O Brasil vive um quadro de sobrecarga tributária. Não se trata de mera opinião, mas de um problema demonstrável em números. O volume pago em impostos no país corresponde a aproximadamente 35% do PIB. Apesar de bastante conhecido e disseminado, esse dado é uma meia verdade. Isso porque apenas dois terços dos contribuintes em potencial são efetivamente tributados. Logo, o Brasil formal, por assim dizer, convive com uma carga real que já passa de 50%.
Isso nos coloca em um ponto de inflexão da famosa Curva de Laffer. O conceito se deve ao economista norte-americano Arthur Laffer, responsável por demonstrar que um aumento excessivo nos impostos leva, paradoxalmente, à queda da arrecadação, já que os negócios formais são paulatinamente destruídos. Todos os indicadores apontam que o Brasil já entrou nessa fase.
Não há dúvida de que o país precisa de uma reforma tributária, mas, infelizmente, não essa que o governo enviou para votação no Congresso. A proposta atual mais se parece com um arrocho fiscal, um documento fiscalista que ignora os verdadeiros problemas da estrutura tributária brasileira e tem tudo para piorar nosso quadro econômico.
Olhemos os números: o governo propõe, ao longo de dois anos, reduzir em 5% o Imposto de Renda das empresas, compensando essa perda com um novo imposto de 20% sobre lucros e dividendos. Com base nesses dados, o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) projetou um aumento de mais de 70% na tributação sobre lucro real de grandes e médias empresas. Para companhias com lucro presumido, o reajuste seria de quase 135%.
Não se trata apenas de condenar a imoralidade desse aumento em um país como o Brasil, que já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo e cuja economia precisa urgentemente ganhar competitividade. A proposta do governo é sobretudo ineficiente, pois resultaria em aumento da informalidade, fuga de capitais, perda de investimentos externos, aumento da sonegação e, como consequência, queda da arrecadação. Trata-se de um daqueles casos clássicos de remédio que, em dose excessiva, se transforma em veneno.
Qualquer projeto coerente de reforma precisa partir da constatação de que nossas três bases tributárias clássicas – renda, consumo e patrimônio – já estão saturadas. Qualquer aumento de imposto será contraproducente.
Em situações assim, só há duas saídas: reduzir, via reforma administrativa, o custo da máquina pública, diminuindo a necessidade de mais impostos, e tributar uma base nova.
A reforma administrativa é um problema político à parte, que terá que ser enfrentado mais cedo ou mais tarde. A solução seria tributar a base que cresceu exponencialmente nos últimos anos e, apesar disso, permaneceu intocada: os fluxos financeiros. Temos a chance de aliviar a sobrecarga das bases tradicionais por meio de um tributo mais inteligente, que incida sobre a riqueza em movimento.
Infelizmente, essa chance tem sido desperdiçada por mero preconceito. Qualquer discussão sobre o assunto ganha imediatamente o estigma de “nova CPMF”, um imposto ineficiente e regressivo. Trata-se de um falso dilema, pois a tecnologia já permite tributar movimentações financeiras de maneira proporcional e equitativa.
O Brasil tem caminhos para melhorar as contas públicas. É preciso lutar para que uma agenda correta – a melhoria dos critérios de cobrança do Imposto de Renda – não acabe tornando nosso sistema tributário ainda mais injusto e ineficiente.
Flávio Rocha é presidente do Conselho de Administração do Grupo Guararapes
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.
Coluna publicada na edição 89, lançada em agosto de 2021
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