As margens da operação de produção de carne no mercado doméstico acabaram melhorando após essa queda bastante acentuada dos preços pecuários, principalmente do boi gordo, durante o mês de outubro, que foi, por sua vez, decorrente da ausência de China nas contas.
Então, só fazendo uma retrospectiva, vamos falar um pouco do mercado e o que aconteceu. Nós tivemos dois casos de encefalopatia espongiforme não transmissível – não apresenta risco à saúde humana –, mas enquanto fica a dúvida, e os exames laboratoriais estão sendo realizados, o Brasil precisa suspender as exportações para os países parceiros, principalmente dentro do acordo comercial com a China. E aí nós suspendemos. Resolvemos, laboratorialmente, que não era um caso clássico de encefalopatia espongiforme.
Era, de fato, um caso não-transmissível, que não apresenta risco qualquer para a saúde humana. E através disso, a gente levou para uma contraprova internacional, veio a contraprova negativa também, a OIE já deu o caso como encerrado, mas a China não quis voltar a aceitar a carne brasileira nesse meio tempo. O que aconteceu foi que os brasileiros continuaram embarcando carne para lá, que havia sido certificada antes da identificação do problema. Ou seja, dentro do acordo comercial, é uma carne que estaria apta a ser exportada. O Brasil, a partir de 4 de setembro, parou de certificar essa carne e aí, sim, não pode mais embarcar para lá.
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Setembro registrou recorde de embarques de carne bovina para a China, exatamente porque embarcamos tudo que estava certificado antes dessa suspensão. Que estava de acordo com as regras, mas os chineses perderam algo na tradução do português para o inglês e mandarim, e acabaram não compreendendo muito bem. Então, ficou um buraco no acordo comercial. O Brasil mandou todas as explicações para os chineses, mas eles ainda não reverteram essa suspensão. Então, o país continua sem embarcar carne bovina para lá.
Mais pontualmente, ficamos sabendo que um ou outro contêiner entrou por meio de despachantes alfandegários influentes, mas isso não significa uma reversão desse processo. Então, agora, o Brasil está sem exportar para a China. Por isso que o volume de carne bovina embarcada em outubro caiu 43%, nós sentimos, de fato, a falta da China. Mas o que acontece para o boi gordo e os preços pecuários estarem voltando a reagir?
Bom, o que acontece é que a queda dos preços pecuários ao longo de outubro foi a mais proeminente na história dos preços pecuários. Ela foi mais proeminente até mesmo do que a queda vivenciada em 2005, quando a gente teve pela primeira vez focos de febre aftosa (gosto até de bater na madeira quando falamos dessa enfermidade, porque ela é comercial). Mas, naquele período, a queda não foi tão forte quanto a queda que a gente vivenciou agora, ao longo do mês de outubro, que foi de 10,76%. Foi uma queda bem proeminente, assustou o pecuarista, assustou todo mundo, mas fez com que o preço da matéria prima caísse no mercado doméstico às indústrias processadoras, até o ponto de melhorar a operação doméstica, que vinha sofrendo porque o preço da matéria prima estava muito alto.
O preço do boi subiu muito. Mas acho que vale fazer um parêntesis que o custo de produção subiu mais ainda que o preço do boi; o preço do boi subiu mais do que a carne no atacado durante todo esse processo até agosto. E o preço da carne no atacado subiu mais que o do varejo. É muito estranho a gente falar isso para o consumidor, porque o consumidor tem sofrido muito com a alta dos preços da carne na gôndola dos supermercados e nos açougues. Mas, incrivelmente, ela subiu menos do que o boi gordo e os preços de produção. Ou seja, a gente tem uma cadeia muito arrochada, muito esticada.
Voltando para a atualidade, os preços do boi gordo caíram bastante, 10,76% ao longo de outubro, e fizeram com que a carne não caísse tanto. Fazendo os atacadistas e os varejistas recuperarem uma parte de suas margens. Então, isso voltou a tornar o mercado doméstico interessante para as indústrias, porque até então estava muito pouco atrativo. O que estava atrativo eram as exportações, principalmente diante do dólar valorizado. Sem as exportações e a queda do boi gordo, o mercado se ajustou à nova realidade de um demandante a menos e o boi sob preços mais baixos voltou a ficar interessante para a indústria processadora no mercado doméstico.
E isso fez o que nesse último momento? Aqueceu o apetite das indústrias pela compra do boi gordo, que fez os preços pecuários reagirem de novo, de R$ 260 para R$ 280, e fala-se até de R$ 290 a arroba. Mas em uma negociação bem pontual, ainda não virou como baliza de mercado. Mas a gente pode falar entre R$ 275 e R$ 285 em São Paulo e, consequentemente, nos estados correlatos vizinhos.
Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.
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