
A educação financeira é essencial para todos, mas, quando vista pela ótica dos direitos das mulheres, ganha um significado ainda mais profundo: reparação e justiça social.
Propiciar meios para que as mulheres possam se capacitar financeiramente não é apenas uma questão de gestão de dinheiro, mas um caminho fundamental para superar a violência patrimonial, garantir autonomia e promover a emancipação feminina.
Desigualdades e obstáculos financeiros
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as mulheres recebem, em média, 20% menos que os homens para desempenhar as mesmas funções. Além disso, elas têm menos oportunidades de ascensão na carreira; maior propensão a interromper suas trajetórias profissionais para cuidar da família e, consequentemente, acumulam menos recursos para a aposentadoria, tornando-se financeiramente vulneráveis na velhice.
Essas desigualdades impactam diretamente a independência financeira, criando um ciclo de dependência que muitas vezes é explorado de forma abusiva.
Violência econômica: uma sabotagem silenciosa
A violência financeira contra a mulher ocorre tanto no ambiente doméstico quanto no trabalho e tem efeitos devastadores que se somam aos danos materiais, como: desespero, insegurança, sentimento de culpa, baixa autoestima, dependência extrema do parceiro ou da família.
Muitas mulheres, ao se tornarem mães, acabam interrompendo suas carreiras ou partindo para empregos de meio período a fim de ter mais tempo para se dedicar à criação dos filhos. Nesse contexto, é natural que confiem na lealdade e senso de justiça de seus parceiros, mas muitas acabam frustradas ao se depararem com uma realidade bem diferente disso.
A violência financeira presente nas relações cotidianas
Não é raro no dia-a-dia de todos nós, sabermos de casos em que homens afirmam, diante de juízes, que não têm dinheiro, simplesmente para se livrar do pagamento de pensão, ou para tê-lo definido em patamares extremamente reduzidos
Reter pensão alimentícia, reduzi-la arbitrariamente ou simplesmente não pagar sua parte no sustento dos filhos são formas de violência financeira. Inclusive, deixar de pagar pensão alimentícia definida em juízo, é crime previsto em lei e, ainda assim, essa é a realidade recorrente no cotidiano de milhares de famílias.
Outra situação relativamente comum entre casais, especialmente em lares onde o homem é o principal provedor, é a ocultação dos próprios ganhos ou da forma como o dinheiro é investido. Isso também é violência financeira e, intencionalmente, cria desequilíbrios na relação de poder que se estabelece, violando os direitos da mulher.
Este é um tema que precisa ser amplamente discutido, pois quando uma mulher tem sua autonomia subjugada pela dependência econômica, isso se torna uma questão que impacta toda a sociedade, ou pelo menos deveria.
Desmistificando a violência patrimonial
Para combater esse problema, é essencial nomeá-lo corretamente e trazer esse debate à pauta. A violência patrimonial não se resume à dependência financeira, mas ao abuso dessa dependência para restringir escolhas e impor limitações.
Se duas pessoas vivendo juntas concordam que uma delas cuidará da casa e a outra será responsável por prover financeiramente, tudo é dividido e administrado por ambas, isso é saudável e livre de abuso, já que configura um modelo de parceria viável para aquele núcleo familiar.
O grande problema é que na maioria dos casos não é exatamente essa harmonia de interesses que prevalece. São inúmeros os casos em que parceiros, ou ex, se prevalecem de sua superioridade financeira e da dependência econômica das mulheres, sobretudo por causa dos filhos, submetendo mulheres a pressão psicológica e vulnerabilidade material inadmissíveis numa sociedade que se pretende civilizada.
Conscientização e o desafio de quebrar tabus
Apesar de a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) contemplar em seus artigos a violência patrimonial, ainda há pouca conscientização sobre o tema. Muitas mulheres sofrem esse tipo de abuso sem mesmo se dar conta. Elas sentem raiva, vergonha, impotência, mas nem sempre conseguem identificar que sua autonomia está sendo minada pelo poder econômico.
Precisamos de políticas públicas eficazes e de uma ampla discussão sobre educação financeira como ferramenta de combate à violência. Quando as mulheres compreendem como gerenciar seu dinheiro, elas conquistam liberdade, autonomia e poder de escolha.
Educação financeira: a chave para a autonomia
A violência financeira rouba oportunidades, humilha, destrói a autoestima, reduz drasticamente as possibilidades de crescimento pessoal e profissional, e mantém centenas de mulheres presas a relacionamentos abusivos.
Rever a forma como nos organizamos como sociedade, de forma a propiciar às mulheres o devido espaço para desenvolver habilidades financeiras é urgente em termos de reparação de oportunidades arbitrariamente negadas. Além disso, será um avanço social importante, tanto no aspecto das relações familiares quanto no âmbito do empreendedorismo e oportunidades de carreira e realização.
Quando as mulheres têm domínio sobre suas finanças, elas conquistam autonomia e capacidade de realizar seus objetivos pessoais e a educação financeira é o instrumento que oferece as ferramentas necessárias para que elas façam escolhas conscientes, evitando situações de vulnerabilidade e dependência.
Ao investir na educação financeira acessível e focada em promover equidade através do acesso à informação e ao conhecimento, estamos investindo no desenvolvimento de uma sociedade mais justa.
Eduardo Mira é investidor profissional, analista CNPI, pós-graduado em pedagogia empresarial, coordenador do MBA em Planejamento Financeiro e Análise de Investimentos da Anhanguera Educacional, sócio do Clube FII e sócio fundador da holding financeira MR4 Participações.
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