Entro no elevador, a vizinha não dá bom dia e nem levanta o olhar. Acho estranho, mas talvez ela estivesse concentrada demais no e-mail que respondia. Pelo menos ela me poupou do papo constrangedor sobre o tempo lá fora.
Sento pra tomar um café. Se estivesse em São Paulo talvez me causasse um certo desconforto o fato de estar sozinha. Provavelmente pegaria o celular para me fazer companhia. Aqui, não.
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Aqui é Nova York, todos estão ocupados demais para me notar. Ninguém pareceu se importar também que estou usando pijama por baixo do casaco. E botas UGG que pensei que nunca mais usaria depois dos 16 anos.
Penso “que ótimo seria viver assim!”
Olho à minha volta: o movimento, as cores, os sons. Esta é uma cidade que respira vida, respira diversidade. Estar aqui é um prato cheio pra minha imaginação e eu poderia passar o dia todo observando o funcionamento das engrenagens dessa convenção que chamamos de sociedade.
Vejo passar um senhor extremamente bem vestido. O cabelo milimetricamente penteado, barba recém feita, um óculos que reluz de tão limpo, as meias combinando com a calça e o sapato perfeitamente limpo e engraxado. Reparo até nas unhas mais bem feitas que as minhas no momento, eu confesso.
Ninguém se importa. E ele provavelmente sabe disso, mas se vestiu para si mesmo, não para os outros. O que não me impede de admirá-lo por um minuto. Imagino quanto tempo ele demorou para se arrumar naquele dia. Se despediu de sua esposa com um beijo ou se vive sozinho. Se tem filhos, netos. Se tem uma história de vida interessante e bons amigos.
Ele passa.
Passa também uma moça chorando ao telefone. Ninguém nem olha. Simplesmente seguem seus caminhos a passos largos sem se importar. Todos apressados demais. Talvez ela seja invisível e só eu a veja.
Passa um casal apaixonado. Será que se conheceram ontem ou se conhecem por uma vida inteira? Terão percorrido quantos caminhos diferentes antes de se encontrarem e caminharem nesse dia frio de mãos dadas?
Reparo em uma mãe que carrega no colo sua filha com os cabelinhos ralos, provavelmente fazendo algum tipo de tratamento. Meu coração de mãe dói em lugares que eu nem imaginava que existiam. Elas param no parquinho logo a minha frente, brincam, riem genuinamente e se tratam com tanto carinho e amor, que percebo que a vida pode ser leve mesmo quando os ventos não são tão favoráveis.
Decido pagar a conta, pegar um ônibus e buscar as crianças na escola. Uma senhora bem idosa cai na minha frente, entre o meio fio e o ônibus. Ninguém se mexe. Vou imediatamente até ela, não porque sou especial ou melhor que alguém. Simplesmente corro até ela porque é o óbvio a se fazer. Ou pelo menos deveria ser. Pergunto se ela se machucou, e cuidadosamente a levanto. Olho em volta, percebo a impaciência do motorista e dos demais passageiros com o atraso que aquele incidente gerou, e logo imagino se alguém teria se movido para ajudá-la. Tratam com tanta naturalidade aquele fato que penso que tudo aquilo talvez seja uma pegadinha, que talvez exista uma câmera escondida ali, e que a senhora seja apenas uma excelente atriz. Mas não, ninguém ri. A senhora parece sentir dor, então percebo que infelizmente é a vida real. É uma ousadia enorme uma senhorinha cair e atrasar todos alguns minutos. O tempo é precioso e todos tem compromissos urgentes demais (eu não precisaria nem dizer, mas que fique claro: contém ironia aqui).
No caminho da escola, penso: “como pode tanta coisa se passar em um dia? E ainda não são nem meio-dia.
Chego na porta e meus filhos vêm correndo para o meu colo. Eu os abraço forte e digo o quanto os amo, não porque hoje é um dia especial mas porque é assim que faço todos os dias. Digo que os amo milhares de vezes. Beijo e abraço muito. Converso com eles olhando nos olhos e valorizo nossas conversas cheias de “por quês?”, que me ensinam tanto. Rezo para que eles conservem esse olhar questionador, puro e curioso sobre tudo.
Percebo que já não acho ótimo um mundo onde ninguém se importa. Ganha-se de um lado, mas perde-se (muito) de outro. Não desejo para eles um mundo indiferente. Espero que notem tudo. Que não andem tão apressados assim. Que tenham objetivos, mas que saibam apreciar a caminhada. Que não olhem para as pessoas apenas olhando, mas que as vejam. Que se preocupem com seu próprio caminho, mas que se importem com quem caminha ao lado.
De repente passa uma moça, que provavelmente estava a caminho de algum compromisso. Ela nos vê ali abraçados esperando o Uber. Ela para e sorri. Vem em nossa direção e se oferece para tirar uma foto. Como recusar aquela oferta? Ela não sabe, mas além de amor eu sempre verei gentileza naquela foto. E ela me lembrará que existe gente que não anda tão apressada assim.
Paula Drumond Setubal é advogada, mãe de gêmeos e produtora de conteúdo.
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