Antes de qualquer coisa, que fique bem claro: meus pais são muito jovens. Talvez não super jovens, pois têm prioridade em filas, mas tem aquela juventude invejável: a de espírito.
Se alimentam do novo, são flexíveis, leves, divertidos, são amigos dos meus amigos.
Entretanto, obviamente o tempo que passa pros meus filhos de forma tão explícita, passa pra eles também.
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No próximo ano meu pai completará 70 anos. E tudo bem, ele segue sendo jovem, com uma saúde de ferro e provavelmente mais ativo que eu, mas o fato é que o tempo tem passado rápido demais.
É engraçado como 10 anos separam facilmente a fase em que acreditávamos piamente que eles eram super-heróis, do momento em que passamos a poupá-los de certas notícias. Já não dividimos todos as nossos problemas e angústias. Por amor, vamos ficando um pouco cerimoniosos.
E então nos sentimos sós. Percebemos que aquele beijo que cura qualquer machucado não será eterno. Que não teremos pra sempre o colo que nos acolhe quando o mundo parece um lugar difícil demais. Que um dia, mesmo que muito distante, sentiremos falta daquela risada gostosa e desejaremos com todas as nossas forças ouvir novamente. Que sentiremos falta daquele olhar que se despedia na porta da escola, mas ficava espiando pela janela pra saber se tinha ficado tudo bem.
Desconstruímos aos poucos o conceito que tínhamos antes de que eles eram invencíveis. Que tudo podem, que tudo sabem, que nunca erram. E então passamos a percebê-los como os seres humanos imperfeitos (e maravilhosos!) que são: com suas fragilidades, seus medos, seus desafios. E se é que é possível, os amamos ainda mais por isso.
Nos preocupamos com cada visita ao médico, queremos protegê-los da mesma forma que nos protegeram um dia. Nos preocupamos se já chegaram em casa, assim como um dia eles já ficaram sem dormir nos esperando chegar de uma festa. Queremos saber se tem feito exames periodicamente e se alimentado bem.
Vamos notando as pequenas limitações e nos irritamos. Sentimos raiva. Muitas vezes até perdemos a paciência. Não com eles, mas com a nossa própria frustração e dificuldade em aceitar que eles também envelhecem. Afinal, quem permitiu que pais envelhecessem? Não deveriam ser jovens e eternos?
Como filhos mimados que somos, passamos por um processo de aceitação até finalmente entendermos que eles não vieram ao mundo para satisfazer nossas vontades e necessidades. Que o mundo não gira ao nosso redor. E assim amadurecemos e passamos a compreendê-los melhor.
Depois que me tornei mãe, meu olhar sobre eles se tornou ainda mais gentil. Hoje sei perfeitamente quantas renúncias e quanta doação acompanham a chegada de um filho.
Gosto e sempre gostei muito da companhia deles que pra mim são uma escola até hoje: de valores, de gentileza, de educação, de empatia.
O que mudou é que hoje são minha prioridade, não existe festa melhor do que uma conversa olho no olho, ver os avós dedicados que se tornaram e a relação linda que tem construído com o netos.
Por fim, um trecho do famoso poema de Drummond sobre as mães, mas que certamente deveria abranger os pais: “Por que Deus se lembra – mistério profundo – de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho.”
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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