Na última semana, tivemos a oportunidade de relembrar como o mundo dos negócios é desigual: a Apple se tornou a primeira empresa a atingir US$ 1 trilhão em valor de mercado. Outras empresas de tecnologia estão logo atrás, as MAGAs – Microsoft, Google e Amazon. Na contramão, muitas pequenas empresas não-tecnológicas estão em processo de falência, e as pessoas que trabalham nelas perdendo seus empregos.
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Como conseqüência, a desigualdade de renda aumenta: algumas dezenas de bilionários possuem patrimônio maior do que a metade da população mais pobre da humanidade. Mas nem sempre percebemos como um cenário desigual extremo é comum em outras partes da sociedade. É uma realidade nas indústrias de notícias, entretenimento, esportes e em praticamente todas as outras. É hora de reconhecermos isso, pois o que é real no caso da desigualdade de renda, é verdadeiro para outras questões também: e não é algo bom.
A cantora pop Beyoncé será a capa da revista “Vogue” de setembro. O fato em si não é nada espetacular, visto que nos últimos anos Jennifer Lawrence, Lady Gaga e Kate Moss receberam o mesmo tratamento. A única diferença é que ninguém antes foi capa duas vezes da edição de setembro, a mais prestigiada da revista, o que faz da diva pop, que teve o reconhecimento a primeira vez em 2015, de alguma forma, a estrela das estrelas.
Mas este estrelato é realmente tão excepcional? Na verdade não, mas é difícil compreender totalmente a escala e o escopo dele. As raízes da desigualdade econômica nas indústrias são visíveis e, nos últimos anos, levou a um retrocesso contra as “Big Tech”. Mas um efeito semelhante ocorre em muitos outros setores. Alguns indivíduos, empresas ou organizações dominam seus campos – qualquer que seja ele – de uma maneira nunca vista desde, pelo menos, a Era Dourada.
No mundo das celebridades, segundo a FORBES, as 100 maiores estrelas globais do ano passado fizeram, juntas, mais de US$ 6,3 bilhões. Esse número representa um aumento de 22% em relação ao ano anterior e mais da metade do que era há uma década. Beyoncé e Lady Gaga chegaram a liderar a lista em 2011 e 2014, respectivamente.
O mesmo é verdade na mídia. “Wall Street Journal”, “The New York Times” e “Washington Post”, que já tiveram leitores locais distintos, ficam acima dos outros jornais em termos de visualizações, assinaturas e, provavelmente, anúncios e receitas com eventos. O “New York Times”, por exemplo, viu os lucros do primeiro trimestre deste ano subirem 5%, para US$ 399 milhões. Seus leitores online dobraram nos últimos dois anos, para um recorde de 130 milhões por mês.
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Embora essas performances sejam bem merecidas e bem-vindas, para esses meios de comunicação e artistas, elas não devem ocultar o outro lado obscuro da mesma equação. Ou seja, na parte inferior da indústria, os 50%, 90% ou 99% estão cada vez mais apenas resistindo à pressão. No entretenimento, os modelos de distribuição e ganhos digitais dificultam, se não impossibilitam, que muitos artistas de nível inferior permaneçam no radar dos fãs e ganhem dinheiro.
Os jornais locais, que já foram o orgulho das cidades norte-americanas, viram os leitores e a publicidade caírem drasticamente, levando a dezenas de falências e a uma queda de 45% no número de empregos nas redações. A mídia digital e os repórteres que assumem os cargos geralmente trabalham com salários que são uma fração do que eram antes.
Tudo aponta para a mesma conclusão: a desigualdade extrema está em toda parte, não apenas nos setores de tecnologia ou finanças. Na Reunião Anual do World Economic Forum em Davos, Suíça, um grupo de CEOs e governantes celebridades – como Donald Trump, Xi Jinping, Justin Trudeau, Jack Ma e Sheryl Sandberg – voltam para casa com a maioria das menções da mídia e atenção. Os cerca de 3.000 outros participantes, embora muitas vezes igualmente impressionantes, receberam muito menos atenção.
É um sinal dos tempos e um resultado da Quarta Revolução Industrial em curso. Mas, em última análise, esse tipo de extrema desigualdade é ruim em qualquer setor da economia – ou em qualquer parte da sociedade em que ela se desenvolva. A ansiedade, o antagonismo – ou a sensação de perda que as pessoas na base da pirâmide sentem – é tão real na mídia e no entretenimento quanto no varejo, no setor bancário, na tecnologia ou em qualquer outro lugar.
Endereçar e resolver esse problema não é uma tarefa fácil. A situação parece ainda caminhar mais para trás do que para frente. Na maior parte das vezes, quando a Oxfam, o US Bureau of Labor Statistics ou outras organizações divulgam novos números sobre a desigualdade econômica e salários, a notícia não é boa para a maioria da população. O mesmo vale para a desigualdade em outros setores: os grandes estão cada vez maiores e os pequenos cada vez menores.
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Mas há motivo para otimismo. Saber o que funciona e o que não funciona ao abordar a desigualdade de renda é um bom começo. Focar apenas no PIB e no crescimento não ajuda. É preciso expandir o foco para incluir métricas como taxas de emprego, renda média, taxas de pobreza e o coeficiente de Gini, que mede a distância entre os mais ricos e os mais pobres.
Talvez medidas similares possam ser incluídas quando as indústrias e os formuladores de políticas fizerem suas reflexões sobre como lidar com a extrema desigualdade em seu campo. Existe uma maneira de o Facebook equilibrar o ranking da mídia local versus a nacional em seu algoritmo ou de o Spotify pagar uma parcela maior de receita para as primeiras 10.000 reproduções de uma música do que para as próximas 10 milhões? Podemos encontrar formas de desigualdade extrema em todos os domínios que possam ser compensadas por medidas que favorecem os intermediários ou os que estão na base?
As soluções acima são utópicas e talvez altamente irrealistas para um problema grande e crescente. Mas está claro que a questão da extrema desigualdade precisa ser resolvida. E para realmente fazer uma mudança, a solução não está apenas em olhar para o nível mais alto e de maior concentração da desigualdade, mas também setor por setor e comunidade por comunidade.