Com o Congresso às vésperas de entrar em “recesso branco”, por causa das campanhas dos parlamentares em ano eleitoral, reformas fundamentais para o bom funcionamento da economia ameaçam ser deixadas em segundo plano. Entre elas, a reforma tributária, cuja urgência é ditada pela obsolescência nefasta do nosso sistema arrecadatório.
É perceptível a olho nu o descolamento entre o novo cenário, cada vez mais baseado na novidade da economia de plataformas, e a velha tributação. A economia linear, aquela que o Estado consegue taxar, é coisa do passado. É como se estivéssemos medindo o consumo de água com um hidrômetro, que registra o fluxo nos canos, sem considerar que o volume crescente está na forma de spray.
O Estado está preparado para enxergar os elefantes. Os impostos existentes visam à movimentação da mercadoria em grandes volumes. Caminhões, navios, contêineres. Mas a economia tem sido colocada em marcha por um exército de formiguinhas que atuam de forma descentralizada, em microtransações. São milhares de motoboys levando pequenos malotes ou marmitas oriundas de dark kitchens. Em breve as entregas serão feitas por drones. E há ainda os camelódromos digitais, as redes de hotéis sem um único quarto, os bancos que dispensam agências físicas.
Esse universo extremamente atomizado com frequência se encontra à margem do sistema tributário, o que, além de comprometer a arrecadação, cria um ambiente de concorrência em condições desiguais, que ameaça os setores mais organizados da economia, aqueles que mantêm extensas folhas de pagamento.
O sistema tributário brasileiro é anacrônico. Tributamos a riqueza quando ela é criada (imposto de renda), utilizada (imposto sobre consumo) e estocada (imposto sobre o patrimônio). O problema é que essas bases se encontram sobrecarregadas. Já ultrapassamos o ponto de inflexão da Curva de Laffer, em que o aumento de alíquotas, além de não aumentar a arrecadação, abre espaço para a sonegação.
Os impostos atuais funcionavam quando as mercadorias eram visíveis e os pagamentos não eram rastreáveis. A situação econômica mudou estruturalmente, e o sistema tributário não acompanhou a evolução. Hoje as mercadorias são invisíveis para a Receita, e a tecnologia permite que as transações sejam rastreáveis.
A solução, portanto, não é tributar a mercadoria, mas a transação financeira, a mais universal, ampla e justa base tributária. Como todos pagariam, todos pagariam menos – e com ganho expressivo de arrecadação. Sairíamos das bases tributárias tradicionais (os impostos sobre renda, consumo e patrimônio), que geram R$ 3 bilhões de arrecadação anual, para uma base gigantesca de R$ 2 quatrilhões. A microtributação seria mais do que uma reforma. Seria uma verdadeira disrupção do sistema tributário brasileiro.
A reforma que se encontra sob análise no Congresso – unificação do PIS e Cofins em novo tributo e reformulação das regras do Imposto de Renda – é tímida e não enfrenta o problema que tende a se agravar. Espera-se que o compasso de espera a que está submetida sirva de janela para os parlamentares analisarem as vantagens incomparáveis do microimposto.
Flavio Rocha é presidente do conselho de administração do Grupo Guararapes
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Coluna publicada na edição 93 da revista Forbes, de dezembro de 2021