A recente decisão da Ford de deixar o país, depois de mais de cem anos de presença por aqui, expõe de forma enfática o obstáculo que o custo Brasil representa para as empresas com atuação em seu território. Claro que a pandemia da Covid-19 também teve influência, mas não foi fator determinante, ou a montadora teria saído também da Argentina, o que não aconteceu.
Há de se reconhecer que alguma coisa tem sido feita em prol da redução do custo Brasil. No campo conjuntural, os juros baixaram para níveis civilizados. No campo estrutural, a reforma da Previdência proporcionou inequívoco alívio para as contas públicas nos próximos anos. Mas o ritmo das mudanças é exasperantemente lento. Haja vista o debate sobre a fundamental reforma tributária que há anos se arrasta no Congresso a passo de cágado.
Enquanto isso, seguimos envoltos no mesmo cipoal de impostos, com um sistema tributário caro e arcaico, que estimula a sonegação e abre brecha para a corrupção. Até especialistas se perdem em meio a tantos regulamentos, regras de incentivos, regimes especiais e isenções. Diante desse cenário, como esperar que uma empresa decida investir no Brasil? Ou ao menos mantenha seus investimentos no país?
E, no entanto, a solução da questão tributária está ao nosso alcance. Temos hoje à disposição a tecnologia necessária para implantarmos um imposto sobre transações eletrônicas, automático e imune à sonegação. Esse imposto substituiria o conjunto de tributos que só fazia sentido no tempo das carroças. Com sua base universal de contribuintes, todos recolheriam menos impostos, destravando a economia, que, após uma prolongada recessão, demora a deixar para trás um crescimento anêmico.
Empresas sérias não reivindicam privilégios ou incentivos, não comem na mão das autoridades de plantão. Elas querem apenas condições de concorrer com competitividade. Não se trata de ajudar, mas de não atrapalhar, o que acontece com as seguidas alterações nas regras do jogo, que causam insegurança jurídica, o espectro que mais assusta os empresários. O respeito aos contratos é estratégico para empreendedores, pois a perspectiva de surpresas tende a aumentar o risco natural de um investimento.
As estruturas físicas também não contribuem para melhorar as condições de competição. Parte das safras de commoditites que têm salvado nossa balança comercial, por exemplo, perde-se em estradas precárias. Outra parte acaba estragando enquanto aguarda o embarque em portos que demandam modernização urgente.
A saída da Ford tem um peso simbólico que não deve ser subdimensionado. A gigante de origem americana foi precursora da indústria automobilística no Brasil, que só viria a deslanchar durante o mandato de Juscelino Kubitschek, nos anos 50. Muito antes disso, num tempo em que mal havia estradas para seus veículos circularem, a Ford apostava no país.
Diante do fato consumado, no entanto, não podemos apenas lamentar o leite derramado. O episódio deveria servir de alerta. O Brasil tem tudo – tamanho, riquezas naturais, energia renovável, gente – para estar entre as grandes nações do mundo. Falta vontade política para a guinada definitiva. Não se trata de apontar o dedo para o atual governo, que, depois de anos de administrações desastrosas, promoveu algum avanço na agenda de reformas. A vontade política tem que ser expressa por todos – parlamentares, formadores de opinião, empresários, trabalhadores, enfim, a sociedade brasileira.
Se a saída da Ford precipitar esse debate, a empresa terá prestado um último serviço ao Brasil.
Flávio Rochaé Presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
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