhar mais importância.
O Brasil, apesar das boas relações entre Trump e o presidente Bolsonaro, não se deu tão bem. Nos três primeiros trimestres deste ano, o comércio entre os dois países recuou 25% em relação ao mesmo período do ano anterior, para pouco mais de US$ 33 bilhões – foi o pior desempenho em mais de dez anos. As nossas exportações, com recuo de 31%, foram mais afetadas do que as importações.
É claro que a recessão provocada pela pandemia explica boa parte dessa história. Mas a verdade é que a retração do comércio brasileiro foi mais acentuada com os Estados Unidos do que com outros parceiros. O Brasil chegou a ser uma vítima indireta da disputa eleitoral. Pouco antes do pleito, Trump anunciou um corte temporário de 80% nas exportações de aço do Brasil, o que deve ter lhe rendido votos no cinturão industrial americano.
Biden, ao contrário, endossa a globalização. É nesse contexto, portanto, que o Brasil deve identificar oportunidades.
Quanto às relações diplomáticas, tendem a ser mais sensíveis a pautas mais abrangentes, como o aquecimento global e o xadrez geopolítico. De um jeito ou de outro, não há por que o Brasil partir para enfrentamentos desnecessários.
“Criticar a ocorrência de incêndios florestais no Brasil não significa ingerência indevida em assuntos internos. É somente reflexo de uma preocupação que não é só de Biden.”As críticas pontuais à política ambientalista do Brasil, justas ou injustas, devem ser entendidas como parte da disputa eleitoral. O Brasil nunca permitiu ações que representassem afronta à soberania nacional – e nunca o fará. Mas seria esse o propósito de Biden? Acredito que não. Criticar a ocorrência de incêndios florestais no Brasil não significa ingerência indevida em assuntos internos. É somente reflexo de uma preocupação que não é só de Biden.
Na linguagem dos negócios internacionais, o que predomina são palavras como reciprocidade, interesses comuns ou complementares e, sobretudo, muito pragmatismo. Na diplomacia e no comércio exterior, o que conta é o resultado prático.
Nesta nova fase que se inaugura em nosso parceiro do hemisfério norte, sejamos realistas.
Flávio Rocha é Presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
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