A China desacelerou os seus embarques de carne bovina em junho de 2021, quando comparado ao mesmo período de 2020. Será que acabou esse namoro que era tão promissor em relação ao produto carne bovina?
Se a gente observar no longo prazo, daqui para trás, em um ritmo histórico de crescimento das exportações de carne bovina para China, nós devemos lembrar que o acordo comercial teve sua assinatura em 2015, mesmo ano em que começamos os embarques para lá, e tem sido uma relação bem interessante em relação ao que diz respeito à absorção da produção de carne bovina brasileira. Então, a participação da China no total exportado vem aumentando — hoje ela é de 53% de tudo que o Brasil exporta de carne bovina, ou seja, é um baita de um cliente.
E tem sido uma relação conveniente, obviamente, para ambas as partes; lembrando que a China vivenciou um problema em relação ao seu rebanho suíno. A peste suína africana dizimou o rebanho chinês, levou mais ou menos 40% do contingente de animais daquele país. E o principal consumo proteico do país parte da carne suína. Então, os estoques de proteínas animais da China ficaram bastante comprometidos e, como consequência, os chineses foram buscar fonte protéica animal em outras carnes, como carne de frango, mas principalmente na carne bovina. Porque eles não têm uma capacidade de resposta produtiva muito ágil na carne bovina.
Para produzir carne bovina precisa de tempo, espaço, clima, aptidão e tecnologia, algo que o Brasil tinha a oferecer. Se fortaleceu ainda mais a parceria que existia nesse momento. E, quando a gente compara o patamar atual em que estamos exportando de volume com a média histórica de 2015 a 2019, nós ainda estamos acima. Quando a gente começa a projetar a relação Brasil-China, em relação à exportação de carne bovina, o que deve acontecer daqui para frente?
A gente enxerga a China não só como um país, mas enxergamos a China dentro do bloco asiático. Então, nós temos vários países lá que são promissores em termos de relação comercial com o Brasil, considerando a carne bovina e outros produtos também. Quando a gente olha a Indonésia, Coréia, Vietnã, Hong Kong e China, a gente enxerga todo um conglomerado que tem tudo para continuar dando certo no longo prazo. É uma região que deve continuar crescendo, e quando a gente cresce economicamente, observamos que o consumidor busca proteínas de qualidade mais alta (muitas vezes de maior valor agregado), e é aí o caso da carne bovina.
Então, no longo prazo, nós devemos continuar com essa relação muito bem estabelecida, mas não sem viver alguns solavancos, principalmente momentâneos, porque só a China leva 53% hoje. Se a gente somar Hong Kong, dá mais de 60% de participação destes dois países dentro das exportações da carne bovina brasileira. E aí, chegando a quase 20% do que a gente produz aqui dentro. Ou seja, qualquer brecadinha da China, certamente vai causar efeito no mercado doméstico. Principalmente, porque o consumo do brasileiro está combalido pela crise econômica que estamos vivenciando. Então, desemprego, perda do poder de compra e até mesmo o cenário inflacionário têm prejudicado o consumo doméstico. Em termos per capita, temos caído quando falamos de consumo de carne bovina.
Dito isso, a gente projeta que a relação vai continuar muito boa, nós vamos continuar exportando bastante para eles, tendo a China como parceiro comercial e até podendo expandir um pouco mais estas exportações. Mas nós crescemos, de 2015 para cá, de uma maneira bem rápida, principalmente proeminente depois do acometimento da peste suíno-africana no rebanho chinês. E é normal que as coisas se acomodem.
Os preços domésticos dos suínos estão caindo neste momento na China, os abates estão aumentando, ou seja tem uma oferta maior do produto lá dentro. E isso, naturalmente, traria uma acomodação desse crescimento das exportações de carne bovina brasileira para lá. Isso é natural. Esses solavancos e respiros do mercado virão, mas a gente projeta uma relação bastante frutífera e bem duradoura, pelo menos pela próxima década, focando no crescimento asiático nos próximos tempos.
Lygia Pimentel, CEO da AgriFatto, é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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