Porque a notícia de que seis estados brasileiros estão livres de aftosa sem vacinação é tão celebrada? A febre aftosa, embora não cause problemas ao ser humano, pode reduzir fortemente a produtividade do rebanho e a credibilidade sanitária do país. Nesta semana, o Brasil recebeu da OIE (Organização Mundial da Saúde Animal) o reconhecimento de áreas livres de febre aftosa sem vacinação aos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Acre, Rondônia e parte do Amazonas e Mato Grosso.
Alguns dados sobre a pecuária brasileira podem ajudar a esclarecer a importância deste reconhecimento a da nossa pecuária para o Brasil e para o mundo.
Estudo da SIRE (Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas), divulgado nesta semana pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) confirma que o Brasil tem o maior rebanho bovino do mundo com 217 milhões de cabeças em 2020, representando 14,3% do rebanho mundial, seguido pela Índia com 190 milhões e Estados Unidos com 93 milhões de cabeças. Ainda de acordo com o estudo, em 2020, o Brasil ocupou o posto de maior exportador de carne bovina para o mundo com 2,2 milhões de toneladas, que equivalem a 14,4% da exportação mundial, seguido pela Austrália (12%), EUA (9,8%) e Índia (9,5%). O Brasil foi também o segundo maior produtor de carne bovina com 10 milhões de toneladas, equivalentes a 14,8% do total mundial, superado apenas pelos Estados Unidos com 17,6%.”
87% da carne bovina produzida no Brasil é consumida no mercado interno, imaginem onde estariam os preços, se tivéssemos que comprar no mercado internacional, importar carne pagando em dólar, somados ao frete e impostos?
A exportação de carne bovina representa 6% do nosso PIB (Produto Interno Bruto) e a cadeia produtiva da pecuária emprega aproximadamente 7 milhões de brasileiros, de acordo com o Ministério da Agricultura.
Nosso país exportou US$ 7 bilhões de carne bovina em 2020 e US$ 106 bilhões nas duas últimas décadas. Apesar de ter sido o maior exportador em termos de volume, o Brasil encontra-se na terceira colocação em valor, atrás dos Estados Unidos US$ 8,5 bilhões e Austrália US$ 8,1 bilhões.
Esta mudança do status sanitário, abre a possibilidade do aumento da participação mundial da pecuária brasileira não em quantidade, mas em valores, o reconhecimento internacional como área livre de febre aftosa sem vacinação coloca nossos estados em outro patamar, com acesso a mercados como Japão e Coreia do Sul, (terceiro e quarto maiores importadores mundiais de carne bovina) que pagam até 50% mais pelos produtos com essa chancela de qualidade.
Depois que os estados param de vacinar, são necessários dois anos para que a OIE faça o reconhecimento como área livre de aftosa sem vacinação, provando que não existe mais o vírus circulante. Nosso país tem 20% de bovinos livres de aftosa sem vacinação, a economia estimada está na casa de R$ 170 milhões por ano, 60 milhões de doses de vacinas contra o vírus deixarão de ser aplicadas por ano em um rebanho de mais de 40 milhões cabeças de gado no Paraná, Rio Grande do Sul, Acre, Rondônia e partes do Amazonas e Mato Grosso.
A erradicação da febre aftosa é uma antiga batalha do pecuarista, seu combate começou em 1965 no Estado do Rio Grande do Sul, até 1992, as ações no país contra a doença eram orientadas para seu controle, sem se cogitar de sua erradicação. Este reconhecimento ao programa de sanidade animal é resultado do trabalho de pecuaristas, associações, defesa sanitária e governadores; foram muitos anos de vacinação e acima de tudo, de investimento do produtor rural na modernização da pecuária brasileira. A pecuária bovina brasileira passou por uma intensa modernização, com base em avanços tecnológicos dos sistemas de produção, além de organização da cadeia, que resultou na notável melhora na qualidade da carne nacional.
Segundo a Embrapa, o rebanho brasileiro cresceu 317,1%, de 1960 até 2018 (USDA) e a produção de carne bovina aumentou 628,5% nesse intervalo, enquanto a área de pastagens diminuiu, provando assim o aumento de produtividade e garantindo enorme ganho ambiental.
Devido à adoção de tecnologias especialmente no campo da alimentação, genética, manejo e saúde animal, houve ganho de peso dos animais, crescimento das taxas de natalidade e diminuição do tempo de abate.
A expectativa é que o país esteja livre da aftosa sem vacinação até 2026, conforme meta prevista no PNEFA (Plano Estratégico do Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa). Ainda existe muito a ser feito para a manutenção do status sanitário, a vacina será substituída por uma nova estrutura de defesa agropecuária, vigilância e fiscalização que trabalhe juntamente com o produtor rural. A conscientização e comprometimento do produtor é crucial, pois é dele a iniciativa de notificar o serviço veterinário de qualquer suspeita. O serviço de vigilância sanitária é essencial no contínuo desafio de identificar e informar qualquer situação que possa colocar em risco a sanidade do rebanho nacional.
Cabe a nossa pecuária garantir segurança alimentar, atendendo a demanda interna e colaborando enormemente com a demanda externa de carne. A pecuária baseada em ciência, aliada à sustentabilidade pode trazer alimentos mais baratos e seguros para o Brasil e para o mundo.
Helen Jacintho é engenheira de alimentos por formação e trabalha há mais de 15 anos na Fazenda Continental, na Fazenda Regalito e no setor de seleção genética na Brahmânia Continental. Fez Business for Entrepreneurs na Universidade do Colorado e é juíza de morfologia pela ABCZ. Também estudou marketing e carreira no agronegócio. E-mail: [email protected].
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