Depois de muita hesitação, parece que finalmente a reforma administrativa caminha para sair do papel. A expectativa do governo e de lideranças no Congresso é que até o final do ano tenhamos novidade nesse front. O projeto em análise, no entanto, apesar de norteado por princípios liberais, é tímido, e não chega a enfrentar o gigantismo do Estado brasileiro. Se a direção das mudanças propostas é correta, a intensidade está aquém da necessidade da sociedade.
O relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça, Darci de Matos (PSD–SC), tem trabalhado em sintonia com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o maior esteio do liberalismo no governo. Mas a identificação de propósitos entre eles não é suficiente, por si, para merecer a chancela do segmento da população que, longe dos gabinetes do funcionalismo público, realmente produz.
Falta ousadia ao projeto. Acredito ser apropriado lembrar o que ocorreu com a reforma trabalhista. O deputado Rogério Marinho foi muito além das recomendações formuladas pelo presidente Michel Temer. Chamou para si a tarefa e encarou temas espinhosos, como o fim do imposto sindical, uma excrescência dos tempos de uma legislação trabalhista nascida na ditadura do Estado Novo.
Entendo a preocupação do governo em viabilizar uma reforma, tornando-a mais palatável a setores do Congresso que representam interesses corporativos. Mas essa dificuldade, que é real, não pode colocar o governo na defensiva, apresentando uma proposta que, se não é inócua, fica muito longe da que seria ideal. Creio que, com a nova correlação de forças no parlamento, o relator da reforma tem a faca e o queijo na mão para fazer avançar um projeto que ajude a desatar o nó górdio que amarra as forças produtivas do país, retardando a retomada do crescimento econômico.
“Creio que, com a nova correlação de forças no parlamento, o relator da reforma tem a faca e o queijo na mão para fazer avançar um projeto que ajude a desatar o nó górdio que amarra as forças produtivas do país.”
Em linhas gerais, a pauta é defensável. O texto restringe a estabilidade no serviço público e estabelece que leis complementares tratarão de temas como política de remuneração, ocupação de cargos de liderança e assessoramento, progressão e promoção funcionais e definição das carreiras típicas de Estado. Sim, mas tudo isso valeria apenas para os novos servidores. E o que dizer do exército de servidores hoje instalados comodamente nas franjas do poder? Muitos deles têm salários incompatíveis com as funções que exercem e continuarão, se nada for feito, a gozar indefinidamente das regalias.
Fui deputado constituinte em 1988. Sei como foram obtidos muitos dos direitos que hoje incham a máquina pública. Prevaleceu a voz de setores tão barulhentos quanto organizados. Eles, no entanto, são a minoria – os 10% com acesso aos congressistas que estavam rascunhando a nova Carta. Empurram goela abaixo da sociedade gastos públicos exorbitantes. Hoje, no entanto, os outros 90% acordaram, e não se mostram mais dispostos a aceitar privilégios de uma casta, enquanto enfrentam um mercado pressionado pela inaceitável taxa de desemprego de 14% da força de trabalho.
Diante dessa realidade é um acinte qualquer argumento em defesa de direitos adquiridos. Há que se perguntar como foram obtidos. É imprescindível medir o custo social de sua manutenção. O Congresso não pode continuar refém de alguns privilegiados que se julgam intocáveis. Princípios como o da meritocracia e práticas como a avaliação de desempenho – que garantem a produtividade no setor privado – deveriam valer para todos os funcionários públicos.
O Brasil precisa de uma reforma administrativa que faça jus ao nome – uma reforma de fato.
Flávio Rocha é Presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
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